Os protestos violentos contra a manobra constitucional do presidente francês, Emmanuel Macron, para implementar sua reforma da Previdência forçaram uma mudança de planos na recepção ao rei britânico, Charles III. Um jantar oficial organizado para o monarca, originalmente marcado para o histórico Palácio de Versalhes, precisou ser realocado devido à escalada dos atos, segundo o canal francês BFMTV.
Cerca de 800 mil pessoas foram às ruas de Paris nesta quinta na primeira greve geral desde Macron driblar a Assembleia Nacional para aprovar a reforma, que adia progressivamente a idade mínima de aposentadoria dos 62 para os 64 anos a partir de 2030. As estimativas do sindicato Confederação Geral do Trabalho (CGT) indicam que o ato na capital é o maior desde que o movimento começou em janeiro — o recorde anterior era 700 mil no dia 7 de março. Ainda não há dados oficiais, contudo, que geralmente são discrepantes.
Os episódios de violência são pontuais, mas segundo o jornal Le Monde, a polícia "não economiza nas bombas de gás lacrimogêneo" perto da Ópera de Paris, e há um canhão d'água que ainda não foi usado. Nos Grands Boulevards, há relatos de manifestantes dispersados com cassetetes e gás lacrimogêneo. Em Strasbourg-Saint Denis, um McDonald's foi vandalizado.
Franceses voltam às ruas contra reforma da Previdência
Os manifestantes na capital também vêm incendiando lixo nas ruas — as pilhas se acumulam em meio à greve dos funcionários da limpeza, que já dura quase 20 dias. Cédric Nothias, um professor do ensino médio de 46 anos, carregava um cartaz com a pergunta: "Como ensinar democracia quando Macron a pisoteia?".
As escolas e monumentos como a Torre Eiffel não abriram, e metade dos trens de alta velocidade foram cancelados. Diante dos bloqueios que duram dias em depósitos e refinarias, o governo ordenou a volta ao trabalho de alguns grevistas para amenizar a falta de combustível em 15% dos postos de gasolina. Nos aeroportos da capital, a situação do fornecimento de querosene é "crítica".
Pelo país, havia cerca de 320 protestos marcados. Alguns dos maiores foram no sul, apesar de as estimativas de público serem bastante discrepantes. As autoridades dizem que 5,2 mil pessoas foram às ruas de Nice, mas o CGT afirma que a multidão chegou a 40 mil. Em Marselha, onde o porto foi bloqueado pelo segundo dia consecutivo, as autoridades dizem que 16 mil pessoas foram protestar, contagem que o CGT põe em 280 mil.
Em Lyon, centenas de manifestantes, entre eles ferroviários e estudantes, bloquearam a passagem de trens. Em Rennes, no nordeste, a polícia disparou canhões d'água. Em Lorient, uma delegacia foi incendiada. O ministro do Interior, Gérald Darmanin, disse que a violência é "inaceitável" e os responsáveis não ficarão impunes.
Acirramento das tensões
A greve desta quinta é a nona desde janeiro, mas a primeira desde que o Eliseu anunciou que recorreria ao Artigo 49.3 da Constituição, prerrogativa que lhe permite aprovar projetos de lei por decreto, para aprovar a reforma previdenciária. O Legislativo tentou derrubar o Gabinete presidencial com duas moções de desconfiança, mas ambas fracassaram na segunda.
A implementação da medida está suspensa até a avaliação do Conselho Constitucional. O grupo pondera ainda um pedido endossado por mais de 200 parlamentares para um referendo defina o futuro do projeto, que também antecipa para 2027 a exigência de contribuição por 43 anos — e não 42, como atualmente — para que o trabalhador tenha direito à pensão integral.
Desde então, contudo, a tensão aumento significativamente, assim como a fragilidade de Macron, em seu pior momento desde as manifestações dos coletes amarelos em 2018, quando milhares de pessoas tomaram as ruas contra o aumento dos combustíveis. Na quarta, em uma pouco apologética entrevista de televisão, o presidente assumiu a "impopularidade" da reforma, afirmando que ela será implementada "até o fim do ano" e que é necessária para equilibrar as contas.
O presidente fez ainda uma comparação recebida como descabida entre os manifestantes em seu país e os ataques contra representações dos Três Poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro, e no Capitólio americano quase dois anos antes. Os franceses, contudo, em nenhum momento defenderam atos golpistas — e a reforma da Previdência é criticada por dois em cada três franceses.
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O líder do CGT, Philippe Martínez, acusou Macron de "jogar um tanque de gasolina no fogo". Já o secretário-geral da Confederação Democrática do Trabalho Francesa (CFDT), Laurent Berger, pediu "ações não violentas" para manter o apoio da opinião pública.
Os sindicatos têm sido a base da contestação desde janeiro e em 7 de março conseguiram mobilizar entre 1,28 milhão e 3,5 milhões de pessoas — segundo números da polícia e dos organizadores, respectivamente. Já é o maior movimento social em território francês em três décadas.
Visita de Charles
Jornais britânicos chegaram a especular se a viagem de Charles à França seria mantida frente ao acirramento dos ânimos, mas nesta quinta o governo do primeiro-ministro Rishi Sunak disse "não ter conhecimento de nenhuma mudança de planos" na agenda do seu chefe de Estado. Os planos referente ao jantar, contudo, precisaram ser alterados frente aos riscos de violência.
O monarca britânico cruzará o Canal da Mancha no domingo, em sua primeira viagem ao exterior desde que herdou o trono de sua mãe, a rainha Elizabeth II, em setembro do ano passado. Evento mais esperado da viagem, o banquete para 200 pessoas em Versalhes — lar da monarquia francesa até os revolucionários guilhotinarem Luis XVI durante a Revolução — seria na segunda.
Acompanhado da rainha consorte Camilla, ele deve permanecer na França até 29 de março, quando então viajará para a Alemanha, onde fica até 31 de março. Está previsto que o monarca, cuja coroação será no dia 6 de maio, participe de uma cerimônia no Arco do Triunfo ao lado de Macron e vá à cidade de Bordeaux, no sudoeste do país. Os outros pontos da agenda, no entanto, também podem ser mudados.
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