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Por Marcelo Ninio e Ana Rosa Alves — Xangai e Rio

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve na manhã desta quinta-feira (madrugada no Brasil) seu primeiro compromisso em sua viagem oficial à China. Em um discurso bastante político na cerimônia de posse da ex-presidente Dilma Rousseff como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), em Xangai, o petista afirmou que o "Brasil voltou depois de uma ausência inexplicável".

Por aproximadamente meia-hora, o petista discursou afinado com a reforma do sistema global de governança que está na origem da criação do Brics — e cada vez mais defendido por Pequim. O Banco dos Brics — grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, disse ele, se tornará o grande banco do mundo em desenvolvimento, antes de argumentar a favor do fim da dolarização no comércio entre os países-membros.

— Toda noite me pergunto porque todos os países precisam fazer seu comércio lastreado no dólar. Por que não podemos fazer comércio lastreado na nossa moeda? Por que não podemos ter o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda depois que o ouro desapareceu como paridade? Por que não foi o yen? Por que não foi o real, o peso? Porque as nossas moedas eram fracas, não tinham valor em outros países — disse Lula.

Em discurso na China, Lula diz que Brasil 'está de volta após ausência inexplicável'

Em discurso na China, Lula diz que Brasil 'está de volta após ausência inexplicável'

O presidente disse que "se tem uma coisa que chinês sabe ter é paciência", alertando que é necessário ter calma, mas que a hesitação referente ao abandono da dolarização tem outras causas. Em janeiro, os Bancos Centrais do Brasil e da China já haviam assinado um acordo para permitir comércio e investimentos em suas moedas, mas o petista foi além e defendeu a criação de uma divisa dos Brics:

— Por que um banco como o dos Brics não pode ter uma moeda para financiar relações comerciais entre Brasil e China, entre Brasil e outros países dos Brics? É difícil porque tem gente mal acostumada a depender de uma só moeda. E eu acho que o século XXI pode mexer com a nossa cabeça.

O ponto também foi defendido por Dilma durante seu discurso de posse no organismo multilateral, assumindo oficialmente o posto até então ocupado pelo diplomata Marcos Troyjo, que havia sido nomeado pelo governo de Jair Bolsonaro. O Banco dos Brics, disse ela, está em uma "posição única" para liderar o desenvolvimento compartilhado de seus membros:

— A crescente importância dos Brics é um reflexo do papel de seus integrantes como líderes globais e de sua capacidade de se unir para encarar os maiores e mais urgentes desafios da atualidade — afirmou. — Buscaremos financiar nossos projetos em moedas locais, privilegiando os mercados domésticos e diminuindo a exposição às variações cambiais.

Dilma começou no cargo no dia 28 de março, mas a cerimônia oficial foi realizada nesta quinta para Lula pudesse participar. Sua visita à China estava originalmente marcada para o mês passado, ainda nos cem primeiros dias de governo, mas foi adiada devido a um quadro de pneumonia leve.

Lula, ainda assim, desembarcou em Xangai no 102º dia do seu terceiro mandato, sinal da enorme importância das relações entre Brasília e Pequim — desde 2009, os chineses são os maiores parceiros comerciais do Brasil. Em 2022, a China importou mais de US$ 89,7 bilhões em produtos brasileiros, especialmente soja e minérios, e exportou quase US$ 60,7 bilhões para o mercado nacional. O volume comercializado, US$ 150,4 bilhões, cresceu 21 vezes desde a primeira visita de Lula ao país, em 2004.

Cooperação Sul-Sul e críticas ao FMI

Lula foi o primeiro chefe de Estado brasileiro a visitar o Banco dos Brics — organização que engloba também Bangladesh, Egito, Emirados Árabes Unidos e Uruguai —, cujo fim é promover investimentos, para financiar obras e projetos em países parceiros. Desde a criação em 2015 até o final do ano passado, o banco dos Brics aprovou cerca de U$ 32,8 bilhões destinados a 96 projetos (entre aprovados e aguardando aprovação) em duas grandes áreas: infraestrutura e desenvolvimento sustentável.

