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Por The New York Times, David E. Sanger e William J. Broad — Washington

Apesar de todas as suas ameaças de disparar armas nucleares contra alvos ucranianos, o presidente russo, Vladimir Putin, está agora descobrindo o que os próprios Estados Unidos concluíram anos atrás: armas nucleares pequenas são difíceis de usar, mais difíceis ainda de controlar e muito melhor como forma de terror e intimidação do que como uma arma de guerra.

Analistas de dentro e de fora do governo que tentaram interpretar as ameaças de Putin passaram a duvidar de quão úteis tais armas seriam para o avanço dos objetivos de guerra de Moscou.

A principal utilidade, segundo muitas autoridades dos EUA, seria como parte de um último esforço de Putin para interromper a contraofensiva ucraniana, ameaçando tornar partes da Ucrânia inabitáveis.

Ainda assim, os riscos para Putin podem facilmente superar quaisquer ganhos. Seu país poderia se tornar um pária internacional, e o Ocidente tentaria capitalizar a detonação de armas nucleares para tentar levar a China e a Índia, e outros que ainda estão comprando petróleo e gás russos, a adotar sanções. Depois, há o problema dos ventos: a radiação liberada pelas armas russas pode facilmente voltar ao território russo.

Há meses, simulações de computador do Pentágono, laboratórios nucleares americanos e agências de Inteligência vêm tentando calcular o que poderia acontecer nesse caso, e como os Estados Unidos podem responder. Não é tarefa fácil porque as armas táticas são muito variadas, a maioria com uma pequena fração do poder destrutivo das bombas que os Estados Unidos lançaram sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945.

Em um discurso inflamado na semana passada, cheio de ameaças, Putin disse que esses ataques "abriram um precedente".

Arsenal sigiloso

As consequências, de acordo com um funcionário do governo americano, variam drasticamente —dependendo se o alvo de Putin é uma base militar ucraniana remota, uma pequena cidade ou uma explosão de “demonstração” sobre o Mar Negro.

Um grande sigilo envolve o arsenal de armas táticas da Rússia, mas sabe-se que elas variam em tamanho e poder. A arma que mais preocupa os europeus é a ogiva que cabe no topo de um míssil Iskander-M e pode atingir cidades da Europa Ocidental. Números russos põem a menor explosão nuclear da carga Iskander em cerca de um terço do poder explosivo da bomba de Hiroshima.

Muito mais se sabe sobre as armas táticas projetadas para o arsenal americano na Guerra Fria. Uma delas, criada no final da década de 1950, pesava cerca de 30 kg. Parecia uma grande melancia com quatro barbatanas. Ela foi projetada para ser disparada da traseira de um jipe e tinha cerca de um milésimo da potência da bomba lançada sobre Hiroshima.

Mas à medida que a Guerra Fria avançava, tanto os Estados Unidos quanto os soviéticos desenvolveram centenas de variantes. Havia cargas nucleares de profundidade para derrubar submarinos e rumores de armas nucleares do tamanho de malas. Em um ponto da década de 1970, a Otan tinha mais de 7.400 armas nucleares táticas, quase quatro vezes o estoque russo atual estimado.

Naquela época, eles também faziam parte da cultura popular. Em 1964, James Bond desarmou uma pequena arma nuclear em “Goldfinger”, segundos antes de ela explodir. Em 2002, em “A Soma de Todos os Medos”, baseado em um romance de Tom Clancy, um terrorista destrói Baltimore com uma arma tática que chega em um navio de carga.

Radiação mortal

A realidade, porém, é que, embora a explosão possa ser menor do que a uma arma convencional, a radioatividade pode ser duradoura. Em terra, os efeitos da radiação “seriam muito persistentes”, disse Michael G. Vickers, ex-alto funcionário civil do Pentágono. Na década de 1970, Vickers foi treinado para se infiltrar nas linhas soviéticas com uma bomba nuclear do tamanho de uma mochila.

— As armas táticas da Rússia provavelmente seriam usadas contra concentrações de forças inimigas para evitar uma derrota convencional — acrescentou Vickers. — Minha experiência sugere que sua utilidade estratégica seria altamente questionável, dadas as consequências que a Rússia quase certamente enfrentaria após seu uso.

