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Por Emanuelle Bordallo

Quando estava no comando das Relações Exteriores do governo Boris Johnson, Elizabeth ‘Liz’ Truss, nova premier do Reino Unido, não media os alvos de suas críticas. Em mais de uma ocasião, a líder conservadora reprovou publicamente países como Rússia, China e até aliados, como a França.

Mas o Reino Unido que Truss assume agora não está em condições de ataque. Diante de tantos desafios internos, principalmente na área econômica, ela também precisará enfrentar a intensificação da crise energética provocada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, as delicadas negociações com a União Europeia sobre o status da Irlanda do Norte depois do Brexit e as desconfianças de países como França, China e EUA.

— Os três grandes desafios da Truss são o alto custo de vida, o Sistema Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) e a guerra na Ucrânia, principalmente com a chegada do inverno. E todos eles dependem muito da relação dela com a União Europeia (UE) e como ela vai continuar a implementação do Brexit — avalia Carolina Salgado, professora de Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e especialista em estudos europeus.

Para Salgado, o Reino Unido se encontra em uma posição de “vulnerabilidade internacional”. A resolução da disputa entre Londres e a UE sobre o chamado protocolo da Irlanda do Norte será central para a geopolítica britânica — e atravessa a relação do Reino com diversos outros países. Ao GLOBO, a professora analisa os principais dilemas que Truss deverá encarar.

Brexit: as divergências com a UE

Uma das principais e mais difíceis negociações do divórcio entre o Reino Unido e a UE resultou no protocolo da Irlanda do Norte. Pelo protocolo, não haveria barreiras alfandegárias entre a província britânica e a República da Irlanda, país da UE com o qual divide uma ilha. O controle passaria a ocorrer no comércio entre a província e o resto do Reino Unido, separados pelo Mar da Irlanda. O protocolo visa preservar o acordo de paz que, em 1998, pôs fim ao conflito entre os norte-irlandeses favoráveis à unificação da Irlanda e os que queriam continuar no Reino Unido, mas acabou desagradando estes últimos.

Truss propôs — quando ainda comandava a pasta de Relações Exteriores — um plano unilateral que pretende alterar os termos do acordo. Em represália, Bruxelas abriu um processo contra o Reino Unido por violações do acordo do Brexit no Tribunal de Justiça da União Europeia.

O imbróglio pode se tornar uma pedra no sapato de Liz Truss — e ela não terá muito tempo para planejar uma saída. Isso porque o Partido Unionista Democrático (DUP, na sigla em inglês), que na Irlanda do Norte representa a população pró-Londres, exige a revisão do protocolo, e ameaça não indicar representante para o governo da província se isso não ocorrer.

Pelo acordo de 1998, o sistema de compartilhamento de poder na Irlanda do Norte impõe que os dois partidos majoritários (DUP e Sin Féin) estejam representados no governo. Sem um nome do DUP, a Irlanda do Norte está sem governo desde as eleições de maio deste ano.

— O prazo para a Liz Truss solucionar isso é até 28 de outubro — comenta Salgado, em referência à possibilidade de convocação de novas eleições na província se um governo não for formado até lá. — Se a Irlanda do Norte ficar sem governo, ela vai precisar negociar outro protocolo comercial com a União Europeia — completa.

Truss tem se posicionado favorável à sigla minoritária, mesmo com o risco de um embate com a UE.

Salgado é cética sobre uma flexibilização da União Europeia sobre os termos do acordo, sobretudo após o bloco ter judicializado a questão. A professora acredita que Truss está “amplificando a polarização” ao preferir abraçar uma visão minoritária na própria Irlanda do Norte e buscar uma árdua negociação com a UE.

O descumprimento dos acordos do Brexit tem gerado atritos com lideranças europeias, como o presidente da França, Emmanuel Macron. A tensão entre os países teve início ainda durante a campanha de Truss, quando a conservadora não esclareceu se a França era uma nação “amiga ou inimiga”.

— O Reino Unido é uma nação amiga, forte e aliada, independentemente dos seus líderes, e, por vezes, apesar dos seus líderes — respondeu Macron na ocasião.

No entanto, o país pode não ser tão amigável caso Truss insista em mudar unilateralmente os termos do protocolo da Irlanda do Norte. Em encontro com parlamentares europeus no início deste ano, o líder francês disse:

— Sejamos claros e firmes para que os compromissos assumidos sejam respeitados, é a condição para podermos permanecer amigos.

Rússia e a crise energética

Na última quinta-feira, a premier anunciou uma série de medidas para conter os avanços das contas de gás e luz no Reino Unido, como o congelamento dos preços das faturas por dois anos para as famílias britânicas. O pacote é uma reação ao aumento exponencial dos gastos com energia desde o início da guerra na Ucrânia, que gerou uma crise de abastecimento em toda a Europa.

Um dos principais desafios enfrentados pelo país — que deve ser intensificado com a chegada do inverno — a crise energética também exigirá jogo de cintura da nova premier com a Rússia. Durante a sua gestão como ministra das Relações Exteriores, Truss, assim como Boris Johnson, era uma grande defensora das sanções ao Kremlin, e o Reino Unido foi um dos primeiros países a anunciar que deixaria de comprar petróleo russo.

Para a professora de Relações Internacionais, como o Reino Unido já “investiu bilhões de dólares na guerra”, não há possibilidade de o país cortar o apoio à Ucrânia em razão da crise de abastecimento.

O presidente ucraniano disse que espera que a nova premier ajudasse o país a “barrar os esforços destrutivos da Rússia”. Zelensky foi a primeira liderança internacional a receber uma ligação da premier, que reiterou o seu “total apoio” e disse que o país poderia contar com a assistência britânica “a longo prazo”.

— O que os cidadãos estão se perguntando é qual o preço da guerra. Como você convence as pessoas a pagarem por essa guerra se você tem um altíssimo custo de vida e uma inflação que já passa dos 10% — analisa Carolina Salgado — Ela vai começar a tentar resolver isso [a crise energética] de dentro para fora.

Além da economia, Salgado destaca incongruências políticas de uma eventual acomodação britânica às reações russas.

— Se a Truss for mais flexível em relação à Rússia, estará se aliando a países do Leste europeu, muitos governados por autoritários de extrema direita. Parte dos problemas que o Partido Conservador sinalizava em relação à imigração, um dos motivos do Brexit, incluía imigrantes do Leste europeu — relembra a professora.

A relação com os EUA e a retórica anti-China

Após o Brexit, o Reino Unido tem buscado uma aproximação ainda maior com os Estados Unidos, nos quais vê um importante parceiro comercial para compensar as perdas com a saída da UE. Até um acordo de livre comércio chegou a ser discutido, mas as conversas não avançaram muito com o início do governo Biden.

— Esse acordo comercial era muito mais provável entre Trump e Boris Johnson, que tinham mais alinhamento político-ideológico — afirma Salgado.

Segundo a professora de Relações Internacionais da PUC-Rio, Biden deve adotar uma postura observadora em relação a Truss — China, União Europeia e Ucrânia, é isso que vai definir as relações entre os EUA e o Reino Unido.

No comando do Ministério de Relações Exteriores britânico, a atual primeira-ministra já disse que classificaria a China cono uma “ameaça” à segurança nacional, mesmo status da Rússia. Truss também já criticou violações de direitos humanos em regiões como Hong Kong e Taiwan.

— A relação com a China é muito mais importante para os EUA do que a guerra na Ucrânia, e as relações entre Reino Unido e China nunca foram boas sob o comando do Partido Conservador — relembra Salgado. — Esse é o ponto mais favorável da relação da Truss com os Estados Unidos.

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