Às vésperas do início de seu julgamento por desacato ao Congresso, o ex-estrategista de Donald Trump, Steve Bannon, concordou em depor à comissão da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos que investiga o ataque ao Capitólio. Segundo informações que vieram à tona nas audiências públicas do grupo parlamentar, o conselheiro político teve um papel-chave nos eventos de 6 de janeiro de 2021.
A deputada Zoe Lofgren, democrata da Califórnia, disse que a comissão recebeu uma carta do advogado de Bannon desfazendo a recusa anterior do ex-assessor de testemunhar. É uma reviravolta significativa para aquele que, até sábado, era um dos críticos mais obstinados e resistentes à investigação.
Bannon chegou dizer que transformaria o processo por desacato em um "delito do inferno" para o Departamento de Justiça, mas parece ter mudado de ideia diante da possibilidade de passar dois anos atrás das grades e de multas significativas. Agora não quer só depor, como pediu para fazê-lo em audiência pública.
Ao que tudo indica, não se trata de um rompimento com Trump. O ex-conselheiro foi inclusive autorizado a depor pelo ex-presidente, de acordo com documentos apresentados à comissão por seu advogado, obtidos inicialmente pelo jornal The Guardian.
Trump havia previamente instruído Bannon e outras pessoas no seu círculo mais próximo a não cooperarem com o grupo bipartidário de nove deputados — sete democratas e dois republicanos. Afirmava que o privilégio executivo bloquearia qualquer cooperação, algo rechaçado pela comissão, em parte porque o estrategista republicano havia deixado a Casa Branca em 2017.
Nos últimos dias, no entanto, um número crescente de testemunhas forneceu detalhes comprometedores sobre o comportamento do então presidente nos dias que antecederam 6 de janeiro. Trump ficou irritado, segundo o New York Times, e decidiu que um de seus maiores defensores deveria também depor.
"O senhor Bannon está disposto e, na realidade prefere, depor em suas audiências públicas", escreveu o advogado Robert Costello ao deputado Bennie Thompson, o democrata do Mississippi que preside a comissão.
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Costello entregou à comissão uma carta de Trump comprovando que o presidente abriu mão do privilégio executivo e disse que Bannon pretende também entregar documentos ao grupo. A próxima audiência pública será na terça, mas Lofgren indicou que o ex-conselheiro não deve participar dela e que, se ele de fato depuser, será inicialmente a portas fechadas.
“Quando você recebeu a intimação para depor e fornecer documentos, invoquei o privilégio executivo”, escreveu Trump na correspondência. “No entanto, observei como você e outras pessoas foram tratadas injustamente, tendo que gastar grandes quantias de dinheiro em processos e todo o trauma que você deve estar passando por amor ao seu país e por respeito ao cargo de presidente."
"Portanto", continuou o ex-presidente, "se você chegar a um acordo sobre a hora e o local para seu depoimento, renunciarei ao privilégio executivo, o que permitirá a você depor com verdade e justiça, conforme o pedido da comissão de criminosos políticos e medíocres."
Bannon está entre os conselheiros de Trump que supostamente influenciaram o ex-presidente para tentar impedir a sessão conjunta do Congresso que certificaria os votos do Colégio Eleitoral. A reunião acontecia no prédio do Capitólio no momento exato da invasão em 6 de janeiro de 2021.
O julgamento do ex-conselheiro por duas acusações de desacato ao Congresso estava marcado para 18 de julho. Cada uma delas carrega pena de até um ano de prisão e multas que podem chegar a US$ 100 mil.
Também não está claro até que ponto Bannon deseja de fato colaborar, quais documentos irá entregar e se irá ou não recorrer à Quinta Emenda da Constituição americana, que veta a autoincriminação. Algumas outras testemunhas lançaram mão da medida.
Por meses, Bannon foi uma das testemunhas com potencial mais bombástico cobiçadas pela comissão. Em seu programa de rádio em 5 de janeiro de 2021, o republicano prometeu que "todo o inferno vai acontecer amanhã" — declaração que, segundo os investigadores, mostra que ele "tinha algum conhecimento prévio" sobre o que ocorreria no dia seguinte.
Os deputados também apontaram para uma conversa que Bannon teve com Trump em 30 de dezembro de 2020, na qual ele pediu para que o presidente concentrasse seus esforços em 6 de janeiro, o dia da certificação final do pleito. Bannon também esteve presente em uma reunião no Willard Hotel em Washington no dia anterior à invasão do Capitólio, onde fora discutidos planos para as 24 horas seguintes.
Nas semanas após o pleito de 3 de novembro, a alta cúpula da Casa Branca travou uma fracassada cruzada judicial tentando reverter a decisão popular. Pressionou também, igualmente sem sucesso, Legislativos estaduais para interferirem no Colégio Eleitoral antes da certificação do dia 6, a etapa derradeira do processo eleitoral americano antes da posse.
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