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Merkel, que acaba de entrar em quarentena, recupera protagonismo e apoio na política da Alemanha

Estilo científico e não ideológico de governar leva chanceler a retomar alto índice de popularidade; ela está há quase 15 anos no cargo e anunciou que vai deixá-lo em 2021
Chanceler da Alemanha, Angela Merkel, em pronunciamento à imprensa sobre a epidemia do novo coronavírus Foto: POOL / via REUTERS
Chanceler da Alemanha, Angela Merkel, em pronunciamento à imprensa sobre a epidemia do novo coronavírus Foto: POOL / via REUTERS

BERLIM - Há quase 15 anos no poder e a menos de dois de cumprir a promessa de abandonar o cargo após as eleições previstas para 2021, a chanceler Angela Merkel confirmou a sua imagem de “mutti” (mamãe) dos alemães ao administrar a terceira grande crise do seu governo, a pandemia do novo coronavírus. A chanceler tem angariado elogios e apoio, tanto pela seriedade e honestidade com que tem enfrentado a pandemia, quanto por seu próprio exemplo pessoal: ontem, Merkel, de 65 anos, entrou em quarentena de 15 dias, depois de ter contato com um médico cujo teste deu positivo.

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O maior desafio do país desde a Segunda Guerra Mundial — mais de 18 mil contaminados e a perspectiva de que o número chegue a dez milhões até o final de abril — revelou também como os alemães preferem o estilo científico de governar da chanceler, que ouve especialistas antes de tomar decisões. Para eles, isso é mais eficiente para resolver as crises do que o foco ideológico.

Isto ficou claro ontem, quando a própria chanceler anunciou entrar em isolamento, e que trabalhará de casa. A chanceler foi “informada de que o médico que havia lhe aplicado uma vacina contra infecções pneumocócicas na tarde de sexta-feira deu positivo”, informou seu porta-voz, Steffen Seibert. A chanceler “vai se submeter a um teste nos próximos dias” para descobrir se está infectada, disse Seibert.

Pouco antes de seu isolamento ser anunciado, Merkel apresentou novas medidas para conter a pandemia de coronavírus no país. A chefe de governo anunciou, por exemplo, que as reuniões de mais de duas pessoas estão proibidas, bem como o fechamento de todos os restaurantes.

Doutora em física, a política voltou a ter índices recordes de popularidade. Uma pesquisa divulgada na semana passada revela que cerca de 60% dos alemães aprovam as políticas de Merkel, enquanto o seu partido, a CDU (União Democrata Cristã) subiu de 22% para 29% em uma semana.

— Ela está de volta na hora certa — afirmou o jornalista Gabor Steingart, autor de livros sobre a política alemã.

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Houve uma mudança do clima político em Berlim apesar do medo do vírus e da quarentena recomendada para quase 80 milhões de alemães.

— Ela hesita e costuma mudar de posição, mas termina encontrando a melhor solução — disse o analista político Robin Alexander, autor de um livro crítico à política de refugiados de Merkel, mas que passou admirá-la com as atitudes tomadas durante a pandemia, que fez o país parar nos últimos dias.

O cientista político Gero Neugebauer, da Universidade Livre de Berlim (FU), lembra que o vírus fez Merkel mostrar uma nova característica, a emoção, como ficou patente no seu pronunciamento à nação na última quarta-feira, quando ela falou em solidariedade e democracia como valores principais na crise e pediu que os alemães sigam as regras anunciadas pelo governo para uma redução da velocidade de transmissão da Covid-19.

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— Em um momento raro e atípico para o seu estilo pragmático e frio, Merkel mostrou que é capaz de emoção ao falar sobre os idosos, as pessoas mais vulneráveis à doença. Ela provocou lágrimas em muitos alemães ao apelar aos jovens para que cumpram as regras de prevenção para evitar transmitir o vírus aos mais velhos. Estes não seriam apenas uma estatística, mas sim pessoas como os avós ou os pais — disse Neugebauer.

A física, que até 1989 viveu atrás do Muro de Berlim, tem a reputação de mudar de posição em 180 graus, o que gera crítica de jornalistas, mas não dos eleitores. Ainda no último dia 11, ela foi contra o fechamento das escolas. Após ouvir especialistas, porém, decidiu o contrário.

Apoio popular

O crescente apoio fez com que muitos alemães, que a criticaram após as crises do euro (2010) e dos refugiados (2015), mas aceitaram com disciplina as medidas de prevenção e ficaram em casa nos últimos dias apesar do sol, comecem a discutir o que vai ser do país a partir do final de 2021. Merkel já anunciou que não vai mais se candidatar. Quem a sucederá será o novo presidente da CDU, que deveria ser eleito em pouco mais de duas semanas, o que foi adiado por causa da pandemia.

Os membros do partido que ficou menos conservador durante os anos em que foi chefiado pela primeira vez por uma mulher têm quatro opções para substituí-la: o ex-líder da bancada do governo, Friedrich Merz, que há quase 20 anos foi forçado a desocupar a cadeira por Merkel; o ministro da Saúde, Jens Spahn, que, se for eleito, seria o primeiro gay a governar a Alemanha; o governador da Renânia do Norte-Vestfália, Armin Laschet; ou o porta voz de política externa da CDU, Norbert Röttgen.

Até agora, o preferido era Merz, ainda hoje o maior crítico de Merkel. Mas isto virou-se contra o bem-sucedido advogado: as críticas duras a Merkel depois das eleições da Turíngia, no início de fevereiro, quando a CDU obteve o pior resultado da sua história no estado, acabaram substituídas por elogios. Merz também contraiu o vírus e está em quarentena.

— Há inquietude sobre quem terá capacidade de resolver as futuras crises sem o pragmatismo e o estilo de tomar decisões só depois de ouvir os especialistas — comentou Neugebauer.

O próximo ano será o último de uma chanceler que vai entrar para a História. Filha de um pastor protestante que deixou Hamburgo com a família para ir morar na parte comunista da Alemanha, Merkel não foi exatamente uma dissidente. Depois da reunificação alemã, resolveu entrar na política e foi “descoberta” pelo então chanceler Helmut Kohl. Em tempo recorde, aprendeu a arte de conquistar e segurar o poder, com o método de banir todos os possíveis adversários. Como partido, a CDU perdeu parte do seu conteúdo original, mas Angela Merkel voltou agora voltou a brilhar.