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Por Jason Horowitz, The New York Times — Alberta, Canadá

Quando o Papa Francisco desembarcou no Canadá nesta semana, ele saiu de um carro na pista, mancou com dificuldade até uma cadeira de rodas que o aguardava e congelou no lugar enquanto as câmeras filmavam de perto o espetáculo de um assessor ajustando os apoios para os pés do pontífice.

Em um palco improvisado do lado de fora de um cemitério indígena em Alberta, o mundo assistiu enquanto ele reunia suas forças e agarrava os braços do assessor, que o levantou da cadeira de rodas.

No Lago Santa Ana, um lago remoto conhecido por seus poderes milagrosos de cura, centenas de fiéis esperando por Francisco em um santuário adornado com muletas e bengalas dos curados ofegaram em uníssono quando a cadeira de rodas do Papa bateu em um obstáculo e ele cambaleou perigosamente para a frente.

Uma transmissão de vídeo do Vaticano foi cortado rapidamente. Porém, ver Francisco em sua crescente fragilidade e velhice foi um ponto importante de sua visita.

Embora a principal missão do pontífice no Canadá fosse o que ele chamou de “peregrinação de penitência” para pedir desculpas aos indígenas pelos horríveis abusos que sofreram em escolas residenciais administradas pela Igreja Católica, também foi uma peregrinação em que Francisco, de 85 anos, usou sua própria vulnerabilidade para exigir dignidade para os idosos em um mundo cada vez mais povoado por eles.

É preciso construir “um futuro em que os idosos não sejam deixados de lado porque, do ponto de vista 'prático', não são mais úteis”, disse Francisco em uma missa no Estádio da Comunidade Britânica em Edmonton, na província de Alberta, um dos poucos eventos em uma agenda de viagens que era muito mais leve do que o habitual.

—Um futuro que não seja indiferente à necessidade dos idosos de serem cuidados e ouvidos — acrescentou.

Francisco, mais pesado e mais lento por causa de uma grande cirurgia intestinal no ano passado, sofrendo de ligamentos rompidos no joelho e no ciático, não é o primeiro Papa a fazer da fragilidade dos idosos uma questão central de seu papado.

O outrora vigoroso João Paulo II passou seus últimos anos dobrado, devastado pelo Parkinson. Para alguns, sua doença ampliou sua espiritualidade e ecoou o sofrimento de Cristo na cruz. Para outros, foi um declínio desconcertante e levantou questões sobre o governo da Igreja Católica Romana. Seu sucessor, o papa Bento XVI, citou sua falta de energia como o motivo de sua renúncia, uma ruptura histórica com a prática papal que lançou uma sombra sobre Francisco e seu declínio físico.

A renúncia “nunca me passou pela cabeça”, disse Francisco em uma entrevista recente à Reuters, antes de inserir sua qualificação habitual, que sua opinião poderia mudar se a saúde debilitada tornasse impossível para ele administrar a Igreja.

Contudo, se Bento XVI optou por sair, e uma doença grave deixou João Paulo II sem escolha a não ser focar em sua doença, Francisco está proposital e incessantemente tentando remodelar a sociedade moderna para ser mais hospitaleira com os mais velhos.

Um alto funcionário do Vaticano, o arcebispo Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, disse em uma entrevista recente que persuadiu Francisco a articular um novo ensinamento da Igreja sobre o envelhecimento que também foi “proposto não com palavras, mas com o corpo” porque, ele disse, “os velhos podem nos ensinar que todos nós somos, na realidade, frágeis”.

— O envelhecimento é um dos grandes desafios do século 21 — acrescentou Paglia, que também preside uma comissão do Ministério da Saúde italiano para a reforma da saúde e assistência social dos idosos na Itália, que tem uma das populações mais velhas do mundo.

Um relatório das Nações Unidas previu que as pessoas com 60 anos ou mais excederão as pessoas com menos de 15 anos até 2050.

Paglia disse que os avanços na ciência e na medicina da longevidade prolongaram a expectativa de vida em décadas e criaram “uma nova população de idosos”. Mas isso também criou uma contradição, acrescentou, porque uma sociedade obcecada em viver mais não mudou para acomodar os de idade avançada, seja econômica, política ou mesmo espiritualmente.

Antes mesmo de se tornar Papa, aos 76 anos, Francisco prestou atenção especial aos idosos. No livro “No céu e na Terra”, ele disse que ignorar as necessidades de saúde dos idosos constituía “eutanásia encoberta” e que os idosos muitas vezes “acabam sendo guardados em uma casa de repouso como um casaco pendurado no armário durante o verão”.

Como Papa, ele apareceu em um documentário da Netflix sobre envelhecimento e denuncia regularmente a maneira como as pessoas mais velhas são tratadas como lixo em uma “cultura do descartável”.

Em 2013, ano de sua eleição, aproveitou as comemorações da Jornada Mundial da Juventude para homenagear os idosos. Em um ritual pré-Páscoa de 2014 destinado a sublinhar seu serviço à Humanidade, ele lavou e beijou os pés de idosos e deficientes em cadeiras de rodas. Em 2021, ele estabeleceu um Dia Mundial anual dos Avós e Idosos para homenagear os “esquecidos”.

Isso ocorreu durante alguns dos piores dias da pandemia da Covid-19, e o que Paglia disse ter sido um “massacre de idosos” em asilos italianos que levaram seu escritório a produzir um “novo paradigma” no cuidado dos mais velhos.

Este ano, Francisco procurou dar forma a esse pensamento com uma série de catequeses, ou instruções religiosas, sobre o envelhecimento.

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Distribuído em mais de 15 discursos, com mais três previstos para agosto, segundo o Vaticano, ele chamou a crescente população de velhos de “verdadeiras pessoas novas” na história da Humanidade.

— Nunca [houve] tantos quanto agora, nunca [houve] tanto risco de serem descartados — disse ele.

Desde que seu joelho cedeu, Francisco teve que depender — a princípio aparentemente com relutância — de outros para se movimentar. E embora seus discursos se baseiem fortemente nas lições de figuras bíblicas, ele também compartilhou suas próprias experiências

— Vocês estão me dizendo: “Você tem que andar de cadeira de rodas, hein?” — disse em um discurso. — Mas é assim que é, assim é a vida.

Se Francisco às vezes ainda usa bengala (“acho que posso fazer isso”, disse ele ao andar para cumprimentar jornalistas no avião para o Canadá), ele parece ter abraçado as vantagens de uma cadeira de rodas.

Na terça-feira, no Lago Santa Ana, seu mordomo o levou até a beira do lago, destravou os apoios para os pés do Papa para que seus pudessem tocar o solo sagrado e deu um passo para trás enquanto Francisco orava sozinho.

Rochelle Knibb, 50 anos, católica da nação indígena canadense cree, estava a poucos metros de distância com sua mãe, Margaret, 74 anos, que usava um curativo no braço.

— Em nossa cultura, pomos nossos mais velhos em primeiro lugar. O Papa também faz isso — disse Knibb, acrescentando que viu o rosto de todos os idosos no dele. — As pessoas estão cuidando dele, o que é bom. É isso que eu quero para os mais velhos também.

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