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Por Vivian Oswald, especial para O Globo — Londres

As tradicionais caixas de correio vermelhas britânicas começam a receber a inscrição CRIII em alto relevo: este é o monograma do rei Charles III, que representa o “C”de seu nome interligado com o “R”, de Rex (rei em latim), com a numeração em algarismos romanos. Os primeiros selos postais com a silhueta do soberano saíram no início do mês, assim como as novas moedas de libras esterlinas em circulação na economia. Nas livrarias, as vitrines destacam títulos que contam a trajetória do príncipe herdeiro que esperou 73 anos para se tornar rei. Símbolo máximo da Casa de Windsor, ele agora é parte do cotidiano britânico, a pouco menos de um mês da cerimônia da coroação, marcada para 6 de maio.

Charles III começa a substituir com mais vigor a presença da mãe, a rainha Elizabeth II. “A rainha morreu. Que Deus proteja o rei”, diz-se desde sempre. E isso é aplicado até mesmo em pratos, canecas, bugigangas, souvenires e outros objetos. Assim, a nova face da monarquia britânica se consolida a partir da construção da marca Charles III em suas várias formas. E gera negócios.

— E ela é mais forte do que se esperava. Afinal, o rei tem conquistado pessoas que achavam que seria distante e indiferente — disse ao GLOBO Pauline MacLaran, professora de pesquisas sobre Marketing e Consumo da Royal Holloway, da Universidade de Londres, e coautora do livro “Royal Fever: The British Monarchy in Consumer Culture” (2015).

MacLaran costuma dizer que a sobrevivência da monarquia como instituição depende do sucesso da marca. E isso seria mais importante do que nunca neste momento, porque, em sua opinião, o novo rei jamais alcançará a mesma popularidade da mãe. Em texto recente, um professor da Escola de Negócios da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, afirmou que a família real é, na verdade, uma marca global que, ao perder a sua rainha, perdeu também o seu CEO.

Para o especialista, Charles III agora é tão importante para a marca quanto Elon Musk para a Tesla, ou Steve Jobs para a Apple. Sua imagem tem o poder de afetar não apenas a marca da instituição propriamente dita, mas os negócios da realeza, que são muitos, e, em boa medida, os do próprio país. Afinal, a monarquia é parte importante do chamado soft power — o poder de influência ou de encantamento que um país pode exercer sobre os outros sem o uso de força — britânico.

Convite para a coroação do rei Charles III, do Reino Unido, no dia 6 de maio — Foto: AFP
Convite para a coroação do rei Charles III, do Reino Unido, no dia 6 de maio — Foto: AFP

R$ 12,5 bilhões em receitas

Estima-se que a realeza renda à economia do Reino Unido cerca de 2 bilhões de libras por ano, ou aproximadamente R$ 12,5 bilhões, entre receitas diretas e indiretas. Um exemplo está no fato de parcela importante do turismo no país girar em torno da Coroa e seus símbolos. Não por acaso, “a firma”, como ficou conhecida a máquina por trás da Casa de Windsor, é incansável em sua estratégia de marketing: martelar a presença do novo rei entre os súditos e apreciadores, ou não.

Para John Balmer, professor de Marketing Corporativo da Escola de Negócios da Universidade de Brunel de Londres, é inegável que a monarquia é uma instituição que tem um propósito de negócios:

— É uma marca corporativa, que age como tal.

Reino Unido inicia produção de moedas com imagem do Rei Charles III

Reino Unido inicia produção de moedas com imagem do Rei Charles III

O dever de ofício obriga que o anúncio da morte de um monarca seja concomitante à ascensão ao trono do sucessor, pois não pode haver vácuo de poder. Foi assim em 8 de setembro do ano passado, quando da morte de Elizabeth II veio a promoção de Charles. Mas a construção da imagem do monarca não se dá de imediato. Muito menos em um país cuja imagem se confundia até pouco tempo atrás com a de Elizabeth II, que carregou a coroa por 70 anos e sete meses, e o reinado mais longevo da História do Reino Unido.

