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Por Daniel Verdú, El País — Roma

Nos últimos sete séculos, a morte de cada Papa gerou um processo político de consequências enormes. Após os ritos fúnebres e declarado o vácuo de poder, o Colégio dos Cardeais se enclausurava na Capela Sistina até que o Espírito Santo sinalizasse a hora de adicionar clorato de potássio, lactose e colofônia ao braseiro onde vão os votos em papel dos cardeais: incinerados juntos com as substâncias, produzem a fumaça branca que anuncia Habemus Papam — ou seja, que a Igreja tem um novo líder.

Desta vez, nada disso acontecerá, já que Bento XVI, que morreu no sábado aos 95 anos, era Papa emérito desde que renunciou em 2013. Sua morte, contudo, terá consequências políticas, legais e biográficas para a reta final de seu sucessor, o Papa Francisco, hoje um ano mais velho do que Joseph Ratzinger era quando abriu mão do trono de São Pedro.

O precedente aberto por Bento XVI pavimenta o caminho para que o religioso argentino faça o mesmo, algo que Francisco já disse não descartar se considerar não ter mais condições de comandar a Igreja — admitiu inclusive ter há anos uma carta de demissão assinada para ser usada caso isso ocorra. A oposição ao Papa em exercício, contudo, não é segredo nenhum, e ela já pressiona e se organiza para o próximo conclave.

Francisco sempre deixou claro que não viu com maus olhos a renúncia de seu antecessor e que a partir dela seria impossível para um Papa que pressentisse o declínio de suas forças não cogitar a possibilidade. Mas também deu a entender que um cenário com dois Papas eméritos seria demais e que, em hipótese alguma, abriria mão do cargo enquanto seu predecessor estivesse vivo. Agora, contudo, isso não é mais uma questão.

Quem conhece bem Francisco crê que sua autoridade será reforçada sem a coexistência papal e que não há uma renúncia à vista:

— Acho que o papado de Francisco começará novamente na quinta-feira [data do sepultamento de Ratzinger] — disse Alberto Meloni, historiador da Igreja. — Até hoje Bento XVI tem sido uma referência, mas também um freio e uma forma de contenção, principalmente entre os círculos mais conservadores que tentam utilizá-lo.

Os religiosos ultraconservadores travaram nos últimos anos uma batalha impiedosa contra o Papa argentino e suas reformas, chegando a pedir sua renúncia por meio do arcebispo Carlo Maria Viganò. Bento, contudo, funcionava também como um escudo. Agora, Francisco precisará lidar com essas situações, principalmente procedentes da Igreja e do mundo conservador dos Estados Unidos, que chegaram inclusive a proclamar um vazio de poder.

— A oposição que Francisco tem dentro da Igreja não deve ser menosprezada. Todos os Papas enfrentam oposição, até certo ponto é normal. O problema é que agora os resistentes apontarão diretamente para sua renúncia e para um conclave que mude os rumos da Santa Sé — disse Meloni.

O historiador lembra que Bento deixou o comando do Vaticano pensando que sua linha conservadora seria seguida: seu candidato favorito era o cardeal Angelo Scola, mas as coisas não saíram bem como o planejado. Se a pressão por uma renúncia crescer e ganhar fôlego, será um problema para Francisco, disse Meloni:

— A única condição para a renúncia é que seja livre. Assim, quanto mais pressão houver, mais impensável será o passo para o lado. O Papa não pode se render à vontade dos outros — disse o historiador.

Francisco, de 86 anos, tem alguns sérios problemas de mobilidade que o impedem de realizar algumas viagens e participar de determinados eventos. Hoje usa cadeira de rodas em algumas ocasiões e usa bengala em outras. Um Papa frágil não é a melhor simbologia de poder, mas apesar dos boatos de que estaria pensando em passar à frente o cargo, disse recentemente em uma entrevista ao jornal espanhol ABC que "a Igreja não se governa com o joelho, mas com a cabeça".

Uma das pessoas que melhor o conhece e que mais estudou seu pontificado é seu biógrafo, Austen Ivereigh. Ele não tem dúvida de que a "morte de Bento abre caminho para a renúncia [de Francisco] quando o momento chegar":

— Parecia inconcebível que o fizesse com seu antecessor vivo. Ao mesmo tempo, contudo, creio que é um pontificado que ainda tem um longo caminho para percorrer, e vejo Francisco melhor que no ano passado em termos de saúde e energia — disse o biógrafo por telefone.

Reforma do Papado emérito

A questão agora, contudo, é como responder a uma situação como uma renúncia papal — a última antes de Bento XVI havia sido Gregório XII, em 1415 —, algo que gerou muita confusão e disputas de bastidores. Para Ivereigh, esta seria a chave:

— A questão interessante é o tema da reforma da instituição do papado emérito, que tem apenas 10 anos. Está claro que Francisco a reformaria, mas veremos de que maneira. É indubitável que agora há mais liberdade para fazê-lo, e haverá uma reflexão necessária sobre a experiência da última década — afirmou o biógrafo. — Ele mesmo disse que, se não for abordada, há o risco de criar uma autoridade paralela com a figura do emérito. Bento sempre foi muito leal, mas é inquestionável que alguns opositores o usaram de forma escandalosa para prejudicar o Papa.

Francisco tem dado algumas pistas de sua hipotética renúncia nos últimos tempos. Entre outras coisas, sinalizou que, se for o caso, optaria apenas por usar o título de bispo emérito de Roma, passaria a se vestir de preto e viveria fora do Vaticano, provavelmente na Basílica de San Juan de Letrán — em todos os pontos, faria diferente de seu antecessor, que optou por manter o titulo de Papa, vestir-se de branco e morar no perímetro da Santa Sé.

Os indicativos do argentino são um sinal evidente de sua crença sobre possíveis interferências que poderiam ser causadas pela má regulação de um Pontificado emérito. Para Massimo Faggioli, teólogo e professor da Universidade de Villanova, nos EUA, este será um aspecto fundamental agora:

— O verdadeiro problema caso Francisco decida renunciar será de que forma o fará. Não o vejo enclausurado em um mosteiro como Bento XVI. É um homem diferente. Agora, o interessante agora não é se renunciará ou quando, mas como o faria. Esta seria a grande mudança, se ela acontecer.

O pontificado de Francisco, ou ao menos sua agenda, não terminou. Ainda falta completar grandes reformas, como a implementação da nova Constituição apostólica. E o Papa também deve lidar com assuntos ideológicos de natureza oposta: além de seus críticos ultraconservadores, precisará também enfrentar a decepção da Igreja alemã com o que considera ser reformas fracassadas, frente ao desejo de avançar mais rápido em questões fundamentais para abrir a instituição milenar à sociedade.

De fato, os alemães começaram um processo sinodal paralelo em que debatem de forma aberta e em profundidade a ordenação mulheres, de abençoar casais homossexuais e a necessidade do celibato.

O Papa deseja que a Igreja pense de forma unida sobre si mesma naquilo que chama de caminho sinodal, mas as correntes da instituição agora parecem demasiadamente distantes. A reta final de seu Pontificado, agora sem a sombra de Ratzinger do alto do mosteiro Mater Ecclesiae, deve se ocupar dessa questão.

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