As reivindicações pelo fechamento do Congresso, a antecipação das eleições e a renúncia da presidente Dina Boluarte se estendem no Peru, onde os protestos chegaram na quinta-feira à capital, Lima, pela primeira vez desde o início do ano e também afetam as zonas andinas como a turística cidade de Cusco e o trem que leva a Machu Picchu.
Os protestos, que começaram após a destituição do esquerdista Pedro Castillo ao tentar um autogolpe com dissolução do Congresso em 7 de dezembro, levaram a confrontos sangrentos com um total de 49 mortos em pouco mais de um mês e devem causar um impacto negativo na previsão de crescimento da economia peruana em 2022.
Nesta sexta-feira, o Peru é palco do décimo dia consecutivo de manifestações, com novas marchas em Tacna, a 1.224 km a sudeste de Lima, na fronteira com o Chile, país vizinho que teve de fechar temporariamente o acesso a seu território na quinta-feira "devido a manifestações perto do complexo fronteiriço de Santa Rosa", informaram as autoridades chilenas antes da normalização do trânsito.
"Feche o Congresso Já. Nova Constituição" e "Dina assassina, renuncia inimiga!" são palavras de ordem nos cartazes que se veem nas marchas e bloqueios em várias regiões do Sul do país, historicamente marginalizado, e que na quinta-feira tomaram o centro de Lima, onde se registraram alguns incidentes com as forças de segurança.
"Nem mais uma morte, abaixo a ditadura cívico-militar, racista e classista", dizia o slogan nas redes sociais para a marcha pacífica, que ocorreu após convocação de um conglomerado de grupos sociais, sindicatos e partidos de esquerda.
— Marchamos pelos assassinatos, pelo massacre na região de Puno de nosso irmãos camponeses. Pedimos a renúncia de Dina Boluarte porque é um governo usurpador — disse à AFP Rosario Abanto, de 59 anos.
Abanto se referia à região aimará de Puno, na fronteira com a Bolívia, epicentro dos protestos onde milhares de manifestantes a favor de Castillo entraram em confronto com agentes de segurança do Estado na noite de segunda-feira durante uma tentativa de invasão ao Aeroporto Internacional Inca Manco Cápac em Juliaca.
Segundo a Ouvidoria, 14 pessoas morreram no local, incluindo jovens de até 23 anos e um adolescente de 17. Outros três morreram durante um saque a um shopping center na mesma região.
![Manifestante segura um cartaz pedindo o fim do "Congresso golpista" no Peru, durante manifestação na capital, Lima — Foto: Ernesto Benavides / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/g69Nlgfv9TDfj4tIlpRYKbtsAq8=/0x0:1002x668/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/m/u/Me4dJKRC68TZ0YYuRM0g/101737946-a-person-holds-a-signal-during-a-protest-against-the-government-of-peruvian-president.jpg)
De acordo com o último balanço divulgado pela Defensoria Pública do Peru, os protestos, que entraram em sua segunda semana consecutiva após a trégua durante as festividades de fim de ano, já contabilizam 49 mortes desde o último mês.
Entre as vítimas estão 41 manifestantes, 7 civis que morreram em decorrência de acidentes de trânsitos causados pelos bloqueios de vias e 1 policial, que foi encontrado incinerado dentro de sua própria viatura após ser atacado com socos e pontapés por manifestantes, que atearam fogo no carro. O número total de feridos, segundo o Ministério da Saúde peruano, é de 668 pessoas.
Durante a marcha na capital, o ministro do Trabalho, Eduardo García Birimisa, anunciou sua renúncia ao posto no Twitter, afirmando que a situação atual não pode se estender até abril de 2024, quando foram sugeridas as novas eleições, originalmente previstas para 2026. Na carta divulgada em seu perfil, Birimisa fez um apelo à Boluarte, pedindo que o governo peça desculpas e reconheça os erros na resposta das forças de segurança aos protestos antigovernamentais.
Além da renúncia de Boluarte, da antecipação das eleições, e do fechamento do Congresso, os protestos exigem a convocação de uma Constituinte para substituir a Carta Magna de 1993, promovida pelo então presidente Alberto Fujimori, que estabelece a economia de mercado como o eixo do desenvolvimento socioeconômico.
Na terça-feira, a promotoria peruana informou que investigará Boluarte pelos supostos crimes de "genocídio, homicídio qualificado e ferimentos graves" durante manifestações antigovernamentais nas regiões andinas de Apurímac, La Libertad, Puno, Junín, Arequipa e Ayacucho.
Impacto econômico
A crise no Peru também incide sobre a economia do país. A Organização Regional dos Povos Indígenas do Oriente (Orpio) anunciou o fechamento das atividades de extração de petróleo da região de Loreto, na região de selva ao nordeste do Peru. Ao mesmo tempo, a mineradora Antapaccay, em Cusco, no Sul, anunciou a paralisação parcial das atividades e a retirada de 2,4 mil trabalhadores para salvaguardar sua integridade depois que manifestantes entraram em suas instalações.
