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'Morales quer o caos absoluto', diz Carlos Mesa, principal líder opositor da Bolívia

Ex-presidente, que disputou 1º turno, atribui violência a militantes do MAS e defende que novas eleições 'partam do zero'
Foto: STRINGER / REUTERS
Foto: STRINGER / REUTERS

O principal candidato da oposição e ex-presidente Carlos Mesa atribui a violência ocorrida na noite de domingo para segunda-feira a militantes do Movimento ao Socialismo (MAS), o partido de Evo Morales. Em entrevista ao GLOBO, por telefone, ele disse temer que o ex-presidente, que renunciou no domingo, oriente a bancada do governo no Congresso a boicotar a sessão que analisará a renúncia, impedindo assim o seu reconhecimento. Para Mesa, que já governou a Bolívia de 2003 a 2005, a nova eleição tem que partir do zero, sem Morales e com a possibilidade de incluir novos candidatos. Os resultados oficiais do primeiro turno, contestados por Mesa, davam 47,08% para Morales, contra 36,51% do opositor.

Evo Morales havia aceitado convocar uma eleição, mesmo assim perdeu o apoio das Forças Armadas e renunciou. Depois disso, alguns parlamentares e membros do governo se refugiaram em embaixadas, membros do TSE foram presos... É um golpe o que está ocorrendo?

Não, não se trata de maneira alguma de um golpe. Isso é uma ideia que Morales está tentando vender. Ele está tentando vender a ideia de que foi forçado a renunciar pelos militares. O que houve foi um processo de ampla rejeição à sua tentativa de burlar o resultado do referendo de 2016 (que barrava a tentativa de concorrer ao quarto mandato) e de uma fraude maciça como relatada pela OEA duas vezes: primeiro por sua missão de observação e depois no relatório da auditoria. Foi o presidente quem violou as leis. Quem violou as leis recebia ordens do presidente.

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Mas ele aceitou o resultado da auditoria e convocou eleições, como sugerido pela OEA...

Convocou violando as normas. Era a Assembleia que deveria convocar. Ele não reconheceu a fraude e insistiu em ser candidato. Alguém que fraudou o processo, que é responsável pelas fraudes, não pode ser candidato. Ele não escutou os pedidos da oposição.

As novas eleições poderiam incluir novos candidatos?

Nossa posição é que as novas eleições possam aceitar novos candidatos, que se parta do zero. Mas sem Morales. Ele não pode ser candidato porque a Constituição proíbe. Ele era um candidato ilegal.

O que acontece agora?

Tivemos uma madrugada brutal , com casas de opositores incendiadas por militantes que foram instruídos pelo MAS, como a do reitor da Universidade Mayor de San Andrés (Waldo Albarracín) e de uma jornalista (Casimira Lema, da Televisión Universitária).

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Mas também houve ataques a integrantes do MAS...

Não vou justificar de maneira alguma o que aconteceu, mas o que mais houve foram ataques de militantes do MAS, queimando ônibus, atacando. Morales quer o caos absoluto e instruiu seus militantes a atacarem.

E como fica a sucessão presidencial?

O Congresso precisa se reunir para analisar o pedido de renúncia do presidente, mas Morales tem dois terços da Assembleia. Se ele der ordem para não participarem, paralisa o processo.

A oposição também está dividida. Dias atrás, Luis Fernando Camacho (líder do Comitê Cívico de Santa Cruz e à frente dos protestos) disse que não apoiaria sua candidatura. Ele poderia ser candidato?

Ontem Camacho manifestou seu apoio à sucessão pela ordem constitucional, e não pode ser de outra maneira. Se ele decidir, pode ser candidato.

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Camacho pediu para a greve geral continuar por pelo menos mais dois dias. Isso não dificulta o restabelecimento da calma no país?

Não, porque isso mantém o povo mobilizado. A maioria da mobilização é pacífica. A violência vem de integrantes do MAS. Os três mortos até agora eram manifestantes (de oposição).

Mas houve o episódio da prefeita que teve o cabelo cortado e foi pintada de vermelho...

Condeno o que houve com a prefeita (Patricia Arce Guzmán, de Vinto), repudio esse ato. Mas é preciso lembrar que nesse mesmo dia um manifestante de 20 anos ( Limbert Guzmán , na região de Cochabamba) foi assassinado por militantes masistas. E a imprensa internacional ignorou isso.

Para as novas eleições seria necessário mudar o Tribunal Superior Eleitoral? Ou seria com sua atual composição?

Claro que não. É preciso nomear integrantes independentes, de alto nível. Primeiro é preciso constituir um governo legítimo, um governo de transição, iniciar um novo processo eleitoral, nomear novos integrantes do TSE... Esse processo deve levar alguns meses.