George Santos, cuja eleição para deputado por Long Island, em Nova York, no mês passado ajudou os republicanos a conquistar uma estreita maioria na Câmara americana, construiu sua candidatura com base na noção de que ele era a "encarnação completa do sonho americano" e concorria para salvaguardar isso para os outros.
- 'Perseguição política': Comissão da Câmara aprova divulgação das declarações fiscais de Trump
- Fraude, tentativa de golpe e inação: Do que Trump é acusado pela comissão que investiga ataque ao Capitólio
Sua biografia de campanha ampliou sua jornada de contos de fadas: ele é filho de imigrantes brasileiros e o primeiro republicano abertamente gay a conquistar uma cadeira na Câmara. Por sua conta, ele saiu de uma faculdade pública da cidade de Nova York para se tornar um "financista e investidor experiente de Wall Street" com um portfólio imobiliário familiar de 13 propriedades e uma instituição de caridade de resgate de animais que salvou mais de 2.500 cães e gatos.
Contudo, uma revisão do New York Times de documentos públicos e processos judiciais dos Estados Unidos e do Brasil, bem como várias tentativas de verificar as alegações de que Santos, 34 anos, fez durante a campanha, põem em xeque partes importantes do currículo que ele vendeu para eleitores.
O Citigroup e o Goldman Sachs, as empresas de destaque de Wall Street na biografia da campanha de Santos, disseram ao jornal que não há registro de que ele tenha trabalhado lá. Funcionários do Baruch College, onde Santos disse ter se formado em 2010, não conseguiram encontrar nenhum registro de alguém com seu nome e data de nascimento finalizando o curso naquele ano.
Também havia poucas evidências de que seu grupo de resgate de animais, Friends of Pets United (Amigos de Animais de Estimação Unidos, em tradução livre), era, como afirmou Santos, uma organização isenta de impostos: o Internal Revenue Service (o serviço de receita do governo federal dos Estados Unidos) não conseguiu localizar nenhum registro de uma instituição de caridade com esse nome.
Seus formulários de divulgação financeira sugerem uma vida de alguma riqueza. Ele emprestou à sua campanha mais de US$ 700 mil (em torno de R$ 3,6 milhões) durante as eleições legislativas de novembro, doou milhares de dólares a outros candidatos nos últimos dois anos e relatou um salário de US$ 750 mil (R$ 4 milhões) e mais de US$ 1 milhão (R$ 5 milhões) em dividendos de sua empresa, a Devolder Organization.
- O inimigo em casa: Saiba quem é Ron DeSantis, o pior pesadelo de Trump para 2024
No entanto, a empresa, que não tem site público ou página no LinkedIn, é um mistério. Em um site de campanha, Santos certa vez descreveu a Devolder como a "empresa de sua família" que administrava US$ 80 milhões (cerca de R$ 416 milhões) em ativos. Em sua divulgação financeira no Congresso, ele a descreveu como uma empresa de consultoria de introdução de capital, um tipo de empresa boutique que serve como elo entre fundos de investimento e investidores com muito dinheiro. Mas as revelações de Santos não mostraram nenhum cliente, uma omissão que três especialistas em direito eleitoral disseram que poderia ser problemática se tais clientes existissem.
Embora Santos tenha descrito uma fortuna familiar no setor imobiliário, ele não divulgou, nem o jornal pôde encontrar, registros de suas propriedades.
RETROSPECTIVA: veja imagens que marcaram o mundo em 2022
"Acusações difamatórias"
A vitória de Santos por 8 pontos, em um distrito no Norte de Long Island e no Nordeste do Queens que antes favorecia os democratas, foi considerada um leve aborrecimento. Ele havia perdido decisivamente no mesmo distrito em 2020 para Tom Suozzi, então o titular democrata, e parecia estar muito ligado ao ex-presidente Donald Trump e suas posições para mudar sua sorte.
