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Por Mike McIntire, The New York Times — Nova York

Nos Estados Unidos, carregar uma arma à vista de todos em público não é mais uma prática que se refere à autodefesa — cada vez mais, este é um método para elevar a própria voz e silenciar a de outra pessoa.

Neste mês, manifestantes armados apareceram do lado de fora de um centro eleitoral em Phoenix, lançando acusações infundadas de que a eleição para governador havia sido roubada da republicana Kari Lake. Em outubro, membros do grupo Proud Boys armados se juntaram a um comício em Nashville, onde parlamentares conservadores discursaram contra tratamentos médicos para menores transgêneros.

Em junho, as manifestações com pessoas armadas nos Estados Unidos chegaram a quase uma por dia. Um grupo liderado por um ex-parlamentar estadual republicano protestou contra um evento do orgulho gay em um parque em Coeur d'Alene, Idaho. Homens com armas interromperam um festival em Franklin, Tennessee, distribuindo panfletos alegando que os brancos estavam sendo substituídos nos EUA. Pessoas armadas também compareceram a manifestações de apoio ao direito às armas em Delaware e ao aborto na Geórgia.

A maioria desses incidentes acontece em locais onde os republicanos se mobilizam para expandir o direito de portar armas em público, fortalecidos por uma decisão da Suprema Corte que, em junho, derrubou restrições ao porte vigentes há mais de um século no estado de Nova York. Fazer valer a Segunda Emenda da Constituição americana, que versa sobre o direito de portar armas, recorrendo à Primeira, sobre a liberdade de expressão, tornou-se uma intimidadora forma de propaganda política.

— É decepcionante chegarmos a esse estado em nosso país — disse Kevin Thompson, diretor executivo do Museu de Ciência e História em Memphis, Tennessee, onde manifestantes armados levaram ao cancelamento de um evento LGBTQ+ em setembro. — O que eu vi foi um grupo de pessoas que não queria nenhum tipo de diálogo e só queria impor sua crença.

Uma análise do New York Times de mais de 700 manifestações armadas constatou que, em cerca de 77% delas, as pessoas que portavam armas abertamente defendiam pontos de vista de direita, como oposição aos direitos LGBTQ+ e acesso ao aborto, hostilidade a manifestações por justiça racial e apoio à mentira do ex-presidente Donald Trump sobre a eleição de 2020.

Os registros , de janeiro de 2020 até a semana passada, foram compilados pela iniciativa Armed Conflict Location & Event Data Project, uma organização sem fins lucrativos que rastreia a violência política em todo o mundo. O NYT também entrevistou testemunhas de outros incidentes de menor escala não capturados pelos dados, incluindo encontros com pessoas armadas em reuniões fechadas.

Milícias antigoverno e militantes de extrema direita, como os Proud Boys, participaram da maioria dos protestos, mostraram os dados. Houve registro de violência em mais de 100 eventos, muitas vezes envolvendo troca de socos com grupos de esquerda, como o Antifa.

O então candidato democrata ao governo do Texas Beto O'Rourke, à direita, fala com Rod Parker, um pregador revivalista com uma pistola calibre .40 na cintura em Whitesboro, Texas — Foto: Allison Smith/The New York Times
O então candidato democrata ao governo do Texas Beto O'Rourke, à direita, fala com Rod Parker, um pregador revivalista com uma pistola calibre .40 na cintura em Whitesboro, Texas — Foto: Allison Smith/The New York Times

Os políticos republicanos são geralmente mais tolerantes com apoiadores armados do que os democratas, que têm maior probabilidade de estarem do lado oposto ao das pessoas armadas, indicam os dados. Em julho, por exemplo, homens armados na cidade de Whitesboro confrontaram Beto O'Rourke, então candidato democrata ao governo do Texas, e avisaram que ele “não era bem-vindo nesta cidade”.

Funcionários ou candidatos republicanos compareceram a 32 protestos em que estavam do mesmo lado daqueles com armas. Políticos democratas foram identificados em apenas dois protestos estando do mesmo lado das pessoas armadas.

Às vezes, as autoridades republicanas carregavam armas: Robert Sutherland, um deputado do estado de Washington, usava uma pistola na cintura em um protesto contra as restrições do Covid-19 em Olympia em 2020.

— Governador, você manda homens com armas atrás de nós por irmos pescar. Veremos como vai ser uma revolução — discursou.

A aparição ocasional de civis armados em manifestações não é uma novidade nos EUA. Na década de 1960, os Panteras Negras exibiram armas em público ao protestar contra a brutalidade policial. Na década de 1990, grupos de milícias, às vezes armados, se uniram contra agentes federais envolvidos em impasses violentos em Ruby Ridge e Waco.

Mas a frequência desses incidentes explodiu em 2020, com a resistência conservadora às medidas de saúde pública para combater o coronavírus e a resposta às manifestações às vezes violentas após o assassinato de George Floyd. Hoje, em algumas partes do país com leis brandas sobre armas, não é incomum ver pessoas com revólveres ou fuzis em todos os tipos de protestos.

Por exemplo, pelo menos 14 desses incidentes ocorreram em Dallas e Phoenix desde maio, inclusive do fora de uma sede do FBI para criticar a operação de busca na casa de Trump. Em Nova York e Washington, onde as leis sobre armas são rígidas, não houve nenhum episódio de pessoas “carregando abertamente”, na expressão em inglês – embora inúmeras manifestações tenham ocorrido durante o mesmo período.

Muitos conservadores e defensores dos direitos das armas não preveem praticamente nenhum limite ao direito de porte. Quando os democratas do Colorado e do estado de Washington aprovaram leis neste ano proibindo portar armas de fogo em locais de votação e de reuniões do governo, os republicanos votaram contra as iniciativas. Essas leis eram uma exceção.

As tentativas dos democratas de impor limites em outros estados falharam, e alguma forma de porte aberto sem demandar autorização agora é legal em 38 estados, um número que provavelmente aumentará à medida que outras leis avançam em vários outros. Em Michigan, onde um grupo do Tea Party anunciou recentemente o treinamento de observadores eleitorais usando uma foto de homens armados e usando roupas camufladas, juízes rejeitaram as tentativas de proibir armas em locais de votação.

Os defensores dos direitos das armas afirmam que a proibição de armas de protestos violaria o direito de portar armas de fogo para autodefesa. Jordan Stein, porta-voz da Gun Owners of America, apontou para Kyle Rittenhouse, o adolescente absolvido no ano passado pelo assassinato de três pessoas durante uma manifestação caótica em Kenosha, Wisconsin, onde ele caminhava pelas ruas com um fuzil, alegando proteger o comércio local.

— Numa época em que os protestos muitas vezes se transformam em tumultos, as pessoas honestas precisam de um meio de se proteger — disse ele.

Membros de uma milícia em Michigan, nos EUA — Foto: Christopher Lee/The New York Times
Membros de uma milícia em Michigan, nos EUA — Foto: Christopher Lee/The New York Times

Além da autodefesa, Stein disse que a liberdade de expressão e o direito de ter uma arma são "princípios fundamentais" e que "os americanos devem ser capazes de portar armas enquanto exercem seus direitos da Primeira Emenda, seja indo à igreja ou a uma reunião pacífica."

Outros argumentam que o porte aberto de armas de fogo em reuniões públicas, principalmente quando não há razão óbvia de autodefesa, pode ter um efeito nocivo, levando a supressão de opiniões ou a funcionários públicos que desistem do trabalho por medo e frustração.

Preocupados com os manifestantes armados, as autoridades eleitorais locais no Arizona, Colorado e Oregon solicitaram proteção contra tiros para seus escritórios.

Adam Searing, advogado e professor da Universidade de Georgetown que ajuda as famílias a garantir o acesso aos cuidados de saúde, disse que viu o impacto na liberdade de expressão quando as pessoas que se opunham às restrições da Covid usaram armas para defender seu ponto de vista.

Em alguns estados, os defensores dos direitos das pessoas com deficiência tiveram medo de aparecer em tribunais para apoiar a exigência de máscaras por causa da oposição armada, disse Searing, que ensina políticas públicas na Universidade de Georgetown.

— O que foi realmente perturbador foi que as armas se tornaram uma espécie de símbolo para causas políticas — disse ele, acrescentando: — Trata-se só de pura intimidação.

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