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Por Mark Landler, The New York Times — Londres

A primeira-ministra Liz Truss, do Reino Unido, fez campanha para substituir Boris Johnson prometendo reduzir impostos e defendendo que isso levantaria a economia do país. Agora ela entregou essa agenda de livre mercado, e isso pode afundar seu governo. Depois que cortes de impostos e os planos de desregulamentação de Truss surpreenderam os mercados financeiros e jogaram a libra esterlina em queda livre, o futuro político da primeira-ministra também parece cada vez mais precário.

Seu Partido Conservador está dominado pela ansiedade, com uma nova pesquisa mostrando que o Partido Trabalhista, de oposição, assumiu uma vantagem de 17 pontos percentuais. É uma situação traiçoeira para uma primeira-ministra que está apenas em sua terceira semana de trabalho, depois de ter sido escolhida pelos filiados da sigla num processo que se arrastou por dois meses.

Os trabalhistas estão aproveitando o momento para se apresentarem como o partido da responsabilidade fiscal. Com alguns especialistas prevendo que a libra pode cair para a paridade com o dólar, economistas e analistas políticos disseram que a incerteza sobre o futuro econômico do Reino Unido continuará pairando sobre os mercados e o governo de Truss.

— É perfeitamente possível que ela seja substituída antes da próxima eleição — disse Tim Bale, professor de Política da Universidade Queen Mary de Londres, especialista no Partido Conservador. — Seria muito, muito difícil realizar todo o processo para a escolha de uma nova liderança, mas eu não descartaria nada.

O fato de Truss estar nessa situação logo depois de assumir se deve tanto à natureza radical de suas propostas quanto a sua inadequação para o momento. Cortar impostos em um momento de inflação de quase dois dígitos, quando os bancos centrais estão aumentando as taxas de juros, faria do Reino Unido uma exceção econômica.

Porém, o governo agravou o choque na sexta-feira passada, quando o ministro do Tesouro, Kwasi Kwarteng, anunciou inesperadamente que o governo também aboliria a alíquota máxima de imposto de renda de 45%, aplicada àqueles que ganham mais de 150 mil libras (cerca de R$ 870 mil) por ano.

E Kwarteng não submeteu o pacote ao escrutínio que um orçamento do governo normalmente recebe, aprofundando os temores de que os cortes de impostos, sem os correspondentes cortes de gastos, arruinarão as finanças públicas britânicas.

Na última terça-feira, a libra se estabilizou brevemente em relação ao dólar, assim como os papeis do Tesouro britânico com vencimento de 10 anos, embora ambos tenham começado a oscilar no final do dia, depois que um alto funcionário do Banco da Inglaterra sinalizou um aumento agressivo nas taxas de juros.

O Fundo Monetário Internacional (FMI), que resgatou o Reino Unido em 1976, instou o governo britânico a reconsiderar os cortes de impostos. Em um comunicado, disse que eles exacerbariam a desigualdade e levariam a política fiscal e a política monetária a trabalhar com "propósitos opostos".

O espectro de taxas de juros mais altas já estava causando o colapso do mercado imobiliário britânico. Dois grandes credores hipotecários anunciaram que deixariam de oferecer novos empréstimos por causa da volatilidade do mercado. Taxas mais altas prejudicarão centenas de milhares de proprietários de imóveis que precisam refinanciar hipotecas de prazo fixo — proprietários de imóveis, observaram analistas, que são a base do Partido Conservador.

— Não é como nos Estados Unidos, onde as pessoas têm hipotecas de 30 anos — disse Jonathan Portes, professor de Economia e Políticas Públicas do King's College de Londres.

Estima-se que 63% dos detentores de hipotecas têm hipotecas de taxa flutuante ou empréstimos que expirarão nos próximos dois anos. E o declínio acentuado da libra significa que as taxas de juros terão que subir ainda mais do que teriam apenas para conter a inflação.

Truss, disse Portes, poderia ter adotado uma abordagem mais cautelosa: lançando as medidas de desregulamentação primeiro, como o estímulo à construção de novas moradias com a simplificação das complicadas regras de planejamento residencial do Reino Unido, que são um obstáculo ao crescimento econômico. Então, quando as pressões inflacionárias diminuíssem, o governo poderia cortar os impostos.