Charles III é dono de um verdadeiro império estimado em algo em torno de 17,6 bilhões de libras, quase R$ 111 bilhões. Além de palácios, castelos e mansões dentro e fora de Londres, o chamado Crown Estate tem terras e muitos imóveis arrendados a terceiros. Entre eles, alguns são usados por lojas de marcas famosas conhecidas no mundo todo, como McDonald’s, Starbucks, KFC, Burger King, Apple, a badalada grife de lingeries sexy Victoria’s Secret, cinemas, entre outros. As propriedades da Coroa geram recursos ao Estado, que também oferece benefícios fiscais à família real pelos serviços prestados à nação. O Crown Estate, que gera lucros para o Tesouro britânico, pertence ao monarca da vez. O soberano não se envolve com decisões administrativas como faz com os seus bens pessoais, o que inclui, por exemplo, o Castelo de Balmoral, na Escócia, e a propriedade de Sandringham, no norte da Inglaterra, duas residências reais.

A marca Charles também é valiosa para empresas britânicas de diferentes segmentos da economia que carregam os chamados selos reais. Eles são conferidos aos fornecedores do monarca, desde chás a banheiros químicos, passando por perfumes, livros, chapéus, supermercados, polidores de prata e alfaiates. A chancela existe desde o século XV. Vem de uma época em que a competição pelos privilégios reais era intensa e o monarca podia apontar as melhores companhias do país. Hoje, a tarefa cabe à Royal Warrant Holders Association (Associação de Portadores do Selo Real), criada em 1840.

Correio do Reino Unido divulga selo com imagem do rei Charles III — Foto: Reprodução
Correio do Reino Unido divulga selo com imagem do rei Charles III — Foto: Reprodução

Atestado real

Ainda há 686 marcas com o selo conferido por Elizabeth II — seu marido, Philip, duque de Edimburgo, que morreu em 2021 aos 99 anos, e o então príncipe Charles também tinham os seus. Com a morte da rainha, essas comendas só podem ser usadas por mais dois anos. Para continuar ostentando a chancela, essas empresas terão de se reapresentar e preencher os requisitos necessários. Afinal, agora quem confere o selo é Charles III. Só recebe o timbre quem fornece para a Casa Real por pelo menos cinco anos seguidos. Espera-se que, num futuro próximo, a rainha Camilla e William, o atual príncipe de Gales e próximo na linha sucessória, tenham direito a seus selos.

A depender do tamanho do negócio, o simples fato de exibir o símbolo das armas da Casa Real pode significar um aumento de até 10% no faturamento de uma empresa. Quanto menor o seu porte, na verdade, mais relevante pode ser o peso da chancela real, segundo o professor Balmer. Quem não quer usar a mesma marca dos sapatos feitos à mão usados pelo monarca? Os fornecedores do rei podem dizer muito sobre a sua personalidade. E os de Charles III costumam ser grifes tradicionais britânicas de séculos de existência e produtos de alta qualidade que poderão ser usados por muito tempo. É o caso dos sapatos. Seus preferidos são do fabricante mais antigo do país, Tricker’s, de Northampton. Um de seus alfaiates de confiança, Gieves & Hawkers, tem o selo real desde 1809.

Para especialistas, na era da marca Charles III, o tal selo pode ter função adicional. O rei, que sempre foi afeito a manifestar opiniões sobre temas da atualidade, poderá fazê-lo pela chancela. Como rei, tem por dever manter-se neutro em público. Mas nada o impede de dar preferência a marcas que garantam a sustentabilidade de seus produtos e processos de produção. A questão ambiental foi tema pelo qual sempre demonstrou apreço.

Influência no governo

Balmer também acredita que os selos beneficiam a monarquia ao alimentar sua própria existência.

— De certa forma, quando se olha para o chá Twinnings ou a mostarda Colman’s, consumidas pela Casa Real, ninguém para muito para pensar no rei, mas a presença está ali. É uma outra forma de se identificar a presença da instituição como um todo — diz.

Para o professor, a marca do monarca também tem o poder de influenciar algumas decisões de governo, ainda que esse não seja seu objetivo.

— As pessoas acompanham o que o rei está fazendo. Se está dando mais atenção para essa ou aquela área. Ele tem que ter cuidado para não se envolver com política. Mas isso acaba influenciando a opinião das pessoas e decisões de um governo, que observa o que as pessoas pensam. Em seu discurso na Alemanha, ele voltou a falar de sustentabilidade, por exemplo — concluiu Balmer.

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