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Por Ana Rosa Alves — Rio de Janeiro


Ex-presidente Donald Trump em comício ao lado do ex-senador David Perdue, derrotado por uma diferença superior a 50 pontos percentuais — Foto: Audra Melton/NYT
Ex-presidente Donald Trump em comício ao lado do ex-senador David Perdue, derrotado por uma diferença superior a 50 pontos percentuais — Foto: Audra Melton/NYT

Desde que foi empossado presidente dos Estado Unidos em 2017, Donald Trump contou nos dedos as derrotas de seus candidatos nas primárias republicanas para eleições estaduais e legislativas. Era motivo de orgulho e sustentação para o argumento de que continua a ser a figura central do partido mais de um ano após deixar a Casa Branca. Em 24 de maio, contudo, a reputação foi manchada no mesmo estado da Geórgia que, em 2020, foi um dos palcos de sua malsucedida cruzada para se manter no poder.

O governador Brian Kemp e o secretário de Estado Brad Raffensperger, que notoriamente se recusaram a endossar os planos antidemocráticos do agora ex-presidente, derrotaram no primeiro turno das primárias os candidatos apoiados por Trump. No caso de Kemp, que concorria para disputar a reeleição, a vantagem foi superior a 50 pontos. Para a cientista política Andra Gillespie, da Universidade Emory, uma das principais da Geórgia, trata-se de um revés para a retórica de fraude eleitoral. Há indícios de que o poder do ex-presidente no partido possa não ser mais o mesmo, diz ela, mas conclusões são precipitadas. E o trumpismo, ressalta, transcende quem lhe deu o nome.

Quais são as principais conclusões das primárias republicanas na Geórgia?

Os candidatos que basearam sua campanha inteira na ideia de que uma fraude maciça teria feito Trump perder a eleição não foram longe. Na Geórgia, particularmente, o ex-presidente endossou opositores dos atuais ocupantes dos cargos só porque eles certificaram o resultado do pleito de 2020 a favor de Joe Biden, que venceu no estado. A decisão de fazer frente a quem apenas seguia os fatos provou-se emocional e insuficiente para derrotá-los. Na corrida para a candidatura a governador, Trump buscou retratar Kemp não só como desleal e traidor, mas também tentou dizer que ele não era um conservador de verdade, o que é uma mentira. Kemp é um governador republicano tradicional, muito conservador, e tentar caracterizá-lo como algo diferente não fazia sentido. Isso só mostra os desafios de enfrentar o atual ocupante de um cargo, porque as pessoas sabem quem ele é.

Qual é o impacto deste conhecimento prévio ?

As pessoas já viram Kemp fazer este trabalho e têm expectativas baseadas no seu desempenho anterior. Os eleitores da Geórgia sabiam que Kemp não era nada do que Trump estava dizendo. Mesmo que alguns eleitores acreditem que Trump venceu na Geórgia ou que houve fraude — o que eu reitero, não é verdade — deixaram este sentimento de lado e disseram: “Este é alguém que eu conheço, confio e estou disposta a depositar meu voto nele”. As pessoas têm essa ideia de que porque Trump se autodeclara invencível, ele de fato é. Isso não é verdade, especialmente quando toma decisões muito ruins. Neste caso, por exemplo, não foi nada estratégico apoiar candidatos que desafiavam um governador muito forte em busca da reeleição. Não é porque Trump teve uma ideia que as pessoas irão segui-la automaticamente.

Brian Kemp, ao lado do ex-vice-presidente Mike Pence, durante evento de campanha em Kennesaw, na Geórgia — Foto: JOE RAEDLE/GETTY/AFP
Brian Kemp, ao lado do ex-vice-presidente Mike Pence, durante evento de campanha em Kennesaw, na Geórgia — Foto: JOE RAEDLE/GETTY/AFP

E a corrida para secretário de Estado?

Trump estava claramente decepcionado com o atual secretário de Estado, Brad Raffensperger, que foi a primeira pessoa a se pôr na frente dos seus planos de reverter o resultado da eleição. O seu nível de ira era tamanho que pôs para desafiá-lo um aliado leal que reverteria o pleito se houvesse a oportunidade. As margens aí foram menores. Nos dias antes da eleição, esperava-se que a disputa fosse para o segundo turno. Pelas leis do estado, você precisa receber 50% mais um dos votos para ganhar. Não esperávamos que Raffensperger vencesse de imediato.

O voto crossover (quando os eleitores de um partido participam das primárias da sigla adversária, algo permitido pelas leis da Geórgia) democrata foi significativo para a vitória de Reffensperger?