Durante a campanha, Truss se inspirou em Margaret Thatcher, que também anunciou uma série de medidas de livre mercado depois de assumir o cargo de primeira-ministra e passou por alguns anos turbulentos. Ao contrário de Truss, porém, Thatcher se preocupava em conter a inflação e fortalecer as finanças públicas: ela até aumentou alguns impostos durante uma recessão em 1981 antes de reduzi-los em anos posteriores.

Contudo, Thatcher chegou depois de uma vitória eleitoral sobre um governo trabalhista exausto, o que lhe deu mais tempo para enfrentar a crise e para que suas medidas de desregulamentação entrassem em vigor. Ela também acabou tendo sua popularidade impulsionada quando o Reino Unido derrotou a Argentina na Guerra das Malvinas em 1982, o que desencadeou uma onda de patriotismo.

— Thatcher pensava em 1979 que só precisava dar aos eleitores algo que eles gostassem em 1982 — disse Charles Moore, ex-editor do Daily Telegraph que escreveu uma biografia em três volumes da ex-primeira-ministra. — Liz Truss não tem tanto tempo.

A melhor analogia com Truss, disse ele, é Ronald Reagan, com sua ênfase em cortes de impostos e sua relativa falta de preocupação com seus efeitos sobre os déficits públicos. Como Thatcher, Reagan resistiu a uma recessão antes que os Estados Unidos começassem a crescer novamente, em 1983. E, como ela, tinha um colchão de popularidade antes de enfrentar os eleitores.

O rei Charles III e a premier Liz Truss — Foto: Yui Mok / AFP
O rei Charles III e a premier Liz Truss — Foto: Yui Mok / AFP

Truss, por outro lado, assumiu o cargo após 12 anos de governos liderados por conservadores e três anos do mandato de Johnson. Ela terá que convocar uma eleição até o início de 2025, no mais tardar. O Partido Trabalhista, que estava dividido pelo Brexit e disputas internas, foi galvanizado pelo início caótico do novo governo, em particular pelo plano de Kwarteng de cortar a alíquota máxima do IR, o que permitiu aos trabalhistas estabelecer um claro contraste em questões de equidade econômica.

Falando na conferência anual do partido em Liverpool na terça-feira, o líder trabalhista, Keir Starmer, declarou que os conservadores "dizem que não acreditam na redistribuição. Mas eles fazem — dos pobres para os ricos".

A vantagem trabalhista de 17 pontos percentuais na nova pesquisa da empresa YouGov é a maior que teve sobre os conservadores em duas décadas. Os conservadores ganharam o apoio de apenas 28% dos entrevistados, levantando questões sobre sua capacidade de manter sua maioria parlamentar.

O cenário político só aumenta o desafio que Truss enfrenta. Para que os cortes de impostos tenham um dos efeitos desejados — que é incentivar empresas a investirem mais —, os economistas dizem que estas precisam ter alguma garantia de que a política não será revertida por um novo governo em dois anos.

A curto prazo, é provável que Truss se encontre cada vez mais em desacordo com o Banco da Inglaterra. O banco já deveria aumentar as taxas em sua próxima reunião, em novembro. Na terça-feira, seu economista-chefe, Huw Pill, disse que as novas políticas fiscais do governo exigiriam uma "resposta significativa de política monetária".

Adam S. Posen, um economista americano que já atuou no comitê de política monetária do Banco da Inglaterra, disse:

— As políticas do governo não são apenas escandalosamente irresponsáveis, mas parecem não entender que o banco tem que responder a elas aumentando muito os juros.

Posen, que é presidente do Instituto Peterson de Economia Internacional, comparou a perda de credibilidade do Reino Unido nos mercados à do próprio Reino Unido e de outros países europeus na década de 1970 e à dos países latino-americanos na década de 1980.

O melhor caminho, disse ele, seria o governo reverter sua política fiscal, embora ele tenha dito que Truss e Kwarteng pareciam "muito comprometidos" com ela.

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