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Por O Globo

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, disse nesta quinta-feira que o presidente Jair Bolsonaro o procurou buscando ajuda para convencer as autoridades bolivianas a enviarem Jeanine Áñez para o Brasil como asilada política. Presa desde março de 2021, a ex-mandatária interina foi condenada no início do mês a 10 anos de prisão pelo golpe de Estado contra o esquerdista Evo Morales, em 2019.

Em uma entrevista ao canal C5N — a mesma em que disse torcer para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições brasileiras de outubro — o peronista foi perguntado sobre o motivo pelo qual Bolsonaro buscou se aproximar dele. A relação dos dois era fria desde antes da eleição de Fernández, em 2019, mas teve uma guinada positiva após um encontro surpresa na Cúpula das Américas, no início do mês, por iniciativa do brasileiro.

— Posso dizer porque ele [Bolsonaro] tornou o assunto público — afirmou Fernández. — Ele me pediu para interceder junto à Bolívia para que Áñez fosse exilada para o Brasil.

O argentino continuou, dizendo ter respondido que “não poderia fazer nada disso, lamentavelmente e graças a Deus”. O ocupante da Casa Rosada afirmou que não queria fazer o que o par brasileiro pedia por acreditar que a Bolívia deu “um exemplo para todo mundo ao julgar um golpe com um tribunal ordinário”.

A questão veio à tona no domingo, quando Bolsonaro prometeu, durante uma entrevista ao programa virtual “4x4”, fazer o possível para que Áñez viesse “para o Brasil caso assim o governo da Bolívia concordasse”. Reafirmando o que já havia dito na ocasião da prisão de Áñez, o mandatário brasileiro disse que a boliviana está “detida injustamente” e que tentou interceder a seu favor com outros líderes regionais, citando Fernández nominalmente:

— O Brasil está pondo em prática a questão de relações internacionais, de direitos humanos, para ver se traz a Jeanine Áñez, oferece para ela o abrigo aqui no Brasil — disse ele. — Ela cumpriu um ano de cadeia, tentou duas vezes o suicídio, tive uma vez com ela apenas, achei uma pessoa bastante simpática, uma mulher, acima de tudo.

Áñez agradeceu Bolsonaro pelo Twitter, mas disse que “não saiu nem sairá do país” — referindo-se a aliados que deixaram La Paz — e que é “inocente”. Ela também negou que tenha conhecido o líder brasileiro pessoalmente, ao contrário do que ele afirma.

Mal-estar

As declarações do presidente brasileiro geraram um enorme mal-estar com o governo boliviano, hoje comandado pelo Movimento ao Socialismo (MAS), o partido de Evo, que retornou ao poder com a eleição de Luis Arce, em novembro de 2020. O chanceler do país, Rogelio Mayta, classificou a fala de Bolsonaro como “absolutamente impertinente” e uma “ingerência inadequada em assuntos internos”. La Paz, disse ele, já trabalha em uma “reclamação diplomática”:

— Sob circunstância nenhuma devemos aceitar a interferência em decisões que soberanamente cabem à Justiça boliviana — afirmou na terça, afirmando que o comportamento do presidente brasileiro vai na contramão das “relações de boa vizinhança e respeito mútuo entre Brasil e Bolívia”.

Ao declarar que já se encontrou com Áñez, Bolsonaro deu corda às alegações de governistas de que a renúncia de Evo, pressionado por militares, foi resultado de um golpe de Estado com a participação de União Europeia, Brasil e Equador, além da Igreja Católica e lideranças locais de direita. Segundo o presidente da Câmara boliviana, Freddy Mamani, a “proposta de Bolsonaro confirma sua cumplicidade no golpe de Estado de 2019”.

Os opositores do governo boliviano defendem, por sua vez, que houve uma revolta popular contra Morales, a quem acusam de ter cometido fraude nas eleições de 2019, quando foi eleito para um quarto mandato, até 2025. Na época, Áñez era segunda vice-presidente do Senado e tinha pouca projeção nacional.

Ela, contudo, se aproveitou do vácuo de poder deixado pela renúncia do então mandatário e de seus aliados para ascender politicamente. A sessão que a consagrou presidente não teve o quorum necessário pela lei boliviana para empossar um novo mandatário, mas ainda assim foi validada pela Justiça. O Brasil foi um dos primeiros países a reconhecê-la como presidente interina, cargo no qual permaneceu por um ano.

Independência do Judiciário

Áñez enfrenta vários julgamentos simultâneos, entre eles os chamados caso Golpe de Estado I, referente a seus atos como presidente e parado no Parlamento, e caso Golpe de Estado II, pelo qual foi sentenciada e que diz respeito a seus atos como senadora. Também foram condenados os ex-comandantes das Forças Armadas e da Polícia, que estão foragidos — e a quem Bolsonaro também disse que ofereceria asilo.

As condenações abrem agora um precedente para que mais políticos e outros atores que participaram do processo que culminou na renúncia de Evo sejam julgados, o que pode levar a uma crise institucional, segundo analistas ouvidos pelo GLOBO. Vários deles, contudo, deixaram a Bolívia ou se esconderam após a ascensão do MAS, e Áñez é vista por muitos como um bode expiatório.

Também teme-se pela independência do Judiciário boliviano, com especialistas apontando diversos abusos processuais: a ex-presidente não tinha intenção de deixar o país quando foi detida, por exemplo, um fator que tornaria sua detenção desnecessária. A prisão preventiva, no entanto, não é rara no país: hoje mais de 66% dos acusados aguardam seus julgamentos presos, número que vem aumentando nos dois últimos anos.

A falta de independência da Justiça também não é novidade: durante seu governo interino, a própria Áñez conduziu processos contra os então opositores do MAS, incluindo um pedido no Tribunal Penal Internacional (TPI) para investigar Morales, que ficou no poder entre 2006 e 2019, por crimes contra a Humanidade. O pedido foi rejeitado pelo TPI.

Bolsonaro, Lula e Fernández

A relação entre Bolsonaro e Fernández, por sua vez, é fria desde antes de o argentino chegar ao poder. Em 2019, durante sua campanha, o peronista visitou o presidente Lula na cadeia em Curitiba, gerando críticas ferrenhas do líder brasileiro. Bolsonaro, por sua vez, não foi à posse do argentino, e chegou a dizer que não mandaria um alto representante a Buenos Aires. Por pressões internas, acabou enviando o vice-presidente Hamilton Mourão.

Em dezembro do ano passado, Lula foi recebido em Buenos Aires com honras de chefe de Estado e foi convidado-estrela numa festa popular na Praça de Maio, para comemorar o dia da democracia. Na mesma entrevista desta quinta, o argentino não disfarçou sua preferência pelo petista, ao comentar os triunfos da esquerda na América do Sul:

— Pouco a pouco as coisas vão se arrumando, (Gabriel) Boric no Chile está fazendo um esforço. O Lucho (Luis) Arce na Bolívia, (Pedro) Castillo no Peru, (Gustavo) Petro na Colômbia — disse ele. — E Lula, finalmente, que eu desejo que ganhe no Brasil. Assim poderemos ter uma lógica de unidade conceitual na América do Sul muito mais sólida do que a que tivemos até agora.

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