Sua aparição no início deste mês em um baile de gala em Manhattan com a presença de nacionalistas brancos e teóricos da conspiração de direita destacou seus laços com a base de Trump. Ao mesmo tempo, novas revelações descobertas pelo NYT — incluindo a omissão de informações importantes sobre as revelações financeiras pessoais de Santos e acusações criminais por fraude de cheques no Brasil — têm o potencial de criar desafios éticos e possivelmente legais quando ele assumir o cargo.
- Organização Trump: Empresa é considerada culpada em esquema de fraude fiscal
Santos não respondeu aos repetidos pedidos do jornal para que fornecesse documentos ou um currículo com datas que ajudassem a substanciar as afirmações feitas por ele durante a campanha. Ele também se recusou a ser entrevistado, e nem seu advogado nem a Big Dog Strategies, um grupo de consultoria política de orientação republicana que lida com o gerenciamento de crises, responderam a uma lista detalhada de perguntas.
O advogado, Joe Murray, disse em um breve comunicado que "não é surpresa que o congressista eleito Santos tenha inimigos no New York Times que tentam manchar seu bom nome com essas acusações difamatórias".
Caso criminal no Brasil
Santos disse que nasceu no Queens, filho de pais que emigraram do Brasil e foi criado no bairro. Seu pai, ele disse, é católico e tem raízes em Angola. Sua mãe, Fatima Devolder, era descendente de migrantes que fugiram da perseguição aos judeus na Ucrânia e da Segunda Guerra Mundial na Bélgica. Santos se descreveu como um judeu não praticante, mas também disse que é católico.
- Após derrotas nas eleições: Trump se torna alvo de ataques dentro do Partido Republicano
Registros mostram que a mãe de Santos, falecida em 2016, morou por um tempo na cidade de Niterói, onde trabalhava como enfermeira. Depois que Santos obteve um diploma de equivalência ao Ensino Médio, ele aparentemente também passou algum tempo lá.
Em 2008, quando tinha 19 anos, ele roubou o talão de cheques de um homem de quem sua mãe cuidava, de acordo com registros judiciais brasileiros descobertos pelo jornal. Registros policiais e judiciais mostram que Santos usou o talão de cheques para fazer compras fraudulentas, inclusive um par de sapatos. Dois anos depois, Santos confessou o crime e foi indiciado.
O tribunal e o promotor local no Brasil confirmaram que o caso continua sem solução. Santos não respondeu a uma intimação oficial e um representante do tribunal não conseguiu encontrá-lo em seu endereço, mostram os registros.
Vitória levanta questões
Omissões materiais ou declarações falsas sobre divulgações financeiras pessoais são consideradas crime federal sob a Lei de Declarações Falsas, que acarreta uma pena máxima de U$ 250 mil (R$ 1,3 milhão) e cinco anos de prisão. Mas a barreira para esses casos é alta, uma vez que o estatuto exige que as violações sejam "intencionais".
A Câmara dos Deputados tem diversos mecanismos internos para apuração de infrações éticas, aplicando sanções civis ou administrativas quando o faz. Esses órgãos tendem a agir amplamente em casos flagrantes, principalmente se o comportamento ocorreu antes da posse do membro.
- De inspiração a democracia sob ameaça: Aliados temem que EUA tenham perdido o rumo
As divulgações da campanha mostram que Santos viveu no luxo enquanto candidato, comprando camisetas para seus funcionários da Brooks Brothers e cobrando a campanha por refeições no restaurante dentro da Bergdorf Goodman, loja de departamentos de luxo em Nova York.
Santos também gastou uma quantia considerável de dinheiro viajando, cobrando de sua campanha cerca de US$ 40 mil (R$ 208 mil) em voos para lugares que incluíam Califórnia, Texas e Flórida. Ao todo, Santos gastou mais de US$ 17 mil (R$ 88 mil) na Flórida, principalmente em restaurantes e hotéis, incluindo pelo menos uma noite no Breakers, um hotel cinco estrelas e resort em Palm Beach, a cerca de cinco quilômetros da estrada de Mar-a-Lago, onde fica a residência de Trump.
Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY