Ao ascender ao trono, o rei Charles III do Reino Unido automaticamente herdou o posto de chefe de Estado de 14 nações da Comunidade Britânica — papel principalmente simbólico que mantém o vínculo entre Londres e parte de suas antigas colônias. Agora, debates que já fervilhavam sobre o rompimento com a monarquia e a proclamação da república em alguns desses países voltaram à tona com a morte da rainha Elizabeth II, incluindo em antigas joias da Coroa como Austrália e Nova Zelândia.
Ainda que tal mudança tão significativa não esteja prevista para um futuro próximo, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, do Partido Trabalhista, afirmou nesta segunda-feira que o país um dia cortará os laços com a monarquia. O governo dela, contudo, não deve pôr o assunto em pauta, pois não "há uma urgência" para tal e "há outros desafios" que devem enfrentar no momento.
— Eu realmente acredito que esse é o caminho que a Nova Zelândia vai seguir com o tempo — respondeu Ardern em entrevista coletiva em Wellington, quando questionada sobre o futuro do país. —Acredito que é provável que isso ocorra enquanto eu estiver viva, mas não vejo isso como uma medida de curto prazo ou algo que esteja na agenda tão cedo.
Veja fotos do cortejo fúnebre da rainha Elizabeth II
O primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, deu uma declaração semelhante à de Ardern no domingo, afirmando, porém, que agora "não é o momento" para discutir um rompimento de laços com o Reino Unido. Albanese, do Partido Trabalhista australiano e defensor do republicanismo, afirmou que não tem intenção de realizar um referendo do tipo em seu primeiro mandato como chefe de governo.
- Até o funeral: Veja o cronograma diário das homenagens a Elizabeth II
— Agora é hora de prestarmos homenagem à vida da rainha Elizabeth, uma vida bem vivida — declarou Albanese. — Uma vida de dedicação e lealdade, inclusive ao povo australiano.
O líder dos Verdes da Austrália, Adam Bandt, posicionou-se a favor da retomada da discussão um dia após a morte da soberana, sugerindo que o país deve avançar com a proposta. Embora tenha sido fortemente criticado pela declaração no Twitter, tida como insensível por outros parlamentares, uma pesquisa recente da empresa Essential mostrou que hoje cerca de 44% dos australianos são favoráveis à ideia.
Em 1999, a Austrália quase rompeu com a monarquia britânica, mas a proposta foi derrotada por pouco: em referendo 54% dos australianos rejeitaram a mudança do sistema de governo, contra 46% que votaram pela implantação de uma república. A proposta previa substituir o governador-geral, que é a autoridade que representa o monarca britânico, por um presidente.
A pressão pela mudança de sistema de governo é especialmente forte em países caribenhos, os que mais sofreram com o legado colonial britânico. No sábado, o primeiro-ministro de Antígua e Barbuda, Gaston Browne, anunciou planos de realizar um plebiscito para que o país se torne uma república dentro de três anos.
Também querem seguir o exemplo Jamaica e Belize, países que receberam com protestos o príncipe William (agora primeiro na linha de sucessão ao trono) e sua mulher, Kate Middleton, a nova princesa de Gales, em viagem às ex-colônias no início do ano.
- Presença confirmada: Bolsonaro irá a funeral da rainha Elizabeth II em Londres, diz Itamaraty
A Jamaica, nação caribenha mais populosa do reino da Comunidade Britânica, já havia anunciado em junho que iniciou o processo de transição para uma república e que pretende remover o monarca britânico como chefe de Estado antes das próximas eleições gerais, em 2025.
Barbados, também uma ex-colônia no Caribe, foi o país mais recente a se desligar da Coroa e a se declarar república, quase 400 anos depois que o primeiro navio inglês aportou no local. Em novembro de 2021, na cerimônia de transição que marcou o fim do status da rainha como chefe de Estado, o então príncipe Charles reconheceu “a atrocidade da escravidão" que a ilha caribenha enfrentou sob o domínio britânico. Sandra Mason, de 73 anos, que era governadora-geral desde 2018, foi eleita presidente do país em uma votação no Parlamento.
- Do livro de Harry à ira republicana: Os quatro desafios de Charles III
A maioria dos 56 membros da Comunidade Britânica é composta por repúblicas independentes, sem vínculos formais com a família real. Desses, 14 ainda são monarquias constitucionais que mantiveram o soberano britânico como chefe de Estado. Nesses países, o monarca é representado por um governador-geral que tem deveres cerimoniais, como a posse de novos membros do Parlamento.
São eles: Austrália, Antígua e Barbuda, Bahamas, Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Papua Nova Guiné, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Nova Zelândia, Ilhas Salomão e Tuvalu.
Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY