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Por Suhasini Raj, The New York Times — Nova Délhi

Quando as crianças indianas começaram o ano letivo nesta semana, alunos em milhares de salas de aula receberam novos livros didáticos que diluíram ou eliminaram detalhes importantes sobre a história, política e o passado da Índia — detalhes que o partido governante do primeiro-ministro Narendra Modi considera inconvenientes para sua visão nacionalista hindu do país.

As mudanças afetaram referências às ligações entre o extremismo hindu e o assassinato de Mohandas K. Gandhi (mais conhecido no Ocidente como Mahatma Gandhi); a fundação secular da Índia pós-colonial; e os distúrbios de 2002 em Gujarat, onde centenas de muçulmanos foram mortos em dias de violência retaliatória indiscriminada, quando Modi era o principal líder do estado. Capítulos sobre a história de Mughal, cobrindo centenas de anos de domínio muçulmano no país, também foram cortados ou removidos.

Entre as passagens excluídas dos textos de história e política apresentados a alunos do 12º ano do ensino básico estão:

— A “busca constante de Gandhi pela unidade hindu-muçulmana provocou tanto os extremistas hindus que eles fizeram várias tentativas de assassiná-lo”.

— Gandhi “era particularmente odiado por aqueles que queriam que a Índia se tornasse um país para os hindus, assim como o Paquistão era para os muçulmanos”.

— “Exemplos, como em Gujarat, nos alertam para os perigos envolvidos no uso de sentimentos religiosos para fins políticos. Isso representa uma ameaça à política democrática”.

As alterações, que estavam em discussão desde o ano passado antes de serem formalizadas no currículo recém-impresso, seguem outros esforços do Partido Bharatiya Janata (BJP) para apagar marcas proeminentemente muçulmanas na história e na política da Índia, incluindo a frequente mudança de nomes de ruas e cidades.

Os líderes do partido governista também tentaram minimizar os argumentos dos pais fundadores de por que a diversidade da Índia só poderia sobreviver sob um guarda-chuva secular, cooptando o legado de muitos líderes seculares enquanto pressionam para transformar a Índia em uma nação prioritariamente hindu.

Com essa campanha de divisão, o discurso de ódio antimuçulmano proliferou, locais sagrados foram contestados agressivamente e multidões de linchadores hindus mataram muçulmanos sob suspeita de abate ou transporte de vacas, que são consideradas sagradas no hinduísmo.

A interferência política na educação não é novidade para a democracia indiana. Sucessivos governos federais e estaduais tentaram utilizar a educação a seu favor, seja para promover uma agenda ideológica — como a interrupção de um programa de educação sexual em um estado governado pelo BJP — ou para autopromoção — incluindo um retrato brilhante de um oponente político de Modi em um livro escolar, na seção sobre um movimento de agricultores.

'Como isso é uma grande coisa?'

Dinesh Prasad Saklani, diretor do Conselho Nacional de Pesquisa e Treinamento Educacional, uma organização autônoma do Ministério da Educação que supervisiona o conteúdo dos livros didáticos, disse que as mudanças foram feitas para reduzir a carga sobre as crianças após a pandemia. Os capítulos foram removidos para evitar repetições e informações importantes foram condensadas, disse Saklani: — o que não afetará de forma alguma o conhecimento de uma criança.

Mesmo a remoção de palavras isoladas, disse ele, como aquela que identificou Nathuram Godse, o assassino de Gandhi, como um hindu de casta superior, foi realizada neste intuito.

— Quando a carga de conteúdo está sendo reduzida em tempos de tanto trauma, se os especialistas acharam que tal e tal coisa deveria ser removida, então foi [removido]. Como isso é uma grande coisa? Quero dizer, todos os brâmanes são assassinos? — disse Saklani, referindo-se a Godse. Os brâmanes estão no topo da hierarquia de castas e são um grande bloco eleitoral do partido de Modi.

Saklani disse que a organização educacional não tem nada a ver com o BJP ou o RSS, um poderoso grupo de direita que é a fonte ideológica do partido político de Modi. (Uma referência à proibição do RSS após o assassinato de Gandhi estava entre as partes apagadas.)

Reescrevendo a História

Membros de grupos afiliados do RSS comemoraram as mudanças nas redes sociais. “Nas mentes de crianças e estudantes, [um] esforço foi feito para estampar o sinal da escravidão e não as orgulhosas tradições da Índia”, disse Vinod Kumar Bansal, porta-voz do Vishwa Hindu Parishad, a um canal de notícias indiano.

Os partidos políticos da oposição, disse ele, “ensinaram a todos nós, glorificando a história do período escravo de Mughal. Antes tarde do que nunca. Este é um esforço para remover todos esses capítulos.”

O currículo prescrito pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Treinamento Educacional é usado pelo Conselho Central de Educação Secundária do governo, que tem mais de 20 mil escolas afiliadas, tanto públicas quanto privadas, em toda a Índia. Seus livros didáticos também são amplamente utilizados como material de estudo para exames de cargos altamente cobiçados na burocracia indiana.

Os críticos argumentaram que as mudanças nos livros didáticos poderiam dar aos alunos uma impressão distorcida da história da Índia, já que Modi se ligou ao legado de Gandhi, mesmo quando outros líderes do establishment do governo rejeitem os princípios de Gandhi, e a forma como Godse passou a ser reverenciado por alguns grupos, com um membro do BJP no Parlamento o chamando de patriota.

— O assassinato de Gandhi é um momento fundamental de nossa história e ainda estamos sofrendo [com isso] —, disse Prabhu Mohapatra, professor de história indiana moderna na Universidade de Délhi. — Como saberíamos os detalhes exatos e o contexto de por que Gandhi foi morto, senão primeiro na escola? — acrescentou.

Ao extrair material dos livros didáticos, disse ele, “a narrativa histórica mudou”.

A mudança no currículo foi objeto de amplo debate na mídia indiana, já que os livros recém-impressos foram oficialmente disponibilizados nesta semana. Um jornal, The Indian Express, que noticiou extensivamente sobre o suave plano de lançamento das mudanças no ano passado, foi contundente em um editorial na quinta-feira.

“As recentes revisões convidam à acusação de que o governo não apenas deseja escapar de fatos desagradáveis, mas também quer garantir que os estudantes não se envolvam com as realidades sociais e políticas com uma atitude crítica”, disse o jornal.

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