O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que as sanções aplicadas pela União Europeia à Rússia são a principal causa da crise energética enfrentada pelo bloco. O argumento é similar ao usado pelo próprio Kremlin para justificar os recentes cortes no fornecimento de gás a consumidores europeus, acendendo alertas para o risco de desabastecimento nos meses de inverno.
— A Europa colhe o que planta. A atitude da Europa em relação ao sr. [Vladimir] Putin, suas sanções, levaram o sr. Putin, por vontade própria ou não, ao ponto de dizer “se vocês fizerem isso, eu farei aquilo” — afirmou Erdogan, pouco antes de embarcar para uma viagem aos Bálcãs. — Ele está usando todos seus meios e armas. O gás natural, infelizmente, é um deles.
Os comentários de Erdogan foram feitos em meio a uma série de interrupções no fornecimento de gás russo para a Europa através do gasoduto Nord Stream, que liga a Rússia à Alemanha, e hoje é a principal via de fornecimento para o continente. Na segunda-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que as paralisações no gasoduto são resultado direto das sanções, e que o fluxo normal poderia ser retomado caso as medidas fossem suspensas.
— Outras razões que poderiam causar problemas com o bombeamento [do gás] não existem — declarou Peskov, citado pela Interfax. — São as sanções impostas pelos Estados ocidentais que levaram a situação até o ponto em que estamos agora.
Oficialmente, a Gazprom, responsável pelo Nord Stream, aponta que as sanções dificultam reparos necessários no gasoduto: a empresa cita o caso das turbinas responsáveis pelo bombaeamento de gás, que foram enviadas para manutenção no Canadá, mas cujo retorno à Rússia sofreu atrasos por causa das medidas aplicadas por Ottawa e Bruxelas. Na semana passada, o gasoduto voltou a ser paralisado, agora por um vazamento de óleo em uma estação compressora. Não há prazo para a retomada das operações.
Apesar da guerra na Ucrânia ter posto Rússia e Europa em lados opostos, e provocado uma série de duras sanções contra Moscou, os países da região continuam comprando gás russo, proporcionando uma importante linha de financiamento para Moscou.
Além disso, os recorrentes cortes no fornecimento forçaram uma pesada alta nos preços aos consumidores, e o desabastecimento nos meses de inverno é tratado como uma possibilidade real. A União Europeia vem trabalhando em planos para reduzir a dependência do gás vindo da Rússia, mas as iniciativas só devem trazer efeitos práticos a médio ou longo prazo: afinal, não há alternativas viáveis para o barato gás russo, ainda mais em um momento de mercados internacionais aquecidos.
Erdogan, por sua vez, mantém uma postura pragmática no conflito: a Turquia, parte integrante da Otan, fornece armamentos para Kiev, incluindo os drones Bayraktar TB-2, usados para atrasar o avanço das tropas russas. Ao mesmo tempo, o líder turco estreitou seus laços políticos e econômicos com Moscou, hoje uma das principais parceiras comerciais do país.
Nesta terça-feira, ele afirmou que, justamente por conta desses laços, a Turquia “não deverá” ter problemas relacionados ao fornecimento de gás — cerca de metade de todo o produto consumido no país vem dos poços russos. No mês passado, após uma reunião com Putin, Erdogan afirmou que seu governo passaria gradualmente a realizar os pagamentos pelo gás importado em rublos, não mais em dólares. Em março, em uma medida que provocou pesadas críticas na Europa, Putin afirmou que países “hostis” deveriam passar a pagar pelo produto na moeda russa. A Turquia não aparece na lista.
Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY