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Por Elisa Martins — São Paulo

"Às vezes, os espinhos podem machucar você. E a dor fará você mancar por algum tempo – mas será transitória. Ou pode transformar você em um coxo, que mancará por toda a vida. No momento, tudo parece estar bem, mas continuo a ter lembranças vívidas, como se fossem sonhos despertos, e isso faz com que meu espírito continue a mancar. Escrever é a forma que encontrei para tentar fazer as pazes com meus sonhos".

Escrever é também como a afegã Mahboba Rezayi, escritora e fotógrafa, dá voz à sua história e a de outras pessoas que, como ela, foram obrigadas a deixar o lugar onde nasceram e viviam. O trecho faz parte do livro "Histórias reais de mulheres em situação de refúgio no Brasil: Afeganistão, Moçambique, Venezuela, Ucrânia", que será lançado nesta quinta-feira pelo Instituto Estou Refugiado, em São Paulo.

A publicação reúne relatos de vida e luta de quatro mulheres que enfrentaram a saudade de casa e os desafios de língua, cultura e costumes ao se estabelecerem no Brasil.

— A ideia surgiu da diversidade e pluralidade de nacionalidades que o Brasil já recebeu, são mais de 120 documentadas — conta a idealizadora e organizadora da publicação, Luciana Maltchik Capobianco, fundadora e diretora do Instituto Estou Refugiado. — Planejamos falar de todas elas, em uma coleção. Esse primeiro volume é focado em mulheres, que costumam viver um drama maior em situação de refúgio. É a mulher que carrega o filho na fronteira com medo, ou que se esfacela ao ter que deixá-lo e partir.

A afegça Mahboba Rezayi — Foto: Divulgação/ Sarah Lima
A afegça Mahboba Rezayi — Foto: Divulgação/ Sarah Lima

Com o novo lar no Brasil em comum, as quatro histórias contadas no livro expressam diferentes faces do refúgio. A ucraniana Natalia Moroz chegou com o filho Max, de 14 anos, no ano passado, em fuga da guerra contra a Rússia. Escapou com a ajuda de amigos que moravam aqui e viveu uma odisseia até chegar em São Paulo.

"A guerra acabou com a vida da minha mãe. E a vida na Ucrânia acabou para mim. Cada guerra havia tirado de mim um dos meus pais. Era demais. Ficou claro, então, que chegara o tempo da jornada que começara no ano de 1981, em Mironovskiy (Donetsk) me levar mais longe, para além da fronteira do meu país, para bem longe da Ucrânia", conta Natalia no livro. "Acho que nunca me senti tão só como naquele momento. Afinal, eu sabia que estava cortando a única conexão com meus pais que ainda existia – o meu irmão. Ele não iria comigo para lugar nenhum – homens com menos de 60 anos não podem deixar o país por causa do estado de emergência".

A ucraniana Natalia Moroz — Foto: Divulgação/ Sarah Lima
A ucraniana Natalia Moroz — Foto: Divulgação/ Sarah Lima

A moçambicana Lara Lopes, por sua vez, deixou Maputo há nove anos pela perseguição que sofria por sua orientação sexual. Até 2015, relações homossexuais eram tidas como crime em Moçambique.

"A homossexualidade em Moçambique, e na África como um todo, ainda é um tabu enorme. Até 2020, por exemplo, das 54 nações africanas, 32 puniam judicialmente relações entre pessoas do mesmo sexo – 4 delas com a morte. E eu passei por todo tipo de agressão física e psicológica. Era vista como uma “abominação”, obra do diabo. Essa foi minha sina, mas também é minha vida, minha singularidade, e hoje tenho orgulho do que sou e de quem eu sou. Mas não foi sempre assim", conta Lara na publicação.

A moçambicana Lara Lopes — Foto: Divulgação/ Sarah Lima
A moçambicana Lara Lopes — Foto: Divulgação/ Sarah Lima

Já no caso da venezuelana Francis Salazar não foram a perseguição, tanques ou metralhadoras que a levaram a deixar seu país, mas uma forte crise econômica, social e política que também expulsou vários compatriotas.

Francis deixou os filhos com os avós, na decisão mais dura da sua vida, para abrir um novo caminho possível no Brasil. Voltou à Venezuela no Natal de 2021, com a missão de reencontrá-los. E encontrou a caçula esperando por ela com um ramo de flores na mão.

A descrição da cena é uma das que mais emociona na história da venezuelana: "Francis se ajoelhou, emocionada, enquanto conversava com a menininha de cabelos muito pretos e vestido rosa de bolinhas brancas. Percebeu que a pequena não se lembrava dela: tinha apenas dois anos quando a viu ao vivo pela última vez. Emily ficou rondando, um pouco desconfiada. Pediu para ver uma foto de Francis no celular do avô, como confirmando que era ela mesmo que estava na sua frente. 'Você se lembra de mim?', perguntou a mãe. Respondeu que sim, deu um pulo e elas finalmente se abraçaram. 'Sou a mamãe. Sou a mamãe', dizia Francis, enquanto apertava o corpinho da filha", conta o trecho do livro. Hoje, a venezuelana e os filhos vivem juntos no Brasil.

A venezuelana Francis Salazar — Foto: Divulgação/ Sarah Lima
A venezuelana Francis Salazar — Foto: Divulgação/ Sarah Lima

As histórias descritas aqui brevemente se aprofundam na publicação, entre alegrias e tristezas, como coexistem na própria vida - e mostram ainda que nem tudo são flores quando os refugiados chegam ao Brasil.

— O país tem uma tradição acolhedora, mas problemas como racismo e xenofobia também se fazem presentes. Onde há muitas pessoas refugiadas costuma haver também uma percepção de que "estão roubando empregos" ou "estão no nosso lugar" — lamenta Luciana.

Em linguagem delicada e envolvente, são as refugiadas que guiam os leitores pelos rumos de suas histórias, com a colaboração dos jornalistas Consuelo Dieguez, Fernando Guimarães, Flavia Mantovani e Gisela Rao nos textos e de alunos do curso de design do IED-Instituto Europeo di Design na capa e diagramação.

— Houve um trabalho de empatia e confiança para que as refugiadas compartilhassem suas histórias. Era preciso abrir muitas coisas que dizem respeito a momentos importantes, trágicos e difíceis das vidas delas — conta Luciana.

Antes de cada relato, há uma contextualização sobre a situação do país de origem das autoras, explicando os motivos que as levaram e que ainda levam milhares de pessoas a abandonarem suas casas, entre medos e incertezas.

A previsão é que o próximo volume dessa coleção seja lançado no ano que vem, com outras nacionalidades que compõem o universo de refugiados no Brasil.

Causa humanitária

O livro tem apoio da Lei Rouanet, patrocínio da Eternit e idealização do Instituto Estou Refugiado, ONG que nasceu em 2015, em meio à guerra da Síria e à chegada de refugiados do país ao Brasil.

— Eu tinha uma agência de comunicação digital na época e resolvi fazer advocacy e chamar a atenção das pessoas no Brasil para a importância de acolher bem, não ter preconceitos, e abrir as empresas a darem trabalho para quem chegava. O trabalho é a forma de sair da vulnerabilidade, de se inserir na sociedade, ter um espaço e conseguir viver melhor. E me apaixonei por essa área — lembra Luciana.

Trata-se, diz, de um tema mundial, que sempre existiu na História da humanidade e que vem se intensificando, em um planeta de tantos conflitos. Por ano, são mais de 100 milhões de pessoas em deslocamento forçado no mundo.

O instituto reúne e divulga os relatos de refugiados e ajuda na intermediação entre os recém-chegados e potenciais empregadores.

Um dos projetos mais recentes foi o Cores do Mundo, uma exposição ao ar livre, na Zona Oeste de São Paulo, com murais feitos por artistas refugiados. Cada mural retrata um país de origem e dá a dimensão da diversidade que busca no Brasil um lar e um novo futuro.

— As pessoas passam, olham as obras, ligam querendo contratar os artistas — comemora Luciana. — Acreditamos na vibração desse movimento, em provocar para engajar, causar impacto. Tem que ser assim para a coisa mudar.

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