A China sofreu um revés nesta segunda-feira em sua disputa com os Estados Unidos e seus aliados por influência no Pacífico Sul, após as nações insulares da região rechaçarem o amplo acordo de segurança proposto por Pequim. As ilhas demandaram mais tempo para avaliar a proposta, que alteraria significativamente a geopolítica da área.
Em uma cúpula virtual com o chanceler chinês, Wang Yi, ministros de oito desses países decidiram cooperar em áreas como saúde e agricultura, mas faltou consenso para o plano maior. Pressionadas pelos EUA e pela Austrália, que historicamente têm a área em sua órbita de influência, ao menos nove Ilhas do Pacífico afirmaram que mais debates são necessários sobre o pacto devido aos interesses estratégicos que envolve.
Segundo Wang, que faz um tour de dez dias por oito Ilhas do Pacífico, alguns países questionaram os motivos de Pequim para aumentar sua presença na região. De acordo com a agência de notícias Reuters, sua resposta foi que os interesses não são exclusivos, já que a China também apoia projetos de desenvolvimento na África, na Ásia e no Caribe, por exemplo:
— Não fiquem muito ansiosos ou muito nervosos, pois o desenvolvimento comum e a prosperidade da China e de todos os outros países em desenvolvimento significariam apenas maior harmonia, justiça e progresso para todo o mundo — afirmou o diplomata a repórteres em Fiji.
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Segundo Wang, a China divulgará nos próximos dias suas posições e propostas de cooperação e, seguindo em frente, continuará a ter “conversas e consultas perenes e profundas para criar mais consenso sobre cooperação”. O embaixador chinês em Fiji, Qian Bo, por sua vez, disse que houve “apoio geral ao plano”, mas que há “algumas preocupações com questões específicas”, sem identificá-las.
A proposta chinesa, segundo um esboço obtido pela agência Reuters, traz um plano de ação de cinco anos cobrindo áreas de segurança, comunicação e comércio, além de milhões de dólares em assistência. O pacto diz que a China e as ilhas vão “fortalecer as trocas e cooperação nos campos de segurança tradicional e não tradicional” e que Pequim realizará “treinamento intermediário e de alto nível” para as polícias locais.
O acordo promete também cooperação com redes de dados e segurança cibernética, por exemplo, e projeta a criação de uma futura área de livre-comércio. Também prevê auxílio no combate às mudanças climáticas, que para vários países da região representam uma ameaça existencial.
Em troca, o acordo daria a Pequim acesso a recursos naturais, mais influência regional e abriria um novo mercado para o 5G da gigante das telecomunicações Huawei. Também prevê que as nações regionais coordenassem com Pequim suas posições em organismos da ONU e iniciativas regionais.
Resistência
Os primeiros sinais de resistência à Visão de Desenvolvimento Conjunto da China e das Nações Insulares do Pacífico, como a iniciativa chinesa é oficialmente chamada, vieram à tona na semana passada, pouco após o esboço do documento ser vazado. No dia 20, o presidente da Micronésia, David Panuelo, enviou uma carta para seus vizinhos fazendo um apelo em oposição à proposta.
Segundo Panuelo, os planos chineses poderiam desencadear uma nova Guerra Fria, “fraturando a paz regional, a segurança e a estabilidade”, noticiou a emissora australiana ABC. A oposição não é surpreendente, já que a Micronésia foi tutelada pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e tem com Washington um Tratado de Livre Associação. A ilha tem autonomia em questões internas, mas os americanos têm voz em questões internacionais e de defesa.
O novo governo australiano, empossado no dia 22, enviou na quinta-feira sua chanceler, Penny Wong, para reuniões em Fiji. Na sexta-feira, o país tornou-se a primeira ilha do Pacífico Sul a se juntar ao Quadro Econômico Indo-Pacífico para a Prosperidade (Ipef, em inglês), lançada na semana passada pelo presidente Joe Biden durante sua visita inaugural à Ásia.
Fiji, contudo, firmou nesta segunda-feira três acordos econômicos com Pequim, sinal de que as nações insulares buscam equilibrar os laços com as duas maiores economias do planeta. Segundo a Bloomberg e o Financial Times, outras vizinhas, como Samoa e Kiribati, negociam acordos com os chineses, mas os detalhes são pouco claros. Questionada, a Chancelaria chinesa disse que se tratam de “processos em curso”.
“O Pacífico precisa de parceiros genuínos, não de superpoderes que estão muito centrados em poder”, tuitou o primeiro-ministro de Fiji, Frank Bainimarama, após a reunião com Wang nesta segunda.
Disputa acirrada
A atividade diplomática e econômica chinesa na região se intensificou nos últimos meses, após Austrália, Reino Unido e EUA firmarem, em setembro do ano passado, o pacto conhecido como Aukus. O acordo prevê maior colaborações diplomáticas e tecnológicas entre o trio de aliados, mas seu ponto central é a cessão de tecnologia para que a Austrália possa contar com uma frota de submarinos de propulsão nuclear.
As nações insulares do Pacífico Sul, no entanto, vêm ganhando maior protagonismo no noticiário internacional desde abril, após as Ilhas Salomão firmarem no mês passado um acordo de segurança e cooperação com a China. Os termos finais do acordo não foram confirmados, mas versões prévias indicam que ele deve permitir a Pequim atracar navios militares nas Ilhas e enviar soldados para treinar a policiais e manter a ordem, caso solicitados pelas autoridades locais.
Os signatários negam que esse seja o caso, mas os EUA e seus aliados temem que o pacto culmine na instalação de uma base militar chinesa, perto da Austrália e da Nova Zelândia e vital para as rotas marítimas comerciais que passam por ali. O acordo regional que Pequim busca selar, por sua vez, causa apreensão por seu ineditismo: até o momento, os chineses priorizavam iniciativas bilaterais com essas nações insulares.