Mundo
PUBLICIDADE

Por O Globo

Após pressões de aliados e adversários que a levaram a cancelar seu plano econômico ultraliberal e mudar seu ministro das Finanças, Liz Truss renunciou nesta quinta-feira à liderança do Partido Conservador e consequentemente ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido. O mandato da sucessora de Boris Johnson, de humilhantes 44 dias, será lembrado como o mais curto da História britânica, aumentando as incertezas em um momento no qual a inflação passa de dois dígitos e a recessão bate à porta.

Truss disse que continuará no cargo até que o terceiro líder conservador em três anos seja escolhido — o partido promete anunciar o novo nome até 28 de outubro, mas a oposição trabalhista e liberal-democrata já pressiona por eleições antecipadas.

O governo da premier não resistiu ao despencar da libra e ao caos no mercado provocados por seu pacote econômico, que previa os maiores cortes de impostos em meio século no país sem medidas que compensassem o rombo na arrecadação. Há dias, sua permanência já era vista como insustentável, com tabloides apostando quem teria maior vida útil: a premier ou uma alface.

— Assumi o cargo em um momento de grande instabilidade econômica e internacional — disse a premier demissionária. — Fui eleita pelo Partido Conservador com mandato para mudar isso (...). Definimos uma visão para uma economia com impostos baixos e alto crescimento, que tiraria vantagem das liberdades do Brexit. Mas reconheço que, dada a situação, não posso cumprir o mandato para o qual fui eleita pelo Partido Conservador.

A agenda econômica da premier, que havia sido pressionada a renunciar por figuras-chave conservadoras pouco antes de seu breve pronunciamento à nação na sede do governo, em Downing Street, era contestada desde antes mesmo de sua posse. O plano previa a abolição da alíquota máxima de Imposto de Renda, de 45%, aplicada àqueles que ganham mais de 150 mil libras (cerca de R$ 892 mil) por ano e cortes de impostos para as empresas.

As críticas vieram de aliados mais ortodoxos, opositores e até do Fundo Monetário Internacional, que alertou para o potencial de as iniciativas exacerbarem a ascendente desigualdade do país à beira da recessão, onde a inflação na quarta chegou a 10,1% em termos anualizados, um recorde de 40 anos. Além da crise energética catalisada pela invasão russa na Ucrânia, o país ainda sofre os duros impactos do Brexit, a saída da União Europeia, que os conservadores evitam reconhecer.

Para salvar seu próprio pescoço, a premier demitiu o ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, substituindo-o por Jeremy Hunt, que descartou o pacote econômico antigo quase por completo. Nem mesmo isso, contudo, foi suficiente para evitar a humilhação.

— [A troca de comando] garantirá que permaneçamos no caminho para realizar nossos planos fiscais e manter a estabilidade econômica e a segurança nacional de nosso país — disse Truss, que havia sido escolhida líder conservadora em 5 de setembro e formalmente empossada como premier no dia seguinte.

Sucessão complexa

Agora começa um processo de escolha para o novo líder do Partido Conservador, que tem maioria no Parlamento do país desde as eleições de 2019. No sistema parlamentarista britânico, o líder da sigla majoritária torna-se chefe de governo.

Segundo a Comissão 1922, responsável por definir as regras eleitorais da legenda, o sucessor deverá ser escolhido em uma votação partidária no prazo máximo de oito dias. Caso os parlamentares conservadores não consigam chegar a um nome de imediato, os dois mais populares participarão de um voto on-line entre os filiados do partido. A disputa terminará no dia 28 de outubro, mesmo dia em que o vencedor deve ser anunciado.

As críticas, contudo, são garantidas: há apenas 172.437 conservadores de carteirinha, ou 0,3% dos 66 milhões de britânicos. São majoritariamente homens, brancos e de idade mais avançada, um perfil que não coincide com o de um país em mudança.

Nos últimos dias, vazaram conversas de deputados conservadores que consideravam antidemocrática a escolha de um novo chefe de governo entre os quadros do próprio partido. A oposição trabalhista, que vai bem nas pesquisas eleitorais, pediu imediatamente novas eleições após a renúncia de Truss:

— Todos os fracassos dos últimos 12 anos agora estão em ponto de ebulição — disse o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, afirmando que o país chegou a um "novo e caótico ponto baixo". — As vítimas de um crime que não conseguem ter justiça. Pessoas morrendo porque as ambulâncias não conseguem chegar a tempo. Milhões morrendo sem comida ou aquecimento (...). Eles não cumprem o dever patriótico básico de manter o povo britânico fora de suas próprias rusgas patéticas.

