Mundo

Na Colômbia, bandeiras vermelhas nas janelas são pedidos de ajuda dos mais pobres frente à Covid-19

Pedaços de tecido significam chamado de solidariedade contra a fome e a pobreza
Moradores de Bogotá penduram bandeiras vermelhas em suas janelas como pedido de ajuda Foto: JUAN BARRETO / AFP/15-04-2020
Moradores de Bogotá penduram bandeiras vermelhas em suas janelas como pedido de ajuda Foto: JUAN BARRETO / AFP/15-04-2020

BOGOTÁ – Nos bairros mais pobres de Bogotá , capital da Colômbia, pedaços de tecido e camisetas vermelhas penduradas nas janelas representam pedidos de ajuda contra a fome e a pobreza. O movimento começou em Soacha, nos arredores do Bogotá, lugar onde moram cerca de 50 mil pessoas deslocadas pelo conflito armado.

Foi lá que, há alguns anos, o Exército vestiu um grupo de meninos pobres com roupas de guerrilheiros e os assassinou. Nessa área moram milhares de refugiados e imigrantes venezuelanos e 36% da população vivem em extrema pobreza. Hoje, o local está tomado por panos vermelhos.

– Se você vir um pano vermelho na porta de seu vizinho, isto significa um pedido de solidariedade – diz um vídeo da prefeitura da cidade, que deu início à estratégia que escancara a desigualdade no confinamento.

Impacto : Isolamento imposto por causa do coronavírus diminui homicídios na América Latina

A gravação continua com um diálogo entre vizinhos:

– Boa tarde vizinha, é que eu vi o paninho vermelho e trouxe uma pequena ajuda – diz uma mulher a um casal de idosos.

– Obrigada, que Deus te abençoe – responde a outra, beijando o saco de arroz.

Na política : Nove países da América Latina já adiaram eleições para combater a Covid-19

A Colômbia é um país patriota, onde sua bandeira é exibida por todo motivo: nas celebrações da independência, nos feriados, nas vitórias da seleção. Assim que o coronavírus começou a se propagar, María Juliana Ruíz, mulher do presidente Iván Duque, pediu que a população pendurasse na janela a bandeira nacional em sinal de entusiasmo para superar a pandemia.

A realidade, no entanto, transformou as bandeiras que tremulam agora em tecidos vermelhos. Basta olhar o edifício da Praça La Hoja, no centro de Bogotá. Um prédio de 14 andares onde vivem vítimas do conflito armado cujas janelas estão infestadas de trapos vermelhos, como se ecoasse um grande grito de fome.

Coronavírus : Depois de conter expansão do coronavírus, Argentina estende quarentena obrigatória

A cena se repete em bairros populares de Medellín, onde panelaços e bandeiras brancas pintadas de vermelho são comuns. Também se vê isso em Ciénaga, no Norte do país, ou na região de Ciudad Bolívar, na capital, onde protestos populares e repressão policial têm ocorrido. Ou no bairro de Bosa Porvenir, também em Bogotá, onde dezenas de pessoas tiraram os panos vermelhos das janelas e saíram com eles pelas ruas para protestar, cantando o hino da Colômbia.

– Somos uma família de nove pessoas e não estamos em nenhuma lista do governo, tenho uma mulher grávida e duas crianças em casa e não tenho nada para alimentá-las. Por isso estou aqui – dizia uma mulher enquanto sacudia uma camisa vermelha de pontos brancos.

Duplo risco : Especialistas alertam para desrespeito a direitos humanos na América Latina em tempos de pandemia

Nesses lugares moram pessoas que geralmente vivem na informalidade − como 45% dos colombianos −, e a quarentena obrigatória não lhes permite sair para buscar seu sustento. O prefeito de Soacha, Juan Carlos Saldarriaga, disse que “podem morrer mais pessoas de fome do que pelo coronavírus”.

No entanto, eles não são os únicos a usar os panos vermelhos. A prefeitura de Envigado, o município mais rico da Colômbia, pendurou um na entrada de sua sede administrativa. Segundo o prefeito Braulio Espinosa, eles se uniram à iniciativa popular “para pedir uma ajuda mais ágil do governo nacional e dos empresários”.

Na capital : Bogotá começa quarentena por gênero: homem vai à rua em um dia, mulher, no outro

A chamada “estratégia do pano vermelho”, para promover a solidariedade entre a população, é em si mesma um sinal de protesto. O governo de Iván Duque anunciou um subsídio de 160.000 pesos (210 reais) e a prefeitura de Bogotá, um de 423.000 pesos (524 reais) a 350.000 famílias. Essa ajuda não alcançou a todos e, para aqueles que a receberam, o prolongamento da quarentena faz com que seja insuficiente.

– Quando íamos chegando, as pessoas gritavam: “Chegou o pessoal do censo, ponham o pano vermelho para ver se eles nos dão alguma coisa” –  contou um funcionário da prefeitura de Bogotá que esteve nas ruas de terra de Cazucá, em Ciudad Bolívar.

Como ocorre com os símbolos que nascem do povo, os caminhos do pano vermelho são imprevisíveis. Algumas vezes, lembra o velho pano dessa cor que identificava os liberais na Colômbia. Outras vezes, essa ideia de identificar as moradias traz à memória a letra D, de demolição, que o governo chavista de Nicolás Maduro pintava nas casas dos colombianos deportados da Venezuela.

Assim como o lenço branco das mães da Praça de Maio na Argentina e o verde do direito das mulheres de decidir, o pano vermelho caminha para se tornar a bandeira da desigualdade que ficou exposta com o coronavírus e ultrapassa as fronteiras da Colômbia.