Mundo Europa

Maioria dos apoiadores da esquerda radical da França pretende se abster ou anular no segundo turno da eleição, aponta consulta

Le Pen e aliados são alvo de denúncias de corrupção envolvendo desvio de verbas quando ela era deputada no Parlamento Europeu
Manifestantes em Nantes em frente a uma pichação onde se lê "Nem Le Pen, nem Macron" Foto: THOMAS COEX / AFP
Manifestantes em Nantes em frente a uma pichação onde se lê "Nem Le Pen, nem Macron" Foto: THOMAS COEX / AFP

PARIS — A maioria dos eleitores do candidato da esquerda radical francesa Jean-Luc Mélenchon pretende se abster ou anular o voto no segundo turno das eleições presidenciais no domingo que vem, entre o atual presidente, Emmanuel Macron, e a candidata de extrema direita, Marine Le Pen. A tendência de voto foi apontada em  uma consulta interna do partido de Mélenchon, o França Insubmissa.

De acordo com os resultados divulgados neste domingo, entre cerca de 215 mil simpatizantes do partido que participaram da consulta, mais de 66% disseram que vão se abster, deixar a cédula em branco ou estragá-la. Pouco mais de 33% disseram que votarão em Macron. A opção de votar em Le Pen não foi dada na consulta.

"Os resultados não são uma instrução para votar em ninguém. Todos vão concluir a partir disso e votar como acharem melhor", escreveu a equipe de campanha de Mélenchon em seu site. No domingo passado, Mélenchon, que teve cerca de 22% dos votos, pediu a seus apoiadores que não votem em Le Pen, mas não chegou a defender Macron.

Entenda: As divergências entre as propostas de Macron e Le Pen, que disputarão o segundo turno na França

Macron, uma centrista pró-União Europeia, chegou à Presidência em 2017 após derrotar Le Pen com facilidade, obtendo 66% dos votos. Na ocasião, os eleitores se uniram a ele no segundo turno para deixar os ultraconservadores fora do poder. Mélenchon também não declarou apoio a nenhum candidato naquela ocasião, e foi mais comedido em suas críticas a Le Pen.

O primeiro turno na semana passada fez com que o segundo turno repita a disputa de 2017. Desta vez, no entanto, Macron enfrenta um desafio muito mais difícil. Seu estilo confrontador e políticas que muitas vezes tenderam para a direita aumentaram a resistência a um voto útil por parte da esquerda.

Pesquisadores estimam a taxa geral de abstenção para a eleição do próximo domingo em cerca de 30%, semelhante à do primeiro turno. Não estão claras quais são as consequências de uma taxa de abstenção alta no geral ou entre os eleitores de Mélenchon.

Acenos: Macron se diz aberto a atenuar reforma da Previdência, em tentativa de atrair eleitores de esquerda

Tanto Macron quanto Le Pen lutam para alcançar eleitores além de seus próprios campos. Em 2017 e em 2002 — quando o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, levou a extrema direita ao segundo turno pela primeira vez na França— formou-se uma "frente republicana" de eleitores de todos os matizes para manter a extrema direita longe do Eliseu.

No sábado, uma pesquisa IPSOS-Sopra-Steria apontou que cerca de 33% dos eleitores de Mélenchon apoiarão Macron no segundo turno, com 16% apoiando Le Pen. Mas mais de 50% das pessoas questionadas se recusaram a dar sua opinião.

Leia mais: Le Pen quer promover ligações mais estreitas entre Otan e Rússia se for eleita na França

Denúncias de corrupção

Le Pen e seus parentes foram alvo de denúncias de corrupção no sábado, envolvendo o desvio de  dinheiro do Parlamento Europeu quando ela foi deputada por lá, entre 2004 e 2017.

De acordo com um relatório do Organismo Europeu de Luta Antifraude (Olaf), escrito há um mês e revelado pelo site francês Mediapart neste sábado, “o impacto financeiro dos fatos apurados chega a pelo menos  € 617.379,7”.  Os fatos denunciados incluem o uso de verbas europeias para eventos internos do partido e gastos pessoas.

Segundo o Olaf, as denúncias "podem dar origem a processos penais contra os ex-deputados (...) por  atos fraudulentos que cometeram em detrimento do Orçamento da União". Entre os possíveis delitos, o escritório cita "fraude", "falsificação ", "quebra de confiança" e "desvio de fundos públicos" para fins políticos ou pessoais.

A candidata do Reunião Nacional (RN) nas eleições presidenciais é acusada de ter desviado € 136.993,99 e do dinheiro comunitário quando era deputada europeia, entre 2004 e 2017. Seu pai, Jean-Marie Le Pen, é suspeito de ter desviado € 303.545,76. O relatório também cita o membro da direção do RN Bruno Gollnisch pelo desvio de € 43.257, o ex-companheiro de Marine Le Pen, Louis Aliot, pelo desvio de € 2.493,22, e o grupo político de extrema direita Europa das Nações e Liberdades (ENL), suspeito de desviar € 131.089.

Um dos advogados de Le Pen, Rodolphe Bosselut, respondeu ao Mediapart que “não sabe de nada” sobre as acusações do relatório”, que “nunca teve acesso a ele” e que o Olaf “não é independente”. O advogado também criticou a "coincidência" da publicação da denúncia com "a campanha ao segundo turno das eleições presidenciais, que está a todo vapor”.

Guga Chacra : Primeiro turno na França não teve surpresa. Mas e o segundo, terá?

A denúncia prejudica a imagem de honestidade que Le Pen tenta transmitir na campanha.

A candidata tem apelado para setores operários e rurais do eleitorado de Mélenchon, concentrando sua mensagem no custo de vida, no aumento dos preços dos alimentos e nos altos preços da gasolina após o início da guerra na Ucrânia. Enquanto isso, ela acusa Macron de ser o candidato dos ricos.

Macron, por sua vez, está tentando atrair os segmentos mais educados, de centro-esquerda e urbanos dentre os apoiadores de Mélenchon.

No sábado, ele disse a apoiadores em Marselha —  cidade que votou em peso em Mélenchon —  que havia ouvido sua mensagem e concentraria sua nova Presidência em tornar a França livre de combustíveis fósseis. Ele acusou Le Pen de ser uma "cética do clima". A candidata respondeu:

— Não sei em que ele está se baseando, mas nunca fui cética em relação ao clima. Tenho um programa que leva em consideração o meio ambiente e a ecologia — disse Le Pen à emissora de televisão France 3.

As promessas de Macron de fazer mais pelo meio ambiente podem não atingir o alvo para alguns eleitores. O chefe do Partido Verde, Julien Bayou, disse que o presidente não tem credibilidade sobre o assunto.

— Ele tinha cinco anos para agir e não o fez — disse ele à rádio Franceinfo, acrescentando que a convocação dos Verdes para votar em Macron foi puramente para impedir que a extrema direita chegue ao poder.