Em suas projeções mais recentes, a Câmara de Comércio de Lima (CCL) estimou que os protestos iniciados em 7 de dezembro devem causar um impacto negativo de 0,2 ponto percentual no crescimento da economia peruana em 2022.
Como o epicentro das manifestações se localiza no Sul do país, uma área que concentra boa parte do setor de mineração e do agronegócio peruanos, a continuidade dos protestos pode causar perdas econômicas ainda maiores em 2023, segundo a CCL.
Contudo, até agora, as regiões do Norte do Peru, onde estão grande parte das indústrias que são pilares da economia peruana, exploração mineira e agroexportação, não registram manifestações.
'Golpe contra Lima'
A mobilização na capital faz parte de um "golpe que querem realizar contra Lima nos próximos dias", havia dito na segunda-feira o chefe de Gabinete, Alberto Otárola. Segundo Otárola, os protestos "estão sendo financiados com dinheiro obscuro do narcotráfico", supostamente provenientes dos vales cocaleiros do Sul andino.
Otárola, que obteve na terça-feira um voto de confiança para sua posse no Congresso dominado pela direita, retratou uma hipotética situação de guerra, lembrando que as forças de ordem defenderão Lima. Ele culpou Castillo de ser "quem inflama as pessoas e coordena essas mobilizações em busca de impunidade".
Castillo foi destituído pelo Congresso e detido após um fracassado autogolpe, ao tentar dissolver o Parlamento, intervir na Justiça e governar por decreto. A vice-presidente Boluarte, de 60 anos, assumiu a Presidência em seu lugar. Castillo, que era investigado por corrupção, cumpre 18 meses de prisão preventiva ordenados por um juiz sob acusações de rebelião.
Tensão no Peru: protestos contra e a favor de Pedro Castillo tomaram as ruas de Lima, em novembro; veja fotos
![Manifestante é ferida durante protesto contra governo do presidente peruano Pedro Castillo, em Lima, em 20 de novembro de 2022. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/sd0mGbwcW79PK3oELGzf_Oum8d0=/0x0:8256x5504/648x248/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/b/e/OnGaJaRli6yfA1NthgBg/101251805-topshot-opposers-of-the-government-of-peruvian-president-pedro-castillo-hold-a-demonstra.jpg)
![Manifestante é ferida durante protesto contra governo do presidente peruano Pedro Castillo, em Lima, em 20 de novembro de 2022. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/EhHK_kAHXKExiKyFleL6vbMrahM=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/b/e/OnGaJaRli6yfA1NthgBg/101251805-topshot-opposers-of-the-government-of-peruvian-president-pedro-castillo-hold-a-demonstra.jpg)
Manifestante é ferida durante protesto contra governo do presidente peruano Pedro Castillo, em Lima, em 20 de novembro de 2022. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP
![Policiais tentam conter opositores do presidente peruano Pedro Castillo durante manifestação para exigir sua renúncia, em Lima, em novembro. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/msmqflSVVJxcYYZK7OBmS4Sf2Es=/0x0:7671x5114/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/X/y/Nu5WUkRcmOVLdv2HWdgA/101249005-opposers-of-the-government-of-peruvian-president-pedro-castillo-hold-a-demonstration-to-de.jpg)
![Policiais tentam conter opositores do presidente peruano Pedro Castillo durante manifestação para exigir sua renúncia, em Lima, em novembro. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/ES9hW3_K3T0KU_gcX54H_MXMdrk=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/X/y/Nu5WUkRcmOVLdv2HWdgA/101249005-opposers-of-the-government-of-peruvian-president-pedro-castillo-hold-a-demonstration-to-de.jpg)
Policiais tentam conter opositores do presidente peruano Pedro Castillo durante manifestação para exigir sua renúncia, em Lima, em novembro. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP
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![Tensão política e denúncias de corrupção envolvendo o presidente levaram manifestantes às ruas de Lima em novembro. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/-L06Sjvp0VCNJIUFjJ5JrB3Xwz8=/0x0:6784x4523/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/t/M/3aAE9vQKCuCAdoRTzFnA/101248995-opposers-of-the-government-of-peruvian-president-pedro-castillo-hold-a-demonstration-to-de-1-.jpg)
![Tensão política e denúncias de corrupção envolvendo o presidente levaram manifestantes às ruas de Lima em novembro. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/gkmla9iIl9rNB5DarGO2aS2_peE=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/t/M/3aAE9vQKCuCAdoRTzFnA/101248995-opposers-of-the-government-of-peruvian-president-pedro-castillo-hold-a-demonstration-to-de-1-.jpg)
Tensão política e denúncias de corrupção envolvendo o presidente levaram manifestantes às ruas de Lima em novembro. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP
