Uma carta assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo entregue — em alguns casos em mãos — aos presidentes sul-americanos para convidá-los oficialmente para participar de um "retiro" de chefes de Estado da região em Brasília, em 30 de maio.
O formato escolhido pelo governo brasileiro, confirmaram fontes envolvidas na organização, tem a intenção de criar um ambiente íntimo, no qual os chefes de Estado possam conversar, sem interrupções e grandes delegações por perto, sobre a ideia do Brasil de reativar a União de Nações Sul-americanas (Unasul), entre outros temas da agenda regional.
Na carta, a cujo conteúdo O GLOBO teve acesso, o presidente brasileiro defende a necessidade de revitalizar a integração na América do Sul; pede que diferenças sejam deixadas de lado em nome de um destino comum; fala da necessidade de cooperar em matéria de defesa, saúde e infraestrutura, entre outros temas; menciona os desafios geopolíticos do mundo atual, a importância de buscar soluções coletivas, e de reposicionar a América do Sul como ator no tabuleiro global; diz ser imperioso que os países da região voltem a conceber a América do Sul como uma região de paz e cooperação; e pede que todos se sentem à mesa e dialoguem com transparência e espírito construtivo.
O Brasil se retirou da Unasul, por decreto, durante o governo de Jair Bolsonaro e retornou em março passado, por outro decreto do governo Lula. O Brasil entrou formalmente no bloco em 2011, quando o Congresso aprovou o tratado internacional que formaliza sua incorporação e que nunca deixou de estar vigente.
O formato de “retiro”, mencionado por Lula no texto, é utilizado em cúpulas presidenciais quando existe a necessidade de promover uma conversa reservada entre os participantes. A dinâmica do retiro, explica uma fonte diplomática, é menos estruturada do que grandes plenários, e propicia encontros mais diretos entre os chefes de Estado.
Alguns presidentes já receberam a carta de Lula, entre eles o colombiano Gustavo Petro, que esteve esta semana com o Assessor Especial da Presidência brasileira, Celso Amorim, em Bogotá, no âmbito de um encontro convocado pelo governo da Colômbia para discutir o processo de diálogo — atualmente suspenso — entre o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e a oposição de seu país.
Amorim, que representa o Brasil nos esforços por contribuir com o processo político venezuelano, teve um encontro a sós com Petro, no qual entregou a carta do presidente brasileiro e, segundo confirmou, também fez um convite em nome do Brasil para que o presidente colombiano faça uma visita bilateral ao país. O presidente colombiano aceitou, e ambos conversaram, ainda, sobre meio ambiente, comércio e outros temas bilaterais.
Outras cartas serão entregues pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que semana que vem visitará Quito e La Paz, onde se reunirá com os presidentes Guillermo Lasso e Luis Arce, respectivamente. Convencer o presidente equatoriano a participar do retiro em Brasília não será fácil por suas divergências — incontornáveis, segundo fontes equatorianas — com o governo de Maduro.
O convite para o retiro sul-americano ainda não chegou ao Palácio de Miraflores, confirmaram fontes venezuelanas, mas no último dia 25 de abril esteve em Caracas o ex-chanceler Luiz Alberto Figueiredo Machado, atual Embaixador Extraordinário para Mudanças Climáticas, que foi recebido por Maduro no palácio presidencial.
No encontro, disseram as mesmas fontes venezuelanas, o embaixador brasileiro entregou ao chefe de Estado venezuelano o convite para participar da cúpula de países amazônicos, que será realizada no início de agosto, em Belém. Maduro, asseguraram as fontes, confirmou sua presença. O Palácio do Planalto também conta com a participação do presidente venezuelano na reunião de 30 de maio, afirmaram fontes brasileiras. As limitações logísticas que surgiram na época da posse do presidente Lula — cerimônia na qual Maduro acabou não comparecendo —, garantem as fontes, foram superadas.
Na época da posse, o presidente venezuelano avaliou a possibilidade de viajar a Brasília, mas acabou desistindo na última hora — depois de o novo governo ter conseguido que fosse anulada uma portaria de 2019 que proibia a entrada de Maduro ao Brasil.
O problema foi que a empresa responsável pelo abastecimento do avião presidencial venezuelano não conseguiu garantir o reabastecimento em solo brasileiro, pelas sanções impostas pelos Estados Unidos a companhias que se relacionem com a Venezuela. Desta vez, afirmaram fontes venezuelanas, não deve surgir o mesmo problema. As fontes não entraram em detalhes, mas asseguraram que, se Maduro será convidado, é porque desta vez a logística não será um obstáculo. Se o avião presidencial venezuelano sair do estado Bolívar, na fronteira com o Brasil, por exemplo, teria combustível suficiente para ir e voltar de Brasília.
Além do Equador, o Paraguai será outro país difícil de convencer. O governo do presidente Mario Abdo Benítez, que está de saída (o país terá eleições presidenciais no próximo domingo), é um dos mais duros críticos do governo venezuelano. Mas o governo Lula está confiante e pretende discutir com os vizinhos da região, além da volta da Unasul, outros temas, entre eles a guerra na Ucrânia.
O Brasil, disseram fontes envolvidas na organização do encontro, quer ouvir as posições dos diferentes países e, também, explicar a própria. Pensar numa posição comum sobre o conflito é complexo, já que a Venezuela tem uma visão claramente pró-Rússia, e outros países, como o Chile de Gabriel Boric, e o Uruguai, de Luis Lacalle Pou, estão mais próximos da posição dos Estados Unidos e da União Europeia. Entre estes países, recentes declarações do presidente Lula sobre a guerra causaram certa perplexidade.
O retiro do final de maio também deverá incluir algumas reuniões bilaterais entre Lula e presidentes da região. O colombiano Petro já pediu um encontro com o presidente brasileiro, e existe uma forte expectativa de conversa entre Lula e Maduro — pendente desde janeiro, quando o venezuelano cancelou sua presença na cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos, em Buenos Aires.
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