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Por Aline Rabello

Assim como o vídeo dos foguetes no meio da madrugada em Bagdá, a Guerra do Iraque — que completa 20 anos nesta segunda-feira — foi marcada por personalidades fortes cujas imagens são indissociáveis da história do conflito. São figuras-chave de um confronto que começou sob pretexto falso, pôs um país de ponta-cabeça e deixou centenas de milhares de civis mortos.

George W. Bush, o presidente americano que menos de dois anos antes havia invadido o Afeganistão, é um nome-chave. Outro é o de seu secretário de Estado, Colin Powell, que foi ao Conselho de Segurança da ONU dizer que o regime de Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa.

Os armamentos nunca foram encontrados, mas Saddam foi derrubado e substituído por gestões afeitas a Washington e seus aliados. A queda foi figurativa e literal: um dos vídeos mais notórios da guerra é de sua estátua na Praça Firdos sendo levada ao chão por fuzileiros americanos e civis iraquianos.

— Eu vi os que eram contra o Saddam, mas também vi iraquianos chorando dizendo que aquilo era o começo de uma situação de guerra civil — disse ao GLOBO o jornalista português Carlos Fino, o primeiro repórter a entrar ao vivo do país quando a invasão começou.

Duas décadas após o conflito, alguns deles morreram e outros foram mortos, houve aposentadorias e legados destruídos. Em sua maior parte, contudo, legados muito diferentes dos imaginados quando Bush foi à rede nacional em 19 de janeiro de 2003 anunciar que uma invasão no Iraque era iminente. Veja o principais nomes da guerra e como estão atualmente.


Saddam Hussein

Saddam Hussein, na época ex-presidente do Iraque, durante seu julgamento em Bagdá em 2006 — Foto: Tyler Hicks/The New York Times
Saddam Hussein, na época ex-presidente do Iraque, durante seu julgamento em Bagdá em 2006 — Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Quem é:

Saddam Hussein foi o todo-poderoso ditador do Iraque por 24 anos, período no qual promoveu um culto à sua própria personalidade apostando na tirania para liderar o regime que mantinha a maioria de muçulmanos xiitas sob o controle da minoria sunita. Passou de aliado do Ocidente, que o ajudou em seus oito anos de guerra de década contra o Irã (1980-1988), conflito que penalizou uma antes pungente economia que consegui desenvolver às custas de suas reservas de petróleo.

No início dos anos 1990, um grande erro aos olhos ocidentais: invadiu o Kuwait na Guerra do Golfo, tendo brevemente o controle de metade do petróleo do mundo. A isso somou-se atrocidades contra os curdos iraquianos, mas ainda assim sobreviveu no poder até março de 2003.

Legado da guerra:

Uma das mais marcantes imagens da guerra do Iraque mostrava Saddam Hussein, desgrenhado e barbudo, depois de ser capturado escondido em um buraco. Ele foi deposto em 9 de abril de 2003, mas fugiu de Bagdá com sua família, dando início a uma das maiores perseguições da História.

A caça duraria oito meses, quando foi encontrado na cidade de ad-Dwara, nos arredores de Tikrit, cidade onde nasceu. Sequer um tiro foi disparado pela Operação Amanhecer Violento, batizada em homenagem ao filme de 1984 com Patrick Swayze.

Mesmo com seu ocaso, seguiu como uma inspiração para muitos jovens anti-americanos do Oriente Médio.

Como ficou:

Três anos depois da prisão, Saddam Hussein foi enforcado em 30 de dezembro de 2006, depois de ser condenado à morte em um tribunal iraquiano pelo massacre de Dujail, em 1982. Na ocasião, em retaliação a uma tentativa de assassinato contra o ditador, 148 iraquianos xiitas foram mortos.

George W. Bush

George W. Bush, então presidente dos Estados Unidos, durante pronunciamento à nação anunciando início da invasão no Iraque — Foto: Stephen Crowley/The New York Times
George W. Bush, então presidente dos Estados Unidos, durante pronunciamento à nação anunciando início da invasão no Iraque — Foto: Stephen Crowley/The New York Times

Quem é:

O presidente George W. Bush chegou à casa Branca em janeiro de 2001 após uma controversa disputa eleitoral com o democrata Al Gore, que foi parar na Suprema Corte. Oito meses depois, em 11 de Setembro de 2001, os EUA foram palco do maior ataque terrorista de sua História.

Semanas depois, Bush ordenou a invasão do Afeganistão — conflito que durou 20 anos e seria o mais longo já travado pelos EUA — alegando que o regime talibã dava abrigo ao chefe da al-Qaeda, Osama Bin Laden. O terrorista foi morto no Paquistão em 2011.