Desde 2016, o Brasil teve US$ 6 bilhões em projetos aprovados, segundo levantamentos do banco e, antes da posse de Dilma, Lula teve uma reunião com o comando da organização. A iniciativa, disse ele, "mostra que a união de países emergentes é capaz de gerar mudanças sociais e econômicas relevantes para o mundo" e "reúne todas as condições para se tornar o grande banco do Sul Global".

O Banco dos Brics é uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a quem acusou de "asfixiar" a economia de países em desenvolvimento com seus termos para empréstimos e ajuda. Os países pobres, defendeu o petista, devem poder assumir dívidas desde que elas fomentem o crescimento:

— Os bancos tem ter paciência e, se for preciso, renovar acordos e pôr a palavra tolerância em cada renovação — disse Lula. — Não cabe a um banco ficar asfixiando a economia de um país como o FMI está fazendo agora na Argentina, como fizeram com o Brasil por tanto tempo e como fizeram com países de terceiro mundo.

A ajuda, afirmou Lula, é importante frente às necessidades de combate à pobreza e à fome e de se adaptar e mitigar os impactos da crise climática. As necessidades, disse ele, são enormes, e as instituições financeiras tradicionais não dão conta do desafio, apontando para o resgate que o governo suíço fez do banco Credit Suisse:

— É esse mundo que nós temos que enxergar, que ver. Não esse mundo obscuro de pessoas que parecem gênios e quando quebra, como quebrou o Lehmann Brothers em 2008, quem tem que arcar com as contas é o Estado. Com a quebra do Credit Suisse, que dava lição de sabedoria em todos os países do mundo, quem teve que salvar o banco foi o governo da Suíça pondo 8% do PIB do país — afirmou Lula.

Lula, que foi a Washington em fevereiro, tem ainda na China uma vocal e forte aliada na sua defesa de uma reforma do sistema global de governança — uma das prioridades da política externa do presidente Xi Jinping. Os países dos Brics, afirmou o petista, "não querem ser melhor do que ninguém", mas sim "oportunidades para expandirmos nossas potencialidades, e garantir aos nossos povos dignidade, cidadania e qualidade de vida".

— Além de continuar trabalhando pela reforma efetiva da ONU, do FMI e do Banco Mundial, e pela mudança das regras comerciais, precisamos utilizar de maneira criativa o G20 (que o Brasil presidirá em 2024) e o Brics (que conduziremos em 2025) com o objetivo de reforçar os temas prioritários para o mundo em desenvolvimento na agenda internacional — disse o presidente brasileiro.

'Brasil está de volta'

O petista foi aplaudido ao afirmar que o Brasil está de volta no cenário internacional após quatro anos de rechaço a organismos multilaterais sob o comando de seu antecessor, Jair Bolsonaro. A passagem do ex-presidente pelo Planalto foi marcada inclusive por uma relação conflituosa com Pequim, a maior parceira comercial brasileira, particularmente durante o período do ex-chanceler Ernesto Araújo à frente do Itamaraty.

Na parte final de seu pronunciamento, o petista rechaçou o que classificou como uma cultura de ódio, afirmando que "além da política, vamos ter cuidar da nossa alma, voltar a ser generosos" para derrotar uma cultura de "individualismo que toma conta da Humanidade":

— Nós inclusive temos uma tarefa nova, que não tínhamos há dez anos, que é combater o ódio que estava congelado, que pensávamos que não existia mais. Além de cuidar de tudo, ainda temos que cuidar da cabeça da Humanidade que está sendo transformada. Acho que estamos sendo tratados como algoritmo, e é preciso que o humanismo reaja.

Lula, que durante a cerimônia no Banco dos Brics sentou-se entre Dilma e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), partiu em seguida para uma visita ao showroom da gigante tecnológica chinesa Huawei — compromisso que pode irritar os EUA frente às tensões sino-americanas. Depois, deve se encontrar também com representantes da montadora chinesa BYD, que está em tratativas com o Brasil para retomar da antiga fábrica da Ford, em Camaçari, na Bahia.

Ainda nesta quinta, Lula se reunirá com Chen Jining, chefe do Partido Comunista da China em Xangai, e o viajará para Pequim. Na sexta, dia mais importante da visita, terá umc encontro com o presidente chinês, Xi Jinping, e a assinatura de cerca de vinte acordos.

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