![Manifestação contra o governo de Pedro Castillo nas ruas de Lima, no Peru. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/blTt9jkPf1E0j0trmZtRvJnNnYo=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/8/A/arBm9bT4GU0crGRWlSZg/101248999-opposers-of-the-government-of-peruvian-president-pedro-castillo-hold-a-demonstration-to-de.jpg)
Manifestação contra o governo de Pedro Castillo nas ruas de Lima, no Peru. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP
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![Manifestantes pedem renúncia de Castillo, em 20 de novembro de 2022. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/H-hTt7O9I_iCSuuMFXA8hJqyl6I=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/X/g/FnHl2oS36f6CWzt6miVA/101249001-opposers-of-the-government-of-peruvian-president-pedro-castillo-hold-a-demonstration-to-de.jpg)
Manifestantes pedem renúncia de Castillo, em 20 de novembro de 2022. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP
![Manifestantes pedem a renúncia de Castillo, em Lima, em 20 de novembro de 2022. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/iG6eygfLoTuQYc25du7KGwd8iHc=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/r/a/PeyngLS5CXcttd5BKkNA/101248993-opposers-of-the-government-of-peruvian-president-pedro-castillo-hold-a-demonstration-to-de.jpg)
Manifestantes pedem a renúncia de Castillo, em Lima, em 20 de novembro de 2022. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP
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![Apoiadores do presidente do Peru, Pedro Castillo, entram em confronto com a polícia durante protesto em Lima — Foto: Ernesto Benavides / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/rOAtzAdZwPfSj_WYSiv-N_ZaGgA=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/O/U/Ho8PnWTNqxiOYkBGsB4g/101147334-topshot-supporters-of-perus-president-pedro-castillo-clash-with-riot-police-during-a-de.jpg)
Apoiadores do presidente do Peru, Pedro Castillo, entram em confronto com a polícia durante protesto em Lima — Foto: Ernesto Benavides / AFP
![Apoiadores do presidente peruano Pedro Castillo entram em confronto com a tropa de choque durante uma manifestação em Lima — Foto: ERNESTO BENAVIDES/AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/WOnHpU0IvJPNfoJeprETAB__3Go=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/F/g/zcBB0XTkSsCG8yOjHJtg/101147306-topshot-supporters-of-perus-president-pedro-castillo-clash-with-riot-police-during-a-de.jpg)
Apoiadores do presidente peruano Pedro Castillo entram em confronto com a tropa de choque durante uma manifestação em Lima — Foto: ERNESTO BENAVIDES/AFP
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![Castillo fala a apoiadores após deixar o Ministério Público por caso de obstrução à justiça — Foto: ERNESTO BENAVIDES/AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/f5yXF1l-lvEFk5sFf-IX1qUNAms=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/d/T/flPKKNTneZoWSthUWh6Q/100381426-a-supporter-impersonating-perus-president-pedro-catillo-protest-in-front-of-the-prosecuto.jpg)
Castillo fala a apoiadores após deixar o Ministério Público por caso de obstrução à justiça — Foto: ERNESTO BENAVIDES/AFP
![Apoiadores do presidente peruano, Pedro Castillo, realizam uma manifestação em frente à sede do Congresso, em Lima, em 1º de dezembro — Foto: Cris BOURONCLE / AFP](https://s2-oglobo.glbimg.com/LwhQJm5abov4X4tv1SrjRzBt5aY=/1600x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/D/5/PeA6BnT4OXWq7ooObbSQ/101385983-supporters-of-peruvian-president-pedro-castillo-hold-a-demonstration-in-front-of-the-congr.jpg)
Apoiadores do presidente peruano, Pedro Castillo, realizam uma manifestação em frente à sede do Congresso, em Lima, em 1º de dezembro — Foto: Cris BOURONCLE / AFP
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Cusco, turismo e protestos
Em Cusco, uma das mecas do turismo mundial e ponto de partida para chegar à cidadela de Machu Picchu, um hotel foi atacado com pedras por vândalos durante uma marcha pelas ruas da cidade na noite de quarta-feira, com manifestantes furiosos após a morte de um líder camponês durante um confronto com a polícia.
Moradores queimaram uma cabine no terminal regional de transporte terrestre, atacaram estabelecimentos comerciais e colocaram pedras na linha férrea. Segundo a polícia, 11 pessoas foram presas, incluindo um cidadão colombiano. O governo fechou temporariamente o aeroporto internacional de Cusco, ante o risco de que ele seja tomado à força, apesar da presença de um contingente policial e militar.
O balanço trágico da violência no país motivou um apelo dos Estados Unidos por "moderação" a todas as partes, enquanto uma missão de observação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) está no Peru para avaliar a situação. As Nações Unidas também pediram que o governo respeite os direitos humanos e evite o uso desproporcional da força para reprimir os protestos.