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Por André Duchiade

Após um ano de trabalho, a Convenção Constitucional chilena, composta por 154 integrantes, encerrou oficialmente os seus trabalhos nesta segunda-feira, quando entregou ao presidente do país, Gabriel Boric, a proposta de uma nova Constituição que será votada em referendo em 4 de setembro.

O governo, que começou em março do ano passado, assumiu o lado da aprovação do documento, que foi escrito majoritariamente por deputados de esquerda, após a direita não alcançar um terço dos assentos para ter poder de veto.

Segundo a última pesquisa do Pulso Ciudadano, três em cada dez chilenos se declaram indecisos. A opção de rejeição, no entanto, por ora aparece na frente: 44,4% contra 25%.

Para parte expressiva da população, a Carta promove mudanças muito bruscas e profundas. A assembleia constituinte foi convocada a partir das manifestações de outubro de 2019, que exprimiam um grande descontentamento social.

As mudanças, contudo, foram mais profundas, e alteram também o sistema político do país, a distribuição de poder entre capital e regiões e direitos individuais, entre outros fatores. Com 372 artigos, a Constituição é uma das maiores do mundo, com amplo espaço para populações historicamente marginalizadas e o meio ambiente.

Abaixo, cinco pontos cruciais do projeto de nova Constituição do Chile.

‘Estado democrático e social de direito’

As principais reivindicações dos protestos de outubro de 2019 ligavam-se a direitos sociais e serviços oferecidos pelo Estado: pedidos por saúde pública, educação, aposentadorias.

Escrita durante a ditadura de Augusto Pinochet, a Carta atual, de 1980, estabelece que o Estado deve “contribuir para a criação das condições sociais” para a realização das pessoas, mas não aborda direitos sociais. O texto visa garantir a possibilidade de a iniciativa privada oferecer serviços para a população.

Já o novo documento descreve o Chile como um "Estado social e democrático de direito" que tem a obrigação de fornecer bens e serviços para garantir os direitos do povo.

Nas pensões, a nova proposta estabelece um Sistema de Previdência Social público, financiado com renda nacional e contribuições obrigatórias, sem mencionar fornecedores privados.

Na saúde, o projeto determina que haja a criação de um Sistema Nacional de Saúde que deverá integrar "a rede de prestadores públicos, os hospitais e centros médicos das Forças Armadas e policiais", através de um projeto de lei apresentado pelo presidente no prazo de dois anos após a nova Constituição entra em vigor.

Além disso, a proposta de nova Constituição contempla a criação de um Sistema Nacional de Atenção de caráter universal. Todos os chilenos precisarão contribuir para o sistema, que terá "caráter estatal, paritário, solidário, universal, com relevância cultural e perspectiva de gênero e interseccionalidade", e "dará especial atenção à lactentes, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, pessoas em situação de dependência e pessoas com doenças graves ou terminais”.

A opção de contratar um plano privado por fora permanece.

Quanto à educação, a nova Constituição determina que seja universalmente acessível, gratuita e laica em todos os níveis, obrigatória desde o nível básico até o ensino médio.

Há ainda outros direitos, como ao trabalho digno, à moradia digna, à alimentação e à cidade, ou também à “remuneração equitativa, justa e suficiente”, que garanta a subsistência dos trabalhadores e de suas famílias.

Para os críticos, o problema será financiar todas essas medidas, o que pode significar que o texto não passará de uma carta de boas intenções.

‘Estado plurinacional e intercultural’

A atual Constituição do Chile não faz menção a povos indígenas nem garante a eles qualquer direito especial.

O novo projeto inverte isso: o Chile passa a ser definido como um Estado Plurinacional e Intercultural, composto pela "coexistência de várias nações e povos no âmbito da unidade do Estado". Onze povos e nações são reconhecidos: Mapuche, Aymara, Rapa Nui, Lickanantay, Quechua, Colla, Diaguita, Chango, Kawashkar, Yaghan e Selk'nam, assim como "outros que possam ser reconhecidos na forma estabelecida em lei".

O conceito de plurinacionalidade é uma criação sul-americana, e aparece nas Constituições de Equador (2008) e Bolívia (2009), para significar que o Estado será plural, descentralizado e conferindo autonomia na gestão de determinadas regiões.

Com a definição, os povos originários aparecem de forma transversal ao longo do texto, com consequências que abrangem desde o funcionamento da Justiça à autonomia política dos territórios.

Segundo a Carta, os sistemas jurídicos dos povos indígenas passam a ter validade, contanto que respeitem a Constituição e os tratados internacionais. Questionamentos às decisões serão resolvidos pela Corte Constitucional. Isto já acontece em outros países, como Canadá, Nova Zelândia e Austrália.

Além disso, a Carta determina a criação de Autonomias Regionais Indígenas: territórios com autonomia política, contanto atuem “de acordo com a Constituição e as leis”. A autonomia não autoriza o direito à secessão, nem viola o caráter "único e indivisível" do Estado do Chile

O reconhecimento do genocídio de povos originários e outras novas propostas foram rejeitadas. O relatório da Comissão dos Direitos dos Povos Indígenas, que continha o resultado da consulta de diferentes povos, também não passou.

Sistema político

A Carta mantém o presidencialismo, mas propõe mudanças notáveis. No Legislativo, o Senado, de 200 anos, é eliminado, e em seu lugar surge um sistema bicameral assimétrico, que será composto por um Congresso de Deputadas e Deputados eleitos proporcionalmente para a formação de leis, e por uma Câmara das Regiões para avaliar as leis de impacto “regional”.

Esta Câmara terá que rever as futuras leis que lhe dizem respeito, mas seu poder é menor do que o do Senado atual. Nela, cada uma das 16 regiões do país terá, pelo menos três representantes. Em conjunto com o Congresso, o órgão também avaliará nomeações que exigem a aprovação do Legislativo.

A eleição dos representantes para os cargos das entidades territoriais será por voto popular, assegurando, entre outros requisitos, a paridade de gênero e a representatividade territorial.

Além disso, o poder Executivo, criticado por ser demasiadamente centralizado, perde força. Se a atual forma jurídica propõe que o país é um “Estado Unitário”, ele passa a ser "constituído de entidades territoriais autônomas", política, administrativa e financeiramente.

Com isto, as 16 regiões terão personalidade jurídica e patrimônio próprios. As entidades terão “autonomia para o desenvolvimento dos interesses regionais, a gestão dos seus recursos econômicos e o exercício dos poderes legislativo, regulamentar, executivo e de fiscalização”, levando em conta “o interesse geral da República, de acordo com a Constituição e a lei, tendo como limites os direitos humanos e a natureza”.

O sistema eleitoral ainda precisa ser detalhado, o que deverá acontecer por meio de leis ordinárias.

Liberdades individuais, direitos de gênero e direitos humanos

A nova Constituição é pródiga em liberdades individuais, garantindo desde direitos reprodutivos — isto é, o direito ao aborto — até o direito à eutanásia.

De forma inovadora, a Constituição garante o direito ao prazer, quando declara que "todas as pessoas são titulares de direitos sexuais e reprodutivos", incluindo o "gozo pleno e livre da sexualidade, do autocuidado e do consentimento". Há ainda o "reconhecimento das diversas identidades e expressões de gênero”.

Nas redes, há notícias falsas dizendo que a Constituição autoriza o aborto aos nove meses de gestação. Isso não é verdade: a Carta diz que o direito ao aborto será regulamentado por uma lei ordinária.

Há ainda outros direitos, como o direito a uma vida livre de violência de gênero e o direito ao ócio.

A liberdade aparece ainda como princípio transversal: na área da educação por exemplo, o texto garante “a liberdade de mães e os pais para escolher o tipo de educação dos dependentes, respeitando o melhor interesse e a progressiva autonomia da criança e do adolescente”. Além disso, os “professores serão titulares da liberdade acadêmica”.

Meio ambiente

A nova Constituição inova ao reconhecer que a Humanidade enfrenta o aquecimento global e mudanças no clima.

Segundo o texto, “o Estado deve adotar medidas para prevenir, adaptar e mitigar os riscos causados ​​pela crise climática e ecológica. Terá que promover o diálogo, a cooperação e a solidariedade entre os países, com o objetivo de enfrentar a crise e proteger a natureza”.

O texto também reconhece direitos da natureza, que deve ser guardada pelo Estado, e afirma que todas as pessoas têm direito a um meio ambiente “sadio e ecologicamente equilibrado”.

Além disso, há regras que conferem proteção a ecossistemas-chave, como geleiras e pântanos.

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