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Por Ana Rosa Alves e agências internacionais

O presidente do Chile, Gabriel Boric, pediu maior diálogo para aprovar reformas sociais em um discurso nesta terça-feira para marcar o terceiro aniversário das maiores manifestações desde a redemocratização do país, responsáveis por um terremoto na política chilena. O cenário, contudo, não é dos mais amigáveis para o mandatário, cuja ascensão à Presidência é indissociável daqueles protestos, que ainda não se traduziram em melhorias que satisfaçam a população.

A maior consequência dos atos, o processo para substituir a Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), está no limbo após o texto proposto por uma Constituinte eleita em 2021 ser rejeitado no referendo de 4 de setembro. A popularidade do presidente, que está há apenas seis meses no poder, baixou seis pontos neste mês para 27%, segundo o instituto Cadem — recorde negativo que não deve ajudá-lo e convencer a oposição a destravar as reformas que apresentou ao Congresso.

— Hoje temos uma nova oportunidade para construir as bases de uma sociedade mais justa e digna — disse o presidente. — Nós ainda não realizamos as reformas para resolver as debilidades dos direitos sociais (...). É isso que as pessoas nos dizem permanentemente nas ruas.

Boric falou por 17 minutos no Palácio de La Moneda, refletindo sobre os atos que começaram como protestos contra o aumento da tarifa do metrô de Santiago e ganharam reivindicações sociais mais amplas — entre elas, reformas na Previdência, na saúde, na educação e uma Carta que substituísse a de Pinochet. Segundo o presidente, as manifestações “não foram uma revolução anticapitalista” ou “uma pura onda de delinquência”, mas “uma expressão de dores e fraturas da nossa sociedade”.

Uma das razões pelas quais o Chile chegou à “tremenda ruptura” de 2019, disse ele, foi a “incapacidade que tivemos no mundo político, durante muito tempo, de chegar a acordos para solucionar esses problemas” apesar de “muitas advertências do mal-estar cidadão”. Frente a isso, é necessário “pôr fim ao amplo período de seca” nas medidas barradas por disputas políticas.

O presidente destacou como caminho para as melhorias o “processo constitucional e as reformas que apresentamos”. Entre elas, a reforma fiscal, que tem como objetivo aumentar a arrecadação para financiar gastos sociais — a carga tributária do Chile, de 20,7%, é uma das mais baixas dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico —, uma futura reforma da Previdência e a redução da jornada semanal de trabalho de 45 para 40 horas. Reconheceu, contudo, que aprová-las é um desafio:

— Para isso, temos que construir pontes e diálogo, e nos últimos dias parece que nos afastamos disso — disse Boric, ressaltando a necessidade de dialogar com quem pensa diferente.

Boric lida com uma Câmara bastante fragmentada, na qual não tem maioria consolidada, e com um Senado onde as forças de direita somam a metade dos assentos. O maior símbolo do cenário hostil é a incerteza em torno do processo constituinte.

Embora todas as forças políticas, com exceção da extrema direita, tenham se comprometido a eleger uma nova Constituinte, as conversas sobre o modelo e as prerrogativas do organismo estão travadas há um mês. No entanto, 68% dos chilenos continuam a acreditar que uma nova Carta é necessária, segundo a pesquisa do Cadem, divulgada no domingo.

Chilenos insatisfeitos

A pesquisa mostra que 72% dos chilenos têm sentimentos negativos sobre a situação do país, onde a taxa anual da inflação chegou a 13,7%, a maior em três décadas. Quando se avaliam assuntos-chave dos atos de três anos atrás, a percepção é de que o Chile não melhorou em nenhum: 93% creem que a delinquência piorou, e 90% dizem o mesmo da violência. Mais de 70% dos chilenos acreditam também que houve pioras no que diz respeito à situação econômica, à qualidade da política e à pobreza. Outros pontos de insatisfação são a baixa confiança nas instituições e a desigualdade.

Houve protestos com algumas centenas de manifestantes — a maioria estudantes — no centro de Santiago para marcar o aniversário, e várias escolas e lojas anunciaram que fechariam mais cedo. No domingo, o governo informou que 25 mil policiais estariam na rua para manter a ordem.

Em 2019, como deputado, Boric exerceu um papel-chave, intermediando as negociações entre o Legislativo e os manifestantes em busca de uma saída institucional para a crise. Foi também um crítico ferrenho do então presidente Sebastián Piñera e do excesso de violência com que os carabineiros, a polícia militar do país, responderam aos manifestantes.

De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos do Chile (INDH), 26 pessoas morreram e milhares ficaram feridas nos atos, em grande parte devido à resposta policial, que “produziu, em seu conjunto, as mais graves violações de direitos humanos” desde a redemocratização.

— O 18 de outubro deveria desafiar a todos e a todas nós, mas ao invés disso o vemos como uma razão para reafirmar o que já pensávamos — disse Boric. — Três anos depois, é hora de deixarmos nossa zona de conforto para interpretar o que se passou, as lições que precisamos aprender, e atuar.

Divergências narrativas

Segundo a pesquisa do Cadem, hoje 61% dos chilenos continuam a acreditar que o descontentamento social generalizado foi a causa dos protestos, 11 pontos percentuais a menos que há três anos. O maior recuo, contudo, diz respeito ao uso da força: há três anos, 69% achavam que a resposta policial foi excessiva. Hoje, 58% afirmam que foi proporcional.

A mudança coincide com debates sobre a legitimidade do uso da violência — na época, um terço dos mercados do país foi saqueado, e o metrô de Santiago teve danos maciços — e a maneira como a esquerda lidou com ela. Boric, por exemplo, chegou a escrever que “todo ato de desobediência civil é rejeitado por quem não quer que as coisas mudem”.

Em seu discurso, o presidente disse que “muitas coisas excessivas foram ditas e feitas” e que a situação “chegou a um extremo que não deveria ter chegado”. Reconheceu que houve “condutas violentas destrutivas” dos manifestantes, mas também que o Estado deve reconhecer que a resposta policial “passou dos limites do aceitável” e que investigar as violações é “indispensável para a democracia”.

— Houve um amplo intervalo, que não foi de uma ou duas semanas, mas de meses e meses, em que mais de 70% da população apoiavam as manifestações e se sentiam representados por elas. Não podemos negar essa história — disse ele, criticando visões que descrevem os eventos como “uma pura explosão de violência” que surgiu da “delinquência ou da falta de controle policial”.

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