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Por Amanda Scatolini

“Lamentamos que você tenha tido que suportar anos de encontros ruins e perder tempo com pessoas que não veem o mundo do nosso jeito, do jeito certo.” Assim se vende o novo aplicativo de encontros exclusivo para solteiros republicanos, chamado “The Right Stuff”, que foi lançado nos EUA nesta sexta-feira por antigos assessores do ex-presidente Donald Trump. O duplo sentido no nome — “a coisa certa”, mas que também pode significar “a coisa da direita” — evidencia a polarização entre os americanos às vésperas das eleições legislativas de novembro, quando estarão em jogo todas as cadeiras da Câmara e um terço das do Senado.

O intuito de criar uma bolha de relacionamentos — outros aplicativos semelhantes foram lançados antes, como Conservatives Only e TrumpSingles — reflete uma realidade que já existe para parte significativa da população americana. Em 2020, uma pesquisa do YouGov com mais de 5 mil entrevistados mostrou que menos da metade (44%) deles está disposta a se relacionar com alguém com opiniões políticas diferentes, e 39% rejeitaram a ideia enfaticamente.

Outra pesquisa, lançada em agosto deste ano pelo Centro de Pesquisas Pew, mostra que a tendência só cresce. No estudo, com mais de 6 mil eleitores, a maioria atribuiu estereótipos negativos aos seus “opositores”, tais como cabeça dura, imoral, desonesto, ignorante e preguiçoso. A porcentagem de avaliações negativas aumentou em todas as características em comparação com 2016, quando foi conduzida uma pesquisa semelhante.

— Sempre houve uma polarização entre republicanos e democratas, progressistas e conservadores, mas isso era controlado institucionalmente por alas mais moderadas dentro dos dois partidos — explica Fernanda Magnotta, especialista em política americana e coordenadora de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). — Nos últimos anos, o que temos visto é um aumento das alas mais radicais de cada um dos dois lados e, como consequência, uma alteração do perfil das lideranças dos partidos.

Esse cenário de transformação política nos EUA reflete, entre outros fatores, mudanças profundas na sociedade americana, explica Magnotta. O relativo declínio do país como potência mundial diante do crescimento da China, a desigualdade social cada vez mais evidente, índices de qualidade de vida em queda, altas taxas de desemprego e uma onda letal de violência armada alimentam insatisfações e descrédito nas estruturas políticas tradicionais. A sensação do americano médio, diz a professora, é de que a vida piorou nas últimas décadas.

Assim como ocorre no Brasil, os americanos têm evitado falar de política. São famílias que não se encontram mais, amigos que deixaram de ser amigos e pessoas cortando relações com as outras por divergências político-ideológicas. Nos aplicativos de relacionamento, relata Magnotta, é comum, hoje em dia, incluir descrições claras do posicionamento político e em questões polêmicas, como o direito constitucional ao aborto, derrubado em junho pela Suprema Corte, e o porte de armas.

É seguindo essa tendência que o The Right Stuff tenta abocanhar sua parcela de clientes, com configurações que permitem ao usuário personalizar o próprio perfil da maneira “certa”, isto é, com opções que sigam os padrões esperados para um conservador legítimo.

Essas configurações especiais foram demonstradas no vídeo de divulgação do aplicativo, estrelado por Ryann McEnany, irmã mais nova de Kayleigh McEnany, ex-secretária de imprensa da Casa Branca no Trump. No vídeo, a moça — que é loira de olhos azuis e está toda vestida de branco — se refere aos potenciais usuários como “senhoras” e “senhores”, deixando claro que não há opções de gênero e sexualidade não tradicionais no aplicativo.

“The Right Stuff tem tudo a ver com entrar no grupo de namoro certo, para pessoas que compartilham os mesmos valores e crenças que você”, explica ela.

Por trás da empreitada estão John McEntee e Daniel Huff, antigos assessores do ex-presidente Donald Trump, e o ex-executivo do Facebook e cofundador do PayPal Peter Thiel, que investiu US$ 1,5 milhão no projeto.

A aversão a quem pensa diferente não vem de hoje, mas aumentou depois da eleição de Trump, em 2016. Hoje, 43% dos americanos acreditam que assistirão, em até uma década, à explosão de uma nova guerra civil no país.

Para Magnotta, o ponto crítico da polarização foi a contestação de Trump e seus seguidores da derrota nas eleições presidenciais de 2020, movimento que culminou na invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, numa tentativa de impedir que a vitória de Joe Biden fosse certificada pelo Congresso.

Muitos acreditam que as eleições de novembro vão servir como um termômetro para saber se as instituições americanas vão conseguir dar conta de drenar as ameaças resultantes da radicalização política de parte da população.

— Para 2024 [quando haverá eleições presidenciais], o cenário é ainda mais desesperador em termos de renovação política. Democratas não têm grandes nomes com protagonismo dentro do partido, e do lado republicano isso fica mais evidente ainda — aponta Magnotta. — É o que se diz: Donald Trump pode ir ou para a Casa Branca ou para a cadeia. Ele enfrenta uma série de investigações no momento, ao mesmo tempo que já é pré-candidato, com o trumpismo mais forte do que nunca dentro do partido. É um cenário que nunca se viu antes.

Enquanto a hostilidade entre republicanos e democratas cresce, o descontentamento com o sistema eleitoral também ganha força. De acordo com o Centro de Pesquisas Pew, a parcela do público com opiniões desfavoráveis ​​dos dois partidos tradicionais é agora a maior em mais de duas décadas. Hoje, cerca de seis em cada dez americanos (61%) têm uma visão desfavorável dos republicanos, com quase o mesmo número (57%) tendo uma visão negativa do Partido Democrata.

É nessa lacuna que tentam se estabelecer como uma “terceira via” os partidos com menos força — os EUA têm uma dezena de partidos nanicos registrados, como o Verde, o da Constituição e o Libertário, além de permitir candidaturas independentes. O fim do bipartidarismo, no entanto, é praticamente impossível de acontecer sob o sistema eleitoral americano, no qual vence o candidato ao Legislativo que obtém a maioria simples dos votos em seu distrito.

— Podemos dizer que o sistema eleitoral americano está sentado no divã e precisando urgentemente discutir a sua razão de ser. Há uma série de questões de representatividade, de legitimidade. As eleições recentes não deixaram dúvidas de que uma mudança precisaria ser discutida. Mas é algo bastante difícil de executar — diz Magnotta.

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