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Por Andrew Kramer, The New York Times — Kherson, Ucrânia

Ele ficou dentro de casa para evitar as patrulhas russas, vendo filmes em seu laptop. Em dias ensolarados, andava por um pequeno pátio. Com medo de ser visto, olhava o movimento das tropas por trás das cortinas.

Esse homem é Timothy Morales, um professor americano de inglês que se escondeu das forças de ocupação e da polícia secreta russa durante oito meses na cidade de Kherson, no Sul da Ucrânia, com medo de ser considerado um alvo por sua nacionalidade. Ele só saiu em público na semana passada, depois da chegada do Exército ucraniano.

— Tive alguns momentos de desespero — disse Morales, em entrevista em uma praça na região central de Kherson, onde agora anda livremente em meio a fitas amarelas e azuis, cores nacionais da Ucrânia. — Mas sabia que, em algum momento, esse dia chegaria.

Os estrondos da artilharia lançada contra a cidade a partir de posições russas do outro lado do rio Dniéper ainda abala as janelas, e Kherson segue como uma cidade sombria e escura, sem energia, água ou aquecimento. A maior parte dos moradores saiu há meses, e os russos levaram tudo de valor que conseguiram carregar.

No amanhecer, muitos dos civis que ainda estão ali formam filas gigantescas para conseguir pão ou para encher galões com água. Só na terça-feira os primeiros comboios com ajuda humanitária chegaram ali, com caixas de farinha, sabão, lenços e itens como fórmula para fazer milkshake.

Mas para Morales, um ex-professor universitário, o pior já passou — não há mais o jogo de gato e rato com os russos. Criado em Banbury, na Inglaterra, ele viveu por anos em Oklahoma, nos EUA, lecionando literatura inglesa, e abriu uma escola de idiomas em Kherson antes da invasão, em fevereiro.

Nos primeiros dias da guerra, enquanto os tanques russos enfrentavam as poucas forças ucranianas na região, além de uma força voluntária de defesa, Morales ficou preso atrás das linhas russas.

Tentou escapar uma vez através de uma rodovia, contou, mas voltou depois de ver tanques fazendo disparos. Ele conseguiu mandar sua filha de dez anos a um local seguro, viajando com sua ex-mulher, mas não conseguiu fazer o mesmo caminho.

— Não queria arriscar com o meu passaporte — disse, referindo-se aos postos de controle russos na região.

Ele não fez nada ilegal, mas o Kremlin determinou que os EUA e seus aliados, que estão armando as forças ucranianas, são os reais inimigos na guerra, os culpando por fracassos no campo de batalha. Morales temia que as tropas russas pudessem prendê-lo apenas por ser americano.

O professor se tornou um sobrevivente — e uma testemunha furtiva — do ataque russo, de sua ocupação violenta e de seus esforços fracassados para assimilar partes da Ucrânia e eliminar qualquer tipo de oposição.

Vida reclusa

Os russos entraram em Kherson no começo de março, e pouco depois os soldados e oficiais do Serviço Federal de Segurança (FSB), a agência de inteligência que sucedeu a KGB, procuravam os membros de um movimento local de guerrilha.

A vida para Morales se resumia a dois apartamentos — o dele e de sua ex-mulher —, caminhadas cautelosas entre os dois locais, e o jardim, um espaço agradável com cerejeiras e castanheiras atrás de muros altos, longe dos olhares da rua. Por dois meses, disse, não se atreveu a sair desses espaços.

Parentes de sua ex-mulher, que é ucraniana, levavam comida, e por vezes ele parava em uma mercearia onde conhecia o balconista, uma adolescente em quem confiava por conta das visões pró-ucranianas que ela expressava. As compras eram uma exceção em sua vida geralmente enclausurada.

Houve um momento de tensão. Em setembro, entrou no pátio e viu soldados russos apontando rifles através de um portão. Ele correu para dentro, trancando a porta atrás de si. Pouco depois, uma equipe de busca apareceu. Uma vizinha gritou através da porta que ele não tinha outra opção a não ser abrir. Ele o fez, e se viu diante de um oficial da FSB.

Morales, que fala russo, mas não o suficiente para se passar por local, disse que era um irlandês chamado Timothy Joseph, que ensinava inglês na cidade e que havia perdido o passaporte. A polícia secreta foi embora, e a vizinha, uma senhora idosa, ajudou no diálogo, dizendo que não havia razões para suspeitar do homem.

— Isso mudou minha perspectiva — disse Morales. — Antes, eu era cuidadoso. Agora tinha me tornado paranoico.

As perguntas da FSB, disse, foram “o ponto alto, ou baixo” de seu calvário. Ele disse ter escapado porque os agentes “não eram as pessoas mais espertas do mundo”.

Mesmo escondido, conseguiu retomar as aulas de inglês pela internet, usando a conexão de um vizinho para falar com seus alunos na Ucrânia e outros países.

— Isso me manteve são — afirmou, mesmo sem poder ser pago pelas aulas.

Em outro momento, ficou preocupado ao ver um russo, possivelmente um administrador civil do governo de ocupação, se mudar com a família para um apartamento abandonado do outro lado da rua, aumentando o risco de ser descoberto.

Sinais positivos

Mas, ao longo do tempo, notou algo que se tornava óbvio para os moradores de Kherson: o Exército russo se desfazia. A disciplina se desmantelava, soldados estavam mais desobedientes e cada vez mais dirigiam carros roubados da população, em vez dos veículos militares.

— Com o tempo, foram ficando mais desleixados e bagunçados — afirmou.

No último mês da ocupação, notou que os soldados tinham roubado carros caros, como BMWs e Mercedes, e os levaram para longe de Kherson. Segundo Morales, essas ações “deram esperança”.

Na semana anterior à liberação, não conseguiu ver as notícias depois que a eletricidade foi cortada. Na sexta, viu um carro com uma bandeira ucraniana presa na antena.

— Sabia que os russos tinham ido embora — disse.

Morales se juntou à festa na praça central da cidade, na sexta, saudando os soldados ucranianos que entraram na cidade sem resistência, dirigindo caminhonetes e jipes. Embora esteja feliz, ele diz ter planos para sair de lá imediatamente.

— Preciso colocar algum espaço entre mim e o que aconteceu aqui — concluiu.

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