Os números ainda não estão claros, mas o Atlanta Journal-Constitution (jornal local de Atlanta) constatou no meio de maio que até 7% daqueles que haviam votado antecipadamente nas primárias republicanas participaram das primárias democratas de 2020. Na teoria, são pessoas mais propensas a apoiar Kemp e Raffensperger do que outros candidatos. Este tipo de estratégia é comum quando percebe-se que um candidato seria mais facilmente derrotado nas eleições gerais, mas neste caso ambos seriam oponentes duros. A suspeita é que a motivação democrata tenha sido justamente derrotar o candidato apoiado por Trump.

Raffensperger teve 52% dos votos, então é possível que esses eleitores tenham sido determinantes. Tudo que fizeram, contudo, foi evitar um segundo turno no qual ele seria o favorito, então creio que a preferência dos republicanos é inquestionável. Eles votaram contra os aliados de Trump e não há jeito de contornar isso.

Essas primárias podem ser vistas como barômetro para a influência do ex-presidente no Partido Republicano?

Ainda é cedo, não podemos olhar para uma eleição e usá-la como indicador do impacto maior. Há algumas hipóteses, entre elas a de que Trump e seus aliados possam ter superestimado o impacto de seu apoio, mas isso demanda uma análise mais profunda. Porém, precisamos ter clareza sobre quem é Trump e o que é o trumpismo. Ele pode não ter o mesmo tipo de poder de quando era presidente, mas a ideologia o transcende. Na realidade, assim como ele aposta em candidatos que concorrem sem oposição para melhorar seu histórico de vitórias nas primárias, precisamos levar em conta como ele navega em uma onda populista para aumentar sua popularidade. Ele dá à base o que eles querem. Isso não significa que não teve um papel importante mobilizando eleitores republicanos potenciais, mas precisamos entender que ele é um showman que assume o crédito por coisas que não fez. Isso faz parte do seu repertório.

Há algum político na esfera nacional que possa ocupar um espaço similar ao dele?

Há pessoas que se aproveitaram de Trump para ganhar proeminência política, mas não tem a notoriedade para serem sucessoras. Ninguém está cogitando o nome da deputada Marjorie Taylor Greene para concorrer à Presidência em 2024 ou 2028, por exemplo. Ela tem um perfil nacional, se projeta na imagem de Trump, mas é muito improvável, ao menos neste momento, que concorra a governadora da Geórgia ou para o Senado e tenha sucesso. Há também muitas pessoas que o precedem, como vários integrantes da bancada da liberdade [que reúne republicanos ultraconservadores no Congresso], que hoje têm plataformas mais amplas e se sentem mais empoderados devido a Trump.

Vemos ainda republicanos apelando para o populismo, recorrendo ao ressentimento racial. Nos debates sobre financiamento da polícia, sobre como o racismo deve ser ensinado nas escolas, sobre o aborto, podem não soar como Trump, mas carregarão as ideias. Tais atitudes precedem o momento em que Trump decidiu carregar esta bandeira e associar seu nome ao movimento.

Deputada republicana  Marjorie Taylor Greene durante evento pró-Trump em Plainsville, Geórgia — Foto: JOE RAEDLE/GETTY/AFP
Deputada republicana Marjorie Taylor Greene durante evento pró-Trump em Plainsville, Geórgia — Foto: JOE RAEDLE/GETTY/AFP

A atual influência de Trump no Partido Republicano é menor do que quando deixou a Presidência?

Eu hesito em responder. Ele ainda é formidável e ainda há republicanos que se comportam como se ele fosse tão poderoso como quando deixou a Casa Branca. O fato de as pessoas ainda o tratarem com luvas de pelica é sinal da influência que ele ainda tem. Mas também há quem encontre maneiras de contorná-lo e se distanciar, carregando o trumpismo, mas deixando Trump para trás. E o fato de haver pessoas como Kemp, que fazem frente a ele, também é evidência dos limites de seu poder. Dito isso, há notícias de que a campanha de Kemp teria tentado se aproximar de Trump. Não em busca de apoio ou de um acordo para que o ex-presidente suba no palanque, mas atrás de uma garantia de ele não irá fazer algum comentário absurdo, como quando disse que Stacey Abrams, a candidata democrata, seria uma melhor governadora que Kemp.

Em quais outras primárias republicanas deve-se prestar atenção em busca de tendências nacionais?

A principal talvez seja Wyoming, em agosto, em que concorre a deputada Liz Cheney. Ela é outra figura que enfrentou Trump e foi veemente em sua oposição. Ele, em repúdio, declarou apoio a um candidato que a enfrenta pela indicação do partido. Há também duas dúvidas: será que a oposição dela foi forte demais e até que ponto ela buscar a reeleição lhe dá vantagem adicional. Mas a Geórgia também será interessante porque há disputas primárias para assentos no Congresso que foram para o segundo turno com candidatos apoiados por Trump na vice-liderança. Cabe ver se o endosso será suficiente para reverter a desvantagem.

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