Para a radiação mortal, há apenas uma comparação dramática da vida real em solo ucraniano: o que aconteceu em 1986, quando um dos quatro reatores de Chernobyl sofreu um colapso e explosões que destruíram o prédio do reator. Na época, os ventos sopravam predominantemente do sul e sudeste, enviando nuvens de detritos radioativos principalmente para a Bielorrússia e a Rússia, embora quantidades menores tenham sido detectadas em outras partes da Europa, especialmente na Suécia e na Dinamarca.

Os perigos da radiação de pequenas armas nucleares provavelmente seriam menores. No caso de Chernobyl, a precipitação radioativa envenenou as planícies por quilômetros ao redor da usina e transformou vilarejos em cidades fantasmas. A radiação causou milhares de casos de câncer, embora não se saiba até hoje quantos exatamente.

Um míssil nuclear estratégico russo RS-24 Yars — Foto: AFP
Um míssil nuclear estratégico russo RS-24 Yars — Foto: AFP

Chernobyl, é claro, foi um acidente. A detonação de uma arma tática seria uma escolha — e provavelmente um ato de desespero. Embora as repetidas ameaças atômicas de Putin possam ser um choque para os americanos que pouco pensaram em armas nucleares nas últimas décadas, eles têm uma longa história.

Guerra Fria

Em alguns aspectos, o presidente russo está seguindo um manual escrito pelos Estados Unidos há quase 70 anos, quando se planejava para defender a Alemanha e o resto da Europa no caso de uma invasão soviética em grande escala. A ideia era usar as armas táticas para retardar a força de uma invasão.

O próprio nome “armas táticas” destina-se a diferenciar essas armas pequenas das ogivas gigantes que os Estados Unidos, os soviéticos e outros países com armas nucleares montaram em mísseis intercontinentais e apontaram um para o outro de silos, submarinos e frotas de bombardeiros. Foram as enormes armas — muito mais poderosas do que as que destruíram Hiroshima — que provocaram o medo do Armagedom e de um único ataque que pudesse destruir Nova York ou Los Angeles.

Armas táticas, por sua vez, podem derrubar alguns quarteirões de uma cidade ou parar uma coluna de tropas que se aproxima. Mas não destruiriam o mundo.

Em última análise, as grandes armas táticas tornaram-se objeto de tratados de controle de armas, e atualmente os EUA e a Rússia estão limitados a 1.550 armas instaladas cada. Mas as menores nunca foram regulamentadas.

Quando a Guerra Fria terminou, a Otan admitiu publicamente que a justificativa para qualquer uso nuclear era extremamente remota e que o Ocidente poderia reduzir drasticamente suas forças nucleares. Lentamente, a aliança militar removeu a maioria de suas armas nucleares táticas, determinando que elas eram de pouco valor militar.

Cerca de cem ainda são mantidas na Europa, principalmente para acalmar os países da Otan que se preocupam com o arsenal da Rússia, estimado em cerca de 2 mil armas. Agora a questão é se Putin realmente as usaria.

Ultimamente, Moscou tem usado seu arsenal como pano de fundo para ameaças. Nina Tannenwald, cientista política da Brown University que estuda armas nucleares, observou recentemente que Putin levantou pela primeira vez a ameaça de recorrer a suas armas nucleares em 2014, durante a invasão russa da Crimeia.

No ano seguinte, Moscou ameaçou navios de guerra dinamarqueses com destruição nuclear se a Dinamarca se unisse à Otan para se defender de ataques de mísseis. No final de fevereiro, Putin pediu que suas forças nucleares ficassem em alerta. Mas não há nenhuma evidência que elas tenham feito isso.

Na semana passada, o Instituto para o Estudo da Guerra concluiu que “o uso pela Rússia de uma arma nuclear seria uma aposta maciça para ganhos limitados que não alcançariam os objetivos de guerra declarados de Putin. Na melhor das hipóteses, o uso nuclear russo congelaria as linhas de frente em sua posição atual e permitiria ao Kremlin preservar seu território atualmente ocupado na Ucrânia”. Mesmo isso, exigiria “múltiplas armas nucleares táticas”.

“Ainda assim, não iria permitir que as ofensivas russas capturassem toda a Ucrânia”, disse o instituto. Que era, é claro, o objetivo original de Putin.

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