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Por Filipe Barini

O atentado que matou Daria Dugina nos arredores de Moscou, na noite de sábado, pôs novamente no centro do debate político russo o nome do pai dela, Alexander Dugin, um pensador ultranacionalista que por vezes é chamado de “guru de Putin”, mas cuja influência nas políticas elaboradas dentro dos muros vermelhos do Kremlin não é exatamente clara.

Dugin vem de uma família de militares e nasceu no começo dos anos 1960, um período turbulento na antiga União Soviética, marcado por uma crise nuclear com os EUA — a crise dos mísseis soviéticos em Cuba — e pela troca de comando no Partido Comunista, após a denúncia dos crimes de Josef Stalin. Em sua juventude, envolveu-se com movimentos anticomunistas e flertava com algumas ideias do nazifascismo.

Com o fim da União Soviética, em 1991, Dugin tentou aproveitar a instabilidade da mudança súbita de regime para inserir suas idéias radicais no novo cenário político: naquele momento, ele passou a escrever em um jornal ligado à extrema direita, o Den (Dia), onde publicou seu primeiro manifesto, “A grande guerra dos continentes”.

O texto trazia elementos de uma política desenvolvida no início do século XX, o eurasianismo, que vê a Rússia como uma nação mais asiática do que europeia, trazendo consigo valores antiliberais e ultranacionalistas e que vê o Ocidente, em especial os EUA, como seu principal inimigo.

Dugin, em um argumento também apresentado em seu livro de 1997 “As bases da geopolítica: o futuro geopolítico da Rússia”, retrata os russos como um “povo imperial”, cuja principal tarefa no final do século XX era retomar o posto de “império global”, expandindo a ideologia conservadora relacionada à Igreja Ortodoxa como um contraponto à “decadência” ocidental.

Naquele momento, Dugin já tentava se inserir no complexo cenário político russo: em 1993, criou, com o escritor e dissidente Eduard Limonov, o Partido Nacional Bolchevique, que aliava pontos ideológicos da extrema direita e da extrema esquerda. Seu símbolo trazia a foice e o martelo, símbolo do comunismo, e uma águia de duas cabeças com um traço similar ao usado pelos nazistas. A saudação, “sim, morte!”, era feita com o braço estendido, lembrando o gesto eternizado pela Alemanha nazista.

Apesar de considerados extremistas e marginais pela maior parte dos russos, os escritos de Dugin começaram a ser adotados em centros de formação de oficiais do Exército — no momento em que a Rússia se via em meio a uma severa crise econômica e reduzida a uma potência mediana, o filósofo defendia que a antiga influência de Moscou deveria ser reconstruída através de alianças com Estados não ocidentais e da anexação de territórios.

A ideia de que a Ucrânia não é um Estado soberano, repetida por Putin duas décadas depois, aparece em vários de seus textos, que também serviram de inspiração para figuras de extrema direita no exterior, como Steven Bannon, estrategista político de Donald Trump.

“A Ucrânia como um Estado não tem significado geopolítico, não tem importância cultural particular ou importância significativa, não tem singularidades geográficas, tampouco uma exclusividade étnica”, escreveu Dugin em “As bases da geopolítica”.

Em 1999, passou a integrar o Conselho de Segurança Nacional da Duma (Câmara Baixa do Parlamento) e começou a adaptar algumas de suas visões mais extremas, como as relacionadas ao misticismo, pautando-se por ideias eurasianas mais clássicas, ligadas a pensadores do começo do século XX. Era uma tentativa de se fazer mais palatável às elites russas, avessas a uma guinada brusca da Rússia em direção a uma política ditada pelo nacionalismo e pelo antiliberalismo.

Novo contexto

A chegada de Putin ao poder, em 2000, com a promessa de retomar o papel central da Rússia no cenário global, parecia perfeita para Dugin exercer influência direta no processo de tomada de poder, embora não se tenha certeza de qual é sua real importância no Kremlin.

Sua nova sigla, o Partido da Eurásia, ligada à extrema direita, é aliada do governo e incentivada pelo Kremlin, dentro de uma estratégia de permitir a criação de inúmeros partidos para passar a ideia de que a Rússia é um país democrático.

Com a gradual transição do governo Putin rumo ao conservadorismo e ao autoritarismo, Dugin se viu particularmente agraciado: em 2008, foi um dos defensores da invasão da Geórgia e atuou ao lado de separatistas ucranianos em 2014, quando teve início uma guerra no Leste da Ucrânia, após a queda do governo pró-Moscou.

Frequentemente comparado — especialmente por causa da barba — ao mítico monge Grigori Rasputin, que exerceu indevida influência sobre o último czar, Nicolau II, passou a aparecer com maior frequência em programas na TV, sugerindo um aval do Kremlin às suas ideias. Afinal, em um ambiente de comunicação tão controlado como o russo, convidados malvistos pelo governo raramente são ouvidos.

Apesar de considerado um “guru” de Putin, a real influência de Dugin sobre o presidente é pouco clara. Os dois jamais foram vistos juntos e ele não ocupou cargos no governo — em 2008, passou a lecionar na Universidade Estatal de Moscou, em um de seus poucos cargos públicos, mas foi removido seis anos mais tarde, depois de defender que todos os ucranianos deveriam ser mortos.

“Dugin, ao contrário do que se acredita no Ocidente, não é uma figura significativa”, escreveu, no sábado, Leonid Volkov, aliado do líder dissidente Alexei Navalny, em sua conta no Telegram. “Esse caricatural pseudo-intelectual certamente não faz parte do sistema de tomada de decisões, muito menos é uma ''eminência parda' no Kremlin. A força do Kremlin, em geral, não está na ideologia, mas na ausência dela.”

De toda forma, Dugin representa uma corrente ideológica que vem se fortalecendo na Rússia nos últimos anos: a do excepcionalismo russo, algo que se mostra evidente com a guerra em curso na Ucrânia. O desprezo à existência dos ucranianos como uma nação independente, um dos pilares do duguinismo, pauta o discurso do Kremlin desde 2013, e especialistas o veem como o primeiro passo de um projeto de expansão que poderá incluir outras nações próximas da Rússia.

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