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Por Fernando Peinado, El País — Sevilha

Nas primeiras horas da manhã, o bairro de Santa Cruz ainda lembra o mesmo recanto tradicional do passado, no coração da cidade espanhola de Sevilha, com crianças indo para a escola, em meio ao labirinto de ruas históricas. O cenário logo se transforma com a chegada da multidão de turistas que invade, todos os dias, as vias do bairro, endereço da imponente torre Giralda e um dos pontos mais visitados da cidade. A procura é tanta que, aos poucos, os visitantes estão substituindo a população local.

Uma pesquisa da Associação de Empresas de Turismo Exceltur mostrou que, em novembro, o número de imóveis destinados ao turismo no bairro correspondia a 61,2% do total de 1.015 moradias. É o bairro com maior percentual de residências destinadas a visitantes entre as seis cidades com maior número de casas e apartamentos turísticos na Espanha (além de Sevilha, Barcelona, Madri, Málaga, San Sebastián e Valência).

 Bairro de Santa Cruz, antigo bairro judeu da Sevilha medieval, na Andaluzia, na Espanha. — Foto: Eduardo Maia/O Globo
Bairro de Santa Cruz, antigo bairro judeu da Sevilha medieval, na Andaluzia, na Espanha. — Foto: Eduardo Maia/O Globo

A Exceltur contratou a consultoria americana AirDNA que rastreou os anúncios ativos das plataformas de aluguel de imóveis para turistas AirBnb e Vrbo. A pesquisa mostrou que, no bairro, o número aumentou de 513 em março de 2022 para 633, no mês passado.

Os antigos moradores do bairro de Santa Cruz se ressentem com a invasão dos “guiris” (gíria para turistas estrangeiros) e entendem que ficar é um movimento de resistência contra uma força mais poderosa: o dinheiro. Muitos são proprietários mais velhos e com filhos adultos que forma embora e não querem mais voltar para o bairro. Do outro lado, estão os investidores ávidos em adquirir os imóveis para disponibilizar nas plataformas de turismo, que oferecem rentabilidade maior do que o aluguel normal.

Raros moradores

Não é fácil reconhecer um morador em meio às ruas cheias. Uma comerciante local aponta um deles:

— Ali vem um, olá vizinho! — chama.

 Bairro de Santa Cruz, antigo bairro judeu da Sevilha medieval, na Andaluzia, na Espanha. — Foto: Eduardo Maia/O Globo
Bairro de Santa Cruz, antigo bairro judeu da Sevilha medieval, na Andaluzia, na Espanha. — Foto: Eduardo Maia/O Globo

O homem que responde ao aceno é Rafael Cómez, de 73 anos, professor de História na Universidade de Sevilha e morador do bairro há 12 anos, quando herdou uma casa da família.

— Os apartamentos turísticos acabaram com o bairro. É um processo sem volta porque os moradores estão mudando para a periferia — diz.

O professor de História se diz pessimista sobre o futuro do bairro, que já foi um local onde conviviam famílias de classe baixa e alta e com comércio variado. Hoje, o que se vê é a propagação de bares e lojas de souvenirs. Ele mora na "rua dos beijos", conhecida assim porque mede pouco mais de um metro de largura e, supostamente, os vizinhos costumavam ir à varanda para se cumprimentar. Em frente à janela, hoje, ele vê um apartamento alugado para turistas.

Alguns moradores tomaram medidas desesperadas, como a dona de uma das casas mais fotografadas do bairro que anunciou uma “greve de gerânios” e retirou as flores da sacada em protesto contra o fluxo de guias de turismo. Outra moradora cobriu um azulejo com tinta com o mesmo objetivo.

 Bairro de Santa Cruz, antigo bairro judeu da Sevilha medieval, na Andaluzia, na Espanha. — Foto: Eduardo Maia/O Globo
Bairro de Santa Cruz, antigo bairro judeu da Sevilha medieval, na Andaluzia, na Espanha. — Foto: Eduardo Maia/O Globo

A presidente da associação de moradores do bairro de Santa Cruz diz que o grupo conseguiu alguns avanços, como evitar que os guias usem megafones.

— Não queremos ser uma nova Veneza — diz ela, que logo se mostra desanimada:

— O futuro é incerto porque nossos filhos mudaram para bairros mais cômodos e é difícil que voltem. Entendo que o prognóstico é de redução da população local, isso é claro — prevê.

'Cidade Donut'

Cláudia Schwab, professora de alemão de 46 anos é casada com um andaluz e chegou ao bairro há quase uma década. Ela diz que o sentido de viajar é buscar experiências autênticas, entre pessoas do lugar, o que não ocorre no bairro.

— Lendo sobre esse problema em outras partes da Europa descobri o conceito de “cidades donut”, que têm um centro onde ninguém mora. É isso que queremos? — pergunta.

Há moradores que reclamam também de aluguéis ilegais para turistas. Rocío Castillo e Guillermo Marín brigam na justiça há 14 anos contra apartamentos do prédio em que vivem que dizem ter sido divididos, para acomodar mais hóspedes, sem cumprir normas urbanísticas. O casal diz que convive com pessoas alcoolizadas nos corredores e que chegaram a tropeçar em um casal fazendo sexo na escada do prédio.

— Pensamos em vender várias vezes, com dor na alma — diz Marin, que é proprietário com a esposa de um Hotel no litoral espanhol e defende que um outro tipo de turismo é possível.

O proprietário do imóvel mencionado pelo casal é Hilario Echevarría, presidente da associação de imóveis turísticos Apartsur, que não quis falar sobre o caso e disse apenas que seu advogado iria ler a reportagem.

Outra queixa dos moradores é sobre os bares que não cumprem os limites de mesas no exterior e transformam ruas históricas em enormes restaurantes ao ar livre. O barulho dos clientes e dos músicos de rua que tocam flamenco em alto som é insuportável, na casa da enfermeira aposentada Ángeles Romero, de 64 anos.

— Já sei o repertório de cor — afirma resignada.

Da janela da aposentada, se vê a Giralda, uma vista de cartão postal da torre que, em um futuro próximo, pode se tornar um dos poucos endereços do bairro de Santa Cruz onde os turistas não possam passar a noite.

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