Mundo
PUBLICIDADE

Por Ana Rosa Alves

Uma monarquia pressupõe que há quem nasça predestinado ao poder, algo tão exógeno à modernidade que parece restrito à ficção. Isso explica em parte porque a família real britânica desperta tanta curiosidade: há um quê de inveja, ira e schadenfreude, palavra inventada pelos alemães para tratar do prazer de testemunhar a desgraça alheia. E a recepção à autobiografia do príncipe Harry, “O que sobra”, lançada nesta terça-feira pela editora Objetiva, é o exemplo (e alvo) mais recente de tal obsessão.

Há pouco nas mais de 500 páginas do livro que era inédito até agora. Detalhes de sua oposição ao casamento do pai com a hoje rainha consorte Camilla — a quem o enteado se refere inicialmente como “a Outra”— à forma como perdeu a virgindade já haviam sido noticiados. Culpa da eficácia da imprensa e do livro ter ido à venda antes da hora na Espanha. Mas também do próprio Harry.

O filho mais novo do rei Charles III e da princesa Diana trava uma guerra com seus parentes há três anos, após anunciar que ele e sua mulher, Meghan Markle, abandonariam suas funções reais. E desde que o casal deu a bombástica entrevista à apresentadora americana Oprah Winfrey em março de 2021, acusando a família real de racismo, houve pouca trégua.

A autobiografia, junto com a docussérie Harry & Meghan, produzida pelo casal e lançada em dezembro pela Netflix, foram a pá de cal em qualquer perspectiva de reconciliação. Ao dizer que o rei do Reino Unido “não foi feito para a paternidade solo” e acusar seus parentes de plantarem histórias um contra os outros na imprensa, um retorno parece quase impossível.

O príncipe escreve quase sempre em ordem cronológica, exceto em seu prólogo: narra uma reunião que teve com seu pai e irmão em 2021, após a morte de seu avô, o príncipe Philip. O encontro terminou em bate-boca fraternal sobre os motivos de Harry para trocar o Reino Unido pela Califórnia. A partir daí, decidiu escrever um livro para contar suas razões ao mundo. Mas o caminho que decidiu seguir é parte do problema.

Às sombras de William

O príncipe refere-se a si mesmo como o “reserva” — alguém posto no mundo como um estepe, caso algo grave acontecesse com o herdeiro. Entender-se no mundo às margens de alguém não é uma tarefa fácil, mas é preciso esforço para sentir pena de quem nasceu em berço de uma realeza cujos bilhões de libras vieram às custas de séculos de exploração.

Entre todos os parentes, Harry reserva as palavras mais gentis para a mãe, a princesa Diana, morta em um acidente de carro em Paris em 1997. A batida no túnel e suas repercussões na vida que aquele menino de 12 anos viria a ter são onipresentes em todas as três partes da obra: a primeira é dedicada aos anos formativos, a segunda aos anos no Exército e a terceira, a vida com Meghan.

Não sem razão, culpa o assédio constante dos tabloides britânicos pela morte de sua mãe. Deixa claro seu desgosto pela vida sob os holofotes e diz que não quer ver a História se repetir com si mesmo e com sua mulher.

Príncipe Harry e Meghan Markle se afastam da família real britânica

Príncipe Harry e Meghan Markle se afastam da família real britânica

O paradoxal, no entanto, é que o casal foi alavancado a um novo nível de notoriedade após romper com a Coroa. E se diziam ter planos de levar vidas normais nos EUA, a longa promoção da docussérie e da autobiografia, com uma enxurrada de entrevistas, dá a impressão contrária. Harry é hoje mais famoso do que nunca.

É um prato cheio para os tabloides pelos quais destilou tanto ódio: basta uma visita às páginas principais do Daily Mail ou do The Sun para ver que o tiro saiu pela culatra. Internacionalmente, a repercussão também não é das melhores.

Se até as melhores novelas causam fadiga quando se prolongam por muito tempo, o mesmo vale para ele. E o príncipe não se ajuda com algumas declarações que beiram a implicância , mirando quase sempre em seu irmão e sua cunhada.

Em um dado momento, Harry refere-se à “calvície alarmante” de William, “mais avançada do que a minha”. Em outro, dispara contra Kate após ela hesitar em emprestar um gloss labial para Meghan. Narra que seu pai fazia exercícios para coluna de cabeça para baixo vestindo apenas uma cueca samba-canção.

No campo de batalha

“O que sobra” passa distante de ser um livro contido. Harry fala das brigas físicas homéricas que tinha com seus amigos e da importância da terapia — da qual William se recusa a participar — em sua vida adulta. Conta que teve uma queimadura de frio no pênis às vésperas do casamento de seu irmão.

Uma das revelações que mais repercute é que matou 25 soldados do Talibã quando servia no Exército, descrevendo-os como “peças de xadrez removidas do tabuleiro”, eliminadas “antes que pudessem matar pessoas boas”.

Harry serviu duas vezes no país da Ásia Central durante a ocupação de 20 anos da Otan, a aliança militar encabeçada pelos EUA. Os talibãs, que voltaram ao poder em 2021, às vésperas do fim da invasão, disseram que “não irão esquecer”.

O objetivo de contar seus motivos para o pai, o irmão e o mundo, contudo, parece ter sido cumprido por Harry. Segundo a editora Transworld Penguin Random House, nenhum outro livro de não ficção vendeu tanto em sua estreia quanto a autobiografia de Harry. Só no primeiro dia, foram 400 mil cópias em livro, e-book e formatos de áudio. Amado ou odiado, Harry continua popular. E os dramas da família real continuam a cativar o mundo.

Mais recente Próxima

Inscreva-se na Newsletter: Guga Chacra, de Beirute a NY

Mais do Globo

Segundo as normas da Anvisa, produtos dessa categorias não podem ser injetados por não haver estudos de segurança ou eficácia

PDRN, lipolíticos, exossomas: cresce uso indevido de cosméticos injetáveis no Brasil; especialistas alertam para os riscos

O valor da multa foi contestado, no entanto, será contestado judicialmente pelos autores da ação

MP ganha ação movida contra prédio que faz sombra na Praia de São Conrado

Pesquisadora da Harvard Medical School identificou que a vitamina B é a mais indicada para melhorar a memória e a concentração.

Vitaminas podem melhorar a memória? Qual suplemento pode te ajudar segundo estudo de Harvard

Com um número de deslocados à força crescendo a cada ano, mais de 7 milhões de menores sofrem com evasão escolar; entre ucranianos que fugiram da guerra, patamar chega a 600 mil

Metade das crianças refugiadas ao redor do mundo está fora da escola, aponta estudo da ONU

Apoiadores do ex-presidente planejam manifestação no berço político do dirigente do Senado

Impeachment de Alexandre de Moraes: a próxima aposta de aliados de Bolsonaro para pressionar Pacheco

Revisão de gastos está lenta e pode trazer desafios a cumprir a meta fiscal zero no ano que vem

Contas públicas: andamento de ‘pente-fino’ em benefícios neste ano indica dificuldades para 2025

Matriz de testes de avaliação do ensino é a mesma desde 1995, mas o mundo mudou e demanda habilidades mais sofisticadas

Sanrio, dona da icônica gatinha, vê salto no número de visitantes de seus parques temáticos, que ficam em locais fechados com ar-condicionado

Ações da Hello Kitty disparam 86% em meio à onda de calor em Tóquio