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Por O Globo e agências internacionais — Londres e Roma

O Reino Unido apreentou na terça-feira uma proposta de política migratória que, se aprovada, será uma das mais draconianas do planeta: permitirá a expulsão de praticamente todos os imigrantes que chegarem ao país por rotas irregulares. O anúncio britânico não é isolado, em um contexto de acirramento das medidas anti-imigração na Europa, mas ainda assim vai além inclusive do pautado até agora por gestões de extrema direita, como a da italiana Giorgia Meloni.

O projeto de Sunak, que chegou ao poder em setembro passado, veta o reingresso legal dos imigrantes ao país, obtenção de abrigo ou cidadania britânica. A iniciativa só é possível, em parte, devido ao divórcio da União Europeia, concluído em 2021: com o Brexit, Londres não fica circunscrita às regras comunitárias, uma das demandas no referendo em que seus cidadãos votaram pela ruptura, em 2016.

O Reino Unido continua, contudo, a fazer parte da Corte Europeia de Direitos Humanos, que por si só pode ser um obstáculo para a legislação nova. A própria secretária do Interior, Suella Braverman, admite haver cerca de 50% de chance de a medida violar as convenções comunitárias. Não à toa, a iniciativa foi comparada com políticas da Alemanha nazista.

A lei britânica é dura, mas não é um ponto fora da curva no continente europeu. Em uma cúpula no mês passado, os 27 Estados-membros do bloco concordaram com um leque de novas políticas para limitar a imigração irregular, que em 2022 cresceu 64% após dois anos de restrições de viagem devido à Covid. No mesmo período, o número de pedidos de asilo cresceu 50%.

Segundo a agência europeia responsável pelo controle na região fronteiriça, a Frontex, foram 330 mil cruzamentos para o bloco no ano passado, o maior número desde 2016. A quantia não leva em conta os ucranianos, beneficiados por medidas excepcionais frente à guerra. Só na última década, estima-se que 26 mil pessoas tenham morrido tentando atravessar o Mediterrâneo em botes e barcos mambembes.

Ascensão de Meloni

Em 26 de fevereiro, mais de 70 pessoas morreram e várias outras continuam desaparecidas após o naufrágio de um barco de imigrantes a metros da costa Sul italiana, vindo da Turquia. O velho barco de pesca carregava ao redor de 200 pessoas, principalmente afegãos, paquistaneses, iranianos e sírios.

É uma rota mais longa e perigosa que os cruzamentos pela Grécia ou por Chipre, caminhos onde as embarcações cada vez mais frequentemente são forçados a retornar a seu ponto de partida, em violações da lei internacional. Frente à falta de consenso europeu para fazer frente ao problema, nações como a Itália lançam mão de recursos próprios.

Os italianos têm um dos governos mais conservadores da Europa: Meloni, expoente da extrema direita continental, comanda uma aliança tripartite de direitas desde outubro. Seu governo é questionado por não ter agido para impedir o desastre do mês passado, rechaçando as acusações de que poderia ter ajudado a resgatar os imigrantes. Manchetes em jornais como o tradicional La Repubblica estampavam frases como "ninguém queria salvá-los".

A Itália tem uma política que limita severamente o trabalho de navios de ONGs que fazem trabalhos de resgate, e semanas antes do naufrágio apreendeu uma embarcação do tipo operada pelos Médicos Sem Fronteira. Meloni foi eleita prometendo medidas mais duras contra a imigração, afirmando que países costeiros como o seu, os mais afetados pela crise migratória já que a maioria dos imigrantes vêm pelo Mediterrâneo, "não podem lidar com a situação sozinhos".

Ela ainda não apresentou um projeto tão contundente como o de Sunak, um conservador menos extremo nas pautas sociais, algo que talvez se deva às amarras que a UE impõe a Londres. Além de colaboração comunitária e políticas mais restritivas, demanda com frequência maior atenção para tema na esfera europeia, onde não há consenso sobre o assunto.

Muros na Europa?

Outra tecla na qual Meloni insiste é que Bruxelas assuma maior liderança no debate. Em uma cúpula no mês passado, os países concordam apenas com termos vagos: determinaram que medidas mais duras são necessárias e concordando com a mobilização de "fundos substanciais" para reforçar o controle fronteiriço nas nações mais afetadas.

A imigração irregular é uma questão que divide a UE desde a crise migratória de 2015, quando mais de 1,3 milhão de pessoas entraram irregularmente na Europa, vindas principalmente da Síria, do Iraque, do Afeganistão e de países do Norte africano. O fluxo juntou-se a fatores como os ecos da crise econômica do fim da década anterior, a xenofobia e o compartilhamento de notícias falsas, sendo causa e consequência dos movimentos populistas que ganharam fôlego nos anos seguintes.

Foi força motriz do Brexit e da ascensão de movimentos de extrema direita pelo continente com seus discursos nacionalistas. Foi chave também para explicar a vitória do então antissistema Movimento Cinco Estrelas nas eleições italianas de 2017 e a ascensão da Liga, de Matteo Salvini, de extrema direita. Quando ministro do Interior entre 2018 e 2019, Salvini ordenou que os barcos das ONGs fosse para as docas e barrou sua atracagem, algo que culminou em acusações de sequestro contra si.

Um pacto continental de migração proposto pela Comissão Europeia em 2020 para ser um marco comum está empacado frente às divergências. Os países do Sul, que recebem o maior número de refugiados em suas costas, demandam maior solidariedade e cooperação do Norte e do Leste, que apostam em posições mais restritivas. De 8 mil ofertas voluntárias para realocar imigrantes assinadas por 21 Estados europeus, só 3% tornaram-se realidade até agora.

O debate mais recente diz respeito a barreiras físicas: países como Eslováquia, Hungria, Polônia e República Tcheca defendem fundos para a construção de muros e valas que marquem áreas como a fronteira da Bulgária com a Turquia. Creem que os estrangeiros são uma ameaça à cultura, à economia e ao estilo de vida que consideram europeu.

O impacto de um muro provavelmente seria simbólico, já que quase sempre que uma rota migratória é fechada, surge uma nova. Não houve acordo sobre o assunto, frente ao baixo custo-benefício do projeto e seu impacto imagético para um grupo que tem a salvaguarda dos direitos humanos como um dos pilares de sua retórica e do seu soft-power.

Não à toa, os defensores do muro são alguns dos mesmos Estados que barraram os planos de distribuição mais igualitária dos solicitantes de asilo, com cotas de acolhimento para os países do bloco. A UE, ainda assim, concordou em fevereiro com dois projetos pilotos para reforçar o monitoramento das fronteiras na Bulgária e da Romênia.

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