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Por Alice Cravo e Eliane Oliveira — Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificou como "histórico" o encontro que manteve nesta segunda-feira com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que foi recebido no Palácio do Planalto com todos os trâmites de uma cerimônia oficial de visita de chefe de Estado. Durante declaração conjunta à imprensa, Lula fez fortes críticas aos EUA pelo embargo econômico ao país vizinho, afirmando que as sanções econômicas são "pior do que uma guerra", e chamou de "narrativas" as acusações de que a Venezuela não vive sob um regime democrático.

Os elogios de Lula a Maduro vão de encontro ao que afirmam ONGs e organismos internacionais. Dados da Anistia Internacional e das Nações Unidas mostram que o governo venezuelano viola os direitos humanos e é suspeito de crimes contra a humanidade. Segundo essas entidades, são constantes as agressões a ativistas de direitos humanos, jornalistas e líderes indígenas. Estima-se que existam pelo menos 300 presos políticos no país que, ao mesmo tempo, enfrenta elevados índice de inflação, pobreza e desemprego.

— Maduro não tem dólar para pagar suas importações. É culpa dele? Não. É culpa dos EUA, que fizeram um bloqueio extremamente exagerado. Sempre acho que o bloqueio é pior do que uma guerra. A guerra, normalmente, morre soldado que está em batalha. Mas o bloqueio mata criança. Mata mulheres, mata pessoas que não têm nada a ver com a disputa ideológica em jogo — afirmou.

Os EUA aliviaram parcialmente as sanções às exportações de petróleo venezuelano no ano passado após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Em abril deste ano, o vice-conselheiro de Segurança Nacional americano, Jon Finer, disse que o governo de Joe Biden está preparado para suspender gradualmente todas as sanções, caso o país avance para realizar eleições justas no ano que vem. Desde 2019, cerca de US$ 3 bilhões (R$ 15 bilhões) do país estão congelados em bancos do Reino Unido, Estados Unidos, Portugal e França, como parte das sanções internacionais.

Lula afirmou que a visita de Maduro ao país é um "momento histórico" e que o Brasil recuperou o direito de fazer "política com seriedade" ao abrir um canal de diálogo com a Venezuela.

— Queria dizer aos meus amigos do Brasil, à imprensa brasileira, a alegria deste momento histórico. Depois de oito anos, o presidente Maduro volta a visitar o Brasil, e nós recuperamos o direito de fazer política de relações internacionais com a seriedade que sempre fizemos, sobretudo com os países que fazem fronteira com o Brasil — afirmou. — A Venezuela sempre foi parceiro excepcional do Brasil, mas por conta das contingências políticas, dos equívocos, o presidente Maduro ficou oito anos sem vir ao Brasil, o Brasil ficou muito tempo sem ir à Venezuela.

Maduro não vinha ao país desde 2015, quando participou da posse do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, que sofreu impeachment no ano seguinte. Sua presença no país não era permitida desde agosto de 2019, quando uma portaria editada pelo então presidente Jair Bolsonaro proibia o ingresso no país do líder venezuelano e de outras autoridades do vizinho latino-americano.

Segundo Lula, houve uma queda para menos de um terço na relação comercial Brasil e Venezuela, argumentando que é necessário recuperar a corrente de comércio entre os dois países.

— A gente tinha uma relação comercial que teve um fluxo de praticamente US$ 6,6 bilhões (R$ 33 bi) e hoje tem pouco menos que US$ 2 bilhões (R$ 10 bi). Isso é ruim para a Venezuela e para o Brasil. Porque o comércio extraordinário é aquele que tem mais ou menos funcionado como se fosse uma via de duas mãos. A gente vende e a gente compra — afirmou Lula.

Maduro agradeceu o convite do presidente brasileiro e também exaltou o encontro, que classificou como o início de uma "nova época" para a Venezuela na região.

— Hoje se abre uma nova época, e temos frente a nós a construção de um novo mapa de colaboração conjunta que possa abranger a todas as áreas da economia, comércio, educação, saúde, cultura, agro, e que possa abranger as áreas de relacionamento horizontal entre os povos, permitindo um diálogo franco, direto e permanente entre os governos do Brasil e da Venezuela — afirmou o venezuelano. — A Venezuela hoje está preparada para que retomemos as nossas relações, isso junto aos investidores e empresários brasileiros. A Venezuela está de portas abertas e com plenas garantias ao empresariado.

Críticas à Europa por apoiar 'impostor'

Durante o encontro, Lula também afirmou que era difícil "conceber" que o Brasil tenha ficado tantos anos sem diálogo com a Venezuela e que achava a coisa "mais absurda do mundo" o não reconhecimento de Maduro como presidente por aqueles que "defendem a democracia".

