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Por O Globo — Oslo

O ativista bielorusso Ales Bialiatski e as organizações dos direitos humanos Memorial, da Rússia, e Centro pelas Liberdades Civis, da Ucrânia, foram escolhidos nesta sexta-feira como ganhadores do Prêmio Nobel da Paz de 2022. A decisão do Comitê Norueguês do Nobel, que homenageia vozes críticas ao presidente Vladimir Putin e a Alexander Lukashenko, seu aliado em Minsk, coincide com o agravamento da invasão russa na Ucrânia, que entrou em seu oitavo mês.

Criticado ao longo de décadas por decisões controversas — ou por evitar controvérsias políticas —, o Comitê não se esquivou de defender a democracia e a "coexistência pacífica nos países vizinhos: Bielorrússia, Rússia e Ucrânia". Era necessário deixar claro "que estamos falando de dois regimes autoritários e de uma nação em guerra", afirmou Berit Reiss-Andersen, sua presidente, enfatizando a importância da sociedade civil na promoção de valores pacíficos:

— Os ganhadores do Nobel da Paz representam a sociedade civil em seus países. Há muitos anos eles promovem o direito de criticar o poder e proteger os direitos fundamentais dos cidadãos — afirmou Reiss-Andersen. — Eles fizeram esforços notáveis para documentar crimes de guerra, abusos de direitos humanos e de poder. Juntos, demonstram o significado da sociedade civil para a paz e a democracia — completou ela no anúncio, feito às 11h em Oslo, na Noruega (6h, horário de Brasília).

Reiss-Andersen disse que "infelizmente" sempre há guerras em algum canto do planeta, mas que este ano a decisão foi tomada diante do "incomum" conflito na Europa e de seu impacto global, com "as ameaças de uso de armas nucleares e escassez de alimentos". Ela negou, contudo, que a escolha deva ser lida como um recado ou presente de aniversário às avessas para Putin, que completa 70 anos nesta sexta:

— Esse prêmio não é dirigido a Vladimir Putin, nem por seu aniversário ou em nenhum outro sentido, exceto pelos atos de seu governo que, como o governo da Bielorrússia, representa um governo autoritário que reprime os ativistas — afirmou, respondendo a uma jornalista.

Ales Bialitski

Ales Bialiatski, ganhador do Nobel da Paz de 2022 — Foto: Reprodução/Viasna
Ales Bialiatski, ganhador do Nobel da Paz de 2022 — Foto: Reprodução/Viasna

Bialiatski, que está preso sem julgamento desde 2021 pelo regime de Lukashenko, esteve na vanguarda do movimento pró-democracia em Minsk, ainda nos anos 1980, "dedicando sua vida à promoção da democracia e do desenvolvimento pacífico de seu país natal". Em 1996, ele fundou a Viasna (Primavera), que nos anos seguintes se transformou em uma organização dos direitos humanos que documenta violações e protesta contra o uso de tortura contra prisioneiros políticos.

Bialiatiski não era o bielorrusso mais cotado para levar o prêmio deste ano, mas sim a líder da oposição Svetlana Tikhanovskaya, que fez frente ao regime nas eleições presidenciais de agosto de 2020. Os protestos antigoverno, que já eram registrados antes do pleito contestado internacionalmente, ganharam nova dimensão após a derrota de Tikhanovskaya — que só se tornou candidata para substituir seu marido, que havia sido preso.

O novo ganhador do Nobel era um dos integrantes do Conselho de Coordenação, órgão criado para tentar negociar uma transição pacífica de poder em meio aos atos duramente reprimidos pelo governo de Lukashenko, que está no poder desde 1994, forçando quase todas as lideranças de oposição a fugirem do país ou prendendo-as.

Bialitski foi preso em julho de 2021 por evasão fiscal, sem evidências, acusação que posteriormente foi trocada para "contrabando". Ele já havia sido detido antes, passando quatro anos e meio atrás das grades desde 2011 — outra prisão classificada como política.

— Nossa mensagem é fazer um apelo para que as autoridades bielorrussas soltem Bialitski. Nossa esperança é que isso aconteça e que ele venha a Oslo para receber o prêmio que lhe foi concedido — disse Reiss-Andersen, antes de admitir que seu pedido dificilmente será ouvido. — Mas há milhares de presos políticos na Bielorrússia, e temo que meu desejo não seja muito realista.

Em resposta, a Chancelaria bielorrussa ironizou no Twitter a lista de vencedores, afirmando que o Nobel da Paz tem sido "tão politizado" que Alfred Nobel está "se revirando no túmulo". A mulher de Bialitski, Natallia Pinchuk, disse que mandou um telegrama para a prisão avisando sobre o prêmio, mas que não sabe se seu marido foi informado.

Memorial

Memorial, organização russa premiada com o Nobel da Paz de 2022 — Foto: Reprodução
Memorial, organização russa premiada com o Nobel da Paz de 2022 — Foto: Reprodução

A Memorial foi fundada em 1987 por ativistas dos direitos humanos na antiga União Soviética, com o objetivo de garantir que "as vítimas da opressão do regime comunista nunca sejam esquecidas", afirmou Reiss-Andersen. Seu fundador mais notório é Andrei Sakharov, o pai da bomba de hidrogênio soviética que mais tarde se tornaria um ativista pelo desarmamento nuclear — postura que lhe rendeu o Nobel da Paz em 1975.

— A Memorial baseia-se na noção de que confrontar crimes de guerra passados é essencial para prevenir novos. A organização também está na linha de frente dos esforços para combater o militarismo e promover os direitos humanos e um governo baseado no Estado de Direito — afirmou Reiss-Andersen.