O segundo partido da oposição, o Liberal Democrata, também pediu a antecipação do pleito. "É hora de os parlamentares conservadores cumprirem sua missão patriótica, pôr o país primeiro e dar a palavra ao povo", disse o líder da legenda, Ed Davey, em um comunicado.

Se Truss não caiu antes foi em parte devido à dúvida de seus aliados sobre a possibilidade de uma nova eleição geral — o pleito está marcado para acontecer a partir de janeiro de 2025, mas pode ser antecipado caso o primeiro-ministro deseje. Uma nova votação, contudo, não é a melhor das hipóteses neste momento para os conservadores, já que a derrota seria contundente.

Se o pleito fosse hoje, segundo o agregador de pesquisas do site Politico, os trabalhistas teriam 52% dos votos contra 23% dos conservadores. Quando Truss foi empossada premier, em 6 de setembro, tinham respectivamente 42% e 31% — distância já considerável após os escândalos consecutivos que eventualmente custaram o cargo de Boris Johnson.

'Lutadora, não desertora'

Boris havia chegado ao poder em 2019, prometendo concluir o Brexit após os imbróglios que impediam o divórcio custarem o cargo de sua antecessora, Theresa May. A gota d'água para sua queda foram as renúncias do ministro das Finanças, Rishi Sunak, e do ministro da Saúde, Savid Javid, que catalisaram a sangria de 60 integrantes de diversos escalões do governo.

Até aquele momento, contudo, a popularidade dos conservadores já estava em frangalhos, em grande parte devido aos caóticos meses finais de Boris no poder. Questões como a realização de festas durante a quarentena para conter a Covid-19 e a promoção de aliados acusados de assédio sexual se acumularam por meses até que Downing Street não aguentou a pressão.

Truss resistia até quarta-feira, quando na tradicional sessão de perguntas e respostas no Parlamento disse que "era uma lutadora, não uma desertora". Horas depois, entretanto, veio o golpe fatal: sua ministra do Interior, Suella Braverman, foi forçada a se demitir após mandar documentos para um colega por canais não oficiais, e deixou o governo fazendo duras críticas à premier.

Segundo uma pesquisa rápida feita nesta quinta pelo instituto YouPoll, oito em cada dez britânicos creem que Truss acertou ao apresentar sua renúncia ao rei Charles III. Há seis semanas, ela foi empossada pela rainha Elizabeth II como premier no Castelo de Balmoral, na Escócia — a reunião marcou a última vez que a monarca foi fotografada em público antes de sua morte, em 8 de setembro.

Mais recente Próxima
Mais do Globo

Supremo suspendeu cobrança de ITCMD para alguns casos em 2021, até que seja promulgada lei complementar sobre o tema

Justiça impede cobrança de imposto sobre heranças e bens no exterior, ampliando alcance de decisão do STF

Ex-presidente afirma falsamente não saber nada sobre o documento, que propõe políticas conservadoras para um possível segundo mandato do republicano

Contra pornografia e aborto e a favor de deportação em massa: o que é o Projeto 2025 e por que Trump tenta se afastar dele?

O consumo de lixo digital gera danos na vida real: a primeira é a perda de um tempo que poderia ser melhor usado

Como apodrecer seu cérebro

Ela largou a carreira de advogada e converteu em cozinha a garagem da casa dos pais, arriscando-se no negócio de bolos e doces em 1995

A doceira dos famosos

Até abril de 2025, mais de 200 eventos e atividades serão promovidos em Estrasburgo e em seus arredores

Estrasburgo é a capital mundial do livro em 2024

A irmã do presidente, Karina Milei, e Santiago Caputo, braço-direito dele, estão por trás da estratégia do conflito permanente

Os estrategistas por trás de Milei

Em meio a controvérsias, Apple, Google, Microsoft, Meta e OpenAI avançam com novas funções de IA espelhadas em seus produtos e serviços

Do e-mail às redes sociais: como as big techs têm transformados IAs em assistentes onipresentes

Dizem que ajuda na perda de peso, controle do açúcar no sangue, acne e outras coisas

Intestino, pele, emagrecimento: os mitos e verdades sobre a ação do vinagre de mação na saúde

Milhões de americanos e brasileiros usam cigarros eletrônicos, mas há pouca pesquisa sobre como ajudá-los a parar

Como parar de fumar vape? Médicos afirmam que é mais difícil do que largar o cigarro, mas há caminhos