Sob o argumento de que Saddam Hussein tinha armas de invasão em massa, a invasão do Iraque começaria menos de dois anos após as torres gêmeas do World Trade Center caírem sobre Manhattan. A operação teve o aval do Congresso, mas não do Conselho de Segurança.

Legado da guerra:

Três meses depois da invasão, Bush apareceu a bordo do imponente porta-aviões USS Abraham Lincoln para marcar o que seria o anúncio do fim de grandes operações militares no Iraque. Um banner atrás do presidente exibia a frase “missão cumprida” sobre as cores da bandeira americana. A expressão virou meme e é símbolo dos erros de cálculo do ex-presidente e dos estrategistas neoconservadores que o atiraram no conflito.

No ano passado, o republicano foi responsável por uma das maiores gafes da História recente americana. Ao criticar o presidente russo, Vladimir Putin, pela guerra na Ucrânia, Bush chamou de “injustificada” e “brutal” a invasão “do... Iraque”. Ele logo corrigiu o erro, afirmando que falava do conflito no Leste Europeu. Entre risos da plateia, pôs a culpa em seus 75 anos.

Como ficou:

O ex-presidente americano vive no Texas e, em geral, se mantém afastado da política — uma de suas raras declarações foi em repúdio ao ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Apesar do fracasso em encontrar as armas de destruição em massa que justificaram a guerra, defende a decisão até hoje. É figura "escondida" no Partido Republicano e foi, várias vezes, ridicularizado pelo agora ex-presidente Donald Trump.

Exibições de suas pinturas amadoras em espaços como o importante Lincoln Center, em Nova York, ou notícias positivas a seu favor não raramente são acompanhadas de tuítes e manchetes como "os quadros de Bush não podem expiá-lo" ou "droga, Barack e Michelle Obama, parem de reabilitar George W. Bush!"

Tony Blair

Primeiro-ministro britânico, Tony Blair, cerca de um mês antes da eclosão da Guerra do Iraque — Foto: Alan Milligan/Bloomberg News
Primeiro-ministro britânico, Tony Blair, cerca de um mês antes da eclosão da Guerra do Iraque — Foto: Alan Milligan/Bloomberg News

Quem é:

Quando chegou ao poder em 1997, Tony Blair era o primeiro-ministro britânico mais jovem do século XX — vitalidade que combinava com o boom sociocultural que o país vivia no final de século. Durante o início de seu governo, chegou a ter popularidade recorde e era bem-quisto internacionalmente, com as intervenções relativamente bem recebidas no Kosovo e em Serra Leoa, além do Acordo da Sexta-Feira Santa de 1998, que pôs fim às décadas de atrito entre as Irlandas.

Blair estava no poder quando os Estados Unidos foram atacados, em 11 de setembro de 2001, e ofereceu apoio incondicional ao governo Bush na invasão do Iraque, sustentando inclusive o argumento das armas de destruição em massa.

Legado da guerra:

No texto de um memorando confidencial escrito por Tony Blair para George Bush se lê a frase: “estarei com você, não importa o que aconteça”. A parceria inabalável entre os dois aliados rendeu a ele o apelido de “poodle de Bush”.

Em 2016, o relatório final da investigação do governo britânico sobre o papel britânico na guerra do Iraque acusou Blair de apoiar a invasão sem esgotar as opções pacíficas. O texto também disse que Bagdá não representava uma ameaça iminente e que os países envolvidos na operação militar minaram a autoridade das Nações Unidas.

Como ficou:

No depoimento que prestou ao inquérito, Tony Blair declarou não se arrepender de ter ajudado a derrubar Saddam Hussein. Depois de sair do governo, foi enviado especial para o Oriente Médio do Quarteto — o grupo composto por EUA, Rússia, UE e ONU que mediava negociações de paz entre israelenses e palestinos. Em 2015, abandonou o cargo e passou a cuidar do Instituto que leva seu nome.

Tarik Aziz

Tariq Aziz, à época vice-primeiro-ministro do Iraque, no ano antes da invasão americana — Foto: Tyler Hicks/The New York Times
Tariq Aziz, à época vice-primeiro-ministro do Iraque, no ano antes da invasão americana — Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Quem é:

Tariq Aziz era a face mais conhecida do regime de Saddam Hussein. O chanceler iraquiano era o principal conselheiro de política externa do ditador e teve papel determinante na aproximação com o Ocidente, nos anos 1980, durante a guerra contra o Irã.

Legado da guerra:

Quando a guerra do Iraque começou, o ministro ganhou exposição mundial. Pelas imagens da TV estatal iraquiana o governo tentava mostrar solidez, enquanto bombas caiam sobre Bagdá. Na lista de iraquianos mais procurados — impressa em cartas de baralho entregues aos soldados — Aziz era o número 43. Ele se rendeu aos americanos e foi julgado e condenado a morte, nos anos seguintes, pelo corte iraquiana.

Como ficou:

A sentença de morte nunca foi executada e Tariq Aziz morreu, em 2015, aos 79 anos, de causas naturais.

Colin Powell

Colin Powell, na época secretário de Estado americano, tentando convencer Conselho de Segurança da ONU a autorizar guerra no Iraque — Foto: James Estrin/The New York Times
Colin Powell, na época secretário de Estado americano, tentando convencer Conselho de Segurança da ONU a autorizar guerra no Iraque — Foto: James Estrin/The New York Times

Quem é:

Colin Powell foi o primeiro negro a chegar ao posto de secretário de Estado americano. Veterano do Vietnã, ele se tornou general condecorado, chegando a chefe do Estado-Maior das Forças Armadas americanas e também Conselheiro de Segurança Nacional. Ele chefiava a diplomacia americana desde a posse de Bush, em janeiro de 2001.

Legado da guerra:

Parte do prestígio de Powell foi consumida em uma única apresentação nas Nações Unidas. O secretário de Estado apresentou o relatório preparado pela inteligência americana para comprovar a existência de armas de destruição em massa no Iraque. As armas nunca apareceram e fontes das informações secretas se mostraram falsas.

Como ficou:

Anos depois, Powell declarou lamentar o erro dos serviços de inteligência e admitiu que o episódio manchou sua carreira. Ele tratava um câncer quando morreu de Covid-19, aos 84 anos, em 2021.

Jessica Lynch

Jessica Lynch durante depoimento a deputados americanos sobre sua experiência no Iraque — Foto: Susan Etheridge/The New York Times
Jessica Lynch durante depoimento a deputados americanos sobre sua experiência no Iraque — Foto: Susan Etheridge/The New York Times

Quem é:

Jessica Lynch era uma recruta do Exército americano de 19 anos quando ficou conhecida no mundo com a história do resgate cinematográfico de um suposto cativeiro em um hospital no Iraque.

Legado da guerra:

As imagens da jovem assustada resgatada em uma maca por soldados americanos causaram comoção nos EUA. A gravação do suposto resgate foi distribuída à imprensa e os jornalistas foram informados que os militares americanos haviam invadido o hospital onde a mulher era mantida à força.

Não levou muito tempo para a versão ser desmentida pela rede de TV britânica BBC. Na verdade, Jéssica era bem tratada, não havia sido baleada nem esfaqueada, como foi divulgado inicialmente, e não era mantida à força no local.

Como ficou:

Jessica Lynch se tornou professora primária e escreveu um livro sobre sua história na guerra. Ela dá palestras em escolas e para veteranos de guerra, onde divide com eles a experiência de lidar com os sintomas do estresse pós-traumático.

Carlos Fino

Carlos Fino, jornalista português, foi o primeiro a entrar ao vivo noticiando o início da invasão — Foto: Reprodução/Facebook
Carlos Fino, jornalista português, foi o primeiro a entrar ao vivo noticiando o início da invasão — Foto: Reprodução/Facebook

Quem é:

Carlos Fino era correspondente da TV portuguesa RTP e foi o primeiro jornalista internacional a entrar ao vivo de Bagdá, no início dos bombardeios, em 20 de março de 2003.

— O início da guerra deveria ser mais tarde e os correspondentes americanos e ingleses, certamente, tinham alguma informação nesse sentido. Eles simplesmente estavam dormindo — disse em entrevista ao GLOBO, lembrando que o início da operação foi antecipado. — Nós, que não tínhamos informação e não estávamos dormindo, reagimos mais rápido.

Legado da guerra:

Fino ficou mais de dois meses no Iraque, onde já havia estado no ano anterior, e tinha bom trânsito em parte devido à cobertura da eclosão do conflito. Um dos momentos em que correu maior perigo foi durante o bombardeio no Hotel Palestina, em 8 de abril de 2023: em um erro de cálculo, os americanos atacaram o prédio que hospedava jornalistas internacionais. O português estava no 17º andar.

— Num andar abaixo do meu, [a explosão] matou dois jornalistas, um deles era meu amigo pessoal. Um ucraniano — disse Fino.

Como ficou:

Depois de ficar conhecido no Brasil pela cobertura da Guerra do Iraque, Fino viveu alguns anos no país e se formou doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho e pela Universidade de Brasília. Ele publicou o livro “Portugal-Brasil: raízes do estranhamento”. Hoje está aposentado e vive no país ibérico.

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