Durante as guerras na Chechênia (1994-1996 e 1999-2009), a organização teve um papel central para documentar abusos e crimes de guerra contra a população civil por ambos os lados, trabalho que em 2009 custou a vida da chefe da organização na região do conflito. No mesmo ano, recebeu o Prêmio Sakharov da União Europeia.

Com o crescente autoritarismo do regime de Putin, o trabalho ganhou nova dimensão. Em dezembro de 2021, a Memorial foi fechada pelo Kremlin porque seu Centro de Direitos Humanos, braço que monitora violações atuais, "justifica atividades terroristas".

Quando soube da notícia, a organização estava prestes a dar uma entrevista coletiva em frente a um tribunal de Moscou onde recorreu do confisco de seu escritório. O prêmio dá "força moral" em "tempos deprimentes", disse a ONG, que teve o recurso negado. Os principais locais da Memorial na Rússia "continuarão convertidos em propriedade do estado", disse o tribunal de Tverskoy à agência de notícias Interfax.

Já o embaixador russo na ONU em Genebra, Gennady Gatilov, afirmou que Moscou "não se importa" com a honraria.

Centro para as Liberdades Civis

Centro para as Liberdades Civis, organização ucraniana premiada com o Prêmio Nobel da Paz — Foto: Reprodução
Centro para as Liberdades Civis, organização ucraniana premiada com o Prêmio Nobel da Paz — Foto: Reprodução

Já o Centro para as Liberdades Civis tem como objetivo promover os direitos humanos e a democracia na Ucrânia. A organização fundada em 2007, segundo o Comitê, tomou uma posição "para fortalecer a sociedade civil ucraniana e pressionar as autoridades para transformar a Ucrânia em uma democracia completa".

— Após a invasão russa da Ucrânia (...), o centro se engajou em esforços para identificar e documentar crimes de guerra contra a população ucraniana — disse Reiss-Andersen. — O centro tem um papel pioneiro em responsabilizar culpados por seus crimes.

Em um comunicado, a organização disse que "agradece à comunidade internacional" por seu apoio, afirmando que a homenagem é "muito importante". De seus 13 membros, 11 são mulheres, segundo informações oficiais do grupo.

— É uma grande honra para nós receber este prêmio, e também para os nossos parceiros. É muito importante para o estabelecimento dos direitos humanos e para a afirmação da dignidade humana — disse a presidente da ONG, Oleksandra Romantsova, em entrevista ao New York Times.

Ucrânia critica

Segundo a Comissão Europeia, braço executivo da UE, o prêmio reconheceu a "coragem extraordinária" de quem "defende a democracia". Tom similar foi usado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que classificou os vencedores como "artistas da paz" e "defensores inabaláveis dos direitos humanos na Europa". Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, o trio vencedor é um "oxigênio para a democracia".

O prêmio, contudo, não foi bem recebido pelo governo da Ucrânia, que considerou a suposta equiparação de uma organização ucraniana com uma russa e um ativista bielorrusso como uma afronta aos que lutam para proteger os ucranianos desde a eclosão do conflito. O conselheiro do presidente Volodymyr Zelensky, Mykhailo Podolyak, escreveu:

"O Comitê tem uma compreensão interessante da palavra 'paz' se representantes dos dois países que atacaram um terceiro recebem juntos o prêmio", disse ele. "As organizações russas e bielorrussas não conseguiram organizar resistência à guerra."

Os Nobel são concedidos desde 1901 a homens, mulheres e organizações que trabalharam pelo progresso da Humanidade, de acordo com o desejo de seu criador, o inventor sueco Alfred Nobel. O prêmio é entregue pelo Comitê Norueguês do Nobel, composto por cinco membros escolhidos pelo Parlamento norueguês. O vencedor recebe, além de uma medalha de ouro, 10 milhões de coroas suecas (R$ 4,69 milhões).

O prêmio deste ano corresponde à 103ª premiação da categoria. Ao todo, 251 pessoas civis e 92 organizações foram candidatas ao Nobel da Paz, indicadas por pessoas ou organizações consideradas “qualificadas”, como ex-ganhadores e governos. A decisão final cabe ao quinteto que forma a comissão, mas governos, integrantes de tribunais internacionais, ex-vencedores e professores universitários, entre outras categorias, podem indicar pessoas.

Antigos vencedores

Uma série de decisões contestadas levantam dúvidas sobre o processo. Em 1973, por exemplo, o premiado foi Henry Kissinger, o controverso secretário de Estado e estrategista político americano. Em 2009, foi o então recém-empossado presidente dos EUA, Barack Obama, que se tornaria oito anos depois o primeiro ocupante da Casa Branca a completar oito anos completos de gestão com tropas de seu país em combate ativo.

Em 2019 foi a vez do primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed, pelo acordo que pôs fim à guerra que seu país travava com a Eritreia. Meses depois, contudo, seu governo entraria em uma guerra civil com grupos separatistas na região de Tigré, no Norte do país.

No ano passado, os vencedores foram os jornalistas Maria Ressa e Dmitri Muratov, por seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão — a filipina é confundadora do Rappler, um site de jornalismo investigativo, enquanto o russo fundou o jornal Novaya Gazeta (Nova Gazeta), que se manteve crítico ao presidente Putin apesar da perseguição à imprensa. Em junho deste ano, Muratov anunciou o leilão de sua medalha, prometendo reverter o lucro para o trabalho que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) faz para ajudar crianças vítimas da guerra na Ucrânia.

Desde a última segunda-feira, o Nobel já divulgou os laureados das categorias de Medicina, Física, Química e Literatura. Na próxima segunda, será anunciado o prêmio pendente, de Economia.

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