— Achava a coisa mais absurda do mundo que pessoas que defendem a democracia negassem que você era presidente da Venezuela tendo sido eleito pelo povo, e o cidadão que foi eleito para ser deputado fosse reconhecido como presidente da Venezuela — afirmou.

Lula se referia ao dirigente opositor Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido como presidente interino pelos EUA e mais 50 países, incluindo o Brasil durante o governo de Bolsonaro, do início de 2019 a janeiro de 2023. Mas, após uma tentativa fracassada de tirar Maduro do poder a qualquer custo, o opositor acabou perdendo legitimidade interna e externamente.

Lula afirmou que teve muitas discussões com "companheiros europeus" sobre o assunto:

— Em muitas discussões com os meus companheiros europeus, dizia que não compreendia como um continente, que conseguiu exercer a democracia tão plena como a Europa exerceu quando construiu a União Europeia, poderia aceitar a ideia de que um impostor pudesse ser presidente da República por não gostarem do presidente eleito. E o preconceito continua ainda. Você tem clareza que o preconceito contra a Venezuela é muito grande.

'Narrativas' contra a Venezuela

Apoiado por Maduro, Lula chamou de "narrativas" as acusações de ditadura no país.

— O Maduro sabe a narrativa que construíram contra a Venezuela durante tanto tempo, essa narrativa durante muitos anos o [assessor especial da Presidência e ex-chanceler] Celso Amorim andava pelo mundo explicando que não era do jeito que as pessoas diziam que era — afirmou Lula.

Maduro, por sua vez, em defesa da união dos países da América do Sul, afirmou que não era possível deixar que "ideologias intolerantes, extremistas e excludentes" se imponham.

— Não podemos deixar que as ideologias intolerantes se imponham, as ideologias extremistas, excludentes. Ou você pensa como eu, ou você vai embora daqui, você não está conosco. Isso é uma ideologia intolerante, extremista, excludente. E sobre essa base jamais poderemos construir uma união necessária frente a diversidade da nossa América.

Um interlocutor do governo brasileiro defendeu o posicionamento de Lula. Essa fonte disse que, para selecionar quem é ou não é democrata para se relacionar com o Brasil, deve-se levar em conta que outros países mais distantes, como a Arábia Saudita e a China, são ditaduras que contam a parcerias de países ocidentais.

Lula ainda defendeu a entrada da Venezuela no Banco dos Brics, bloco formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África o Sul. O banco hoje é presidido pela ex-presidente Dilma.

— Primeira reunião oficial dos Brics que vou participar depois de oito anos. Tem várias propostas de outros países que querem entrar nos Brics. Nós vamos discutir, porque não depende da vontade do Brasil. Depende da vontade de todos. A gente vai discutir. Se houver um pedido oficial, esse pedido será oficialmente levado para os Brics e lá decidiremos. Se você perguntar a minha vontade, eu sou favorável.

Maduro reafirmou sua vontade de fazer parte do bloco e comemorou a possibilidade de entrada da Arábia Saudita.

Aproximação

No início de março, por iniciativa de Lula, uma pequena delegação liderada por Amorim foi a Caracas para o primeiro encontro de alto nível do governo com Maduro sobre a situação política no país, a importância das eleições presidenciais de 2024, além de temas da relação bilateral, entre eles a dívida que o país tem com o Brasil, de cerca de US$ 1 bilhão (dos quais 80% são com o BNDES).

Nesta segunda, Lula recebeu o chefe de estado venezuelano seguindo o protocolo de visitas oficiais. Maduro subiu a rampa do Palácio do Planalto ao lado da sua esposa, Cilia Flores, e foi recebido por Lula e pela primeira-dama Janja da Silva.

De lá, os dois seguiram para uma reunião privada no gabinete de Lula. Na sequência, participaram de uma reunião com membros do governo brasileiro, incluindo ministros de Estado e da comitiva de Maduro.

Estavam presentes na reunião, além do presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin; o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Celso Amorim; além dos ministros Paulo Pimenta (Secom), Carlos Fávaro (Agricultura), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Fernando Haddad (Fazenda), Alexandre Silveira (Minas e Energia), e o secretário- executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli.

As primeiras-damas Janja da Silva e Cilia Flores também estavam na reunião. Na parte da tarde, os dois estiveram no Itamaraty, onde o governo brasileiro oferecerá um almoço ao presidente venezuelano.

Lula e Maduro ainda devem assinar um Memorando de Entendimento em matéria agroalimentar e um segundo sobre mecanismo de supervisão da cooperação bilateral.

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