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Por Valéria Maniero, Especial Para O GLOBO

Carolina Larriera foi do Brasil a Genebra exclusivamente para participar da abertura do Festival Internacional de Cinema e Fórum sobre Direitos Humanos (FIFDH) na sexta-feira. O evento neste ano homenageou o brasileiro Sergio Vieira de Mello, que chegou ao posto de alto comissário das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos. Mais que relembrar o trágico atentado que sobreviveu em Bagdá há 20 anos — mas que levou seu marido e outras 21 pessoas—, a economista argentina e ex-diplomata da ONU se envolveu ainda mais na luta pelos direitos humanos. Após participar do Hauser Center da Harvard University e da Carr Center of Human Rights na Harvard Kennedy School, hoje é codiretora do instituto que leva o nome do marido, visando a diminuição do sofrimento humano em qualquer parte do planeta.

Apesar de temer o cenário atual de guerras e desrespeito aos direitos humanos em todos os continentes, ela acredita em avanços. “Se a gente olhar as últimas quatro décadas até agora, é claro que houve avanços significativos, de qualidade. Se olhamos com essa visão mais longa, nem tudo é tão sombrio”, afirmou, após a homenagem a Vieira de Mello, que contou com a participação de Volker Türk, alto comissário da ONU para os Direitos Humanos.

Türk lembrou que há um busto para o brasileiro — que completaria 75 anos em 2023 — na sede da ONU e falou do tempo em que trabalharam juntos. “Sempre é importante lembrar do que ele fez pelos temas dos refugiados e dos direitos humanos”, disse Türk, antes da apresentação da soprano americana Barbara Hendricks, embaixadora honorária do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).

Como é ver uma homenagem como essa para Sergio Vieira de Mello?

Diante da nova guerra [na Ucrânia], eu fico desapontada que não tenhamos aprendido nada com o passado e acho que homenagens como esta servem para lembrar um homem e uma época em que tudo parecia possível. É importante acreditar que existe um caminho. E é difícil quando a gente perde a ilusão. Em sua mesa de cabeceira, Sergio tinha um livro chamado “In Retrospect”, em que Robert McNamara fala sobre o “fog of war”, a fumaça de guerra, o momento em que os políticos perdem a perspectiva do porquê da guerra e não olham mais para os indivíduos. Sergio dava ênfase na pessoa que sofre as consequências econômicas, profissionais e individuais por atravessar uma guerra ou ser vítima dela. Então, se estivesse aqui hoje, ele estaria envolvido, empenhado em encontrar uma solução negociada para a guerra na Ucrânia. Uma solução que protegesse a integridade das populações.

Eu acompanho com muito receio. Sabemos que um terço da população foi forçada a fugir de suas casas, 8 milhões de pessoas fugiram da Ucrânia. Além da falta de alimentos, há o flagelo dos ataques aos civis. Também temos que ter cuidado com as denúncias dos crimes de guerra, de não cair de um lado ou outro do debate polarizado. A gente sabe que a guerra da Ucrânia é uma “guerra proxy” (por procuração) entre EUA e Rússia. A crescente onda de refugiados ucranianos tem colocado em destaque que é preciso ter igualdade em relação aos pedidos de refúgio. A Europa, por exemplo, e até as Américas estão cheias de pedido de refúgio de imigrantes da Síria, do Oriente Médio, que não têm sido tratados com a prioridade que recebem os ucranianos na Europa. Então, de novo, salientar que todos refugiados são iguais em seu pedido independentemente de seu lugar de origem.

Nestes 20 anos da morte dele, houve algum avanço?

Houve avanço, sim. Direitos das mulheres, das minorias... Também houve um real reconhecimento de que a luta pelos direitos humanos é a partir do lugar onde as violações estão acontecendo. Não é apenas algo declarativo, mas uma coisa concreta.

Qual o legado de Vieira de Mello que pode ser usado hoje?

Gosto muito de falar dos símbolos. Sergio tinha muito claro qual era o seu propósito na vida. E a raiz da palavra propósito, que vem do hindo-europeu “pur”, significa fogo. E fogo é o símbolo dos direitos humanos. As próximas gerações precisam encontrar seu propósito na vida de acordo com seus ideais, que tenham essa conexão com o fogo interno que vai guiar o caminho.

O que destacou no seu discurso em homenagem a Vieira de Mello?

Destaquei valores, porque eles são permanentes e atravessam o teste do tempo. Falei de persistência, perseverança, a procura pela verdade, tenacidade, amor e alegria. Também de coragem. Nós dois compartilhamos desses valores todos. Não tem como não se lembrar dele quando se fala em direitos humanos. Ainda mais neste 2023, em que a sua morte num atentado terrorista completa 20 anos. Ainda mais nestes dias: ele estaria completando 75 anos na próxima quarta-feira, 15 de março.

Como vê a situação dos direitos humanos hoje?

Sabemos que, com a chegada das direitas autoritárias nos governos internacionais, tem havido um retrocesso no quesito dos direitos humanos. E agora, quando o mundo está polarizado pela guerra na Ucrânia, é difícil transitar por esse caminho sem cair na armadilha de ser cooptado por um lado ou por outro. Também agora com essa guerra tem havido um esquecimento dos outros conflitos, como o do Iêmen, da Síria, da Nicarágua e da situação de El Salvador. Então, tem havido um retrocesso. Mas acho que também precisamos tentar manter um olhar positivo. Se a gente olhar as últimas quatro décadas até agora, é claro que houve avanços significativos, de qualidade. Se olhamos com essa visão mais longa, nem tudo é tão sombrio.

Como vê a América Latina na questão dos direitos humanos?

A América Latina continua sendo a região em desenvolvimento onde a democracia é mais difundida. É claro que falta bastante, como melhorar o estado de Direito, a educação pública, ter maior abertura, cooperação regional, mais investimentos nos sistemas de saúde. Nos direitos sociais é que reside a verdadeira batalha dos direitos humanos. Nos últimos 50 anos, as sociedades da América Latina tornaram-se, de certa forma, mais igualitárias. Em nenhum outro lugar do mundo em desenvolvimento a ideia de direitos humanos é tão amplamente compartilhada como na nossa região.

Quais os desafios dos direitos humanos para o futuro?

É importante a consolidação dos avanços conquistados, principalmente aqueles que foram conquistados pelas minorias. Estou falando, por exemplo, das mulheres, como maioria minorizada. Além disso, as organizações internacionais precisariam encontrar um mecanismo para dar mais espaço para os povos originários, por exemplo. Também no tema das mulheres ainda tem muito o que fazer: há muito barulho, mas, na prática, a desigualdade de salários, por exemplo, persiste, continuam no mesmo patamar de sempre, mais baixo que o dos homens. Os direitos das mulheres continuarão sendo um desafio para o futuro.

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