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Por Cora Engelbrecht, The New York Times — Kiev

A Rússia declarou vitória em seu devastador ataque de quase um ano contra Bakhmut, no Leste ucraniano, e os mercenários do grupo Wagner começaram a se retirar. A Ucrânia, cujas forças tiveram pequenos avanços nos arredores da cidade, sinalizou que agora está centrada em dificultar que Moscou mantenha o controle da região.

Independentemente do que venha a seguir, o revés para os ucranianos em Bakhmut é um momento significativo na invasão russa da Ucrânia e o primeiro sucesso militar de Moscou em cerca de 10 meses. Kiev diz que um pequeno número de soldados ainda está na região, mas na prática admite que a intensa e sangrenta batalha pela cidade está encerrada.

Depois que Moscou lançou seu ataque contra Bakhmut, a cidade se tornou palco do combate urbano mais letal e prolongado da Europa desde a Segunda Guerra Mundial, com dezenas de milhares de baixas estimadas em ambos os lados.

Se analistas militares dizem que Bakhmut tem pouca importância estratégica, Moscou e Kiev não hesitaram em suas justificativas para o confronto prolongado — ambos lados creem que a disputa foi vital para enfraquecer o adversário. Veja a seguir um panorama da batalha pela cidade e o que ela pode significar para o futuro da guerra.

Onde fica Bakhmut?

A cidade de 41 km² , lar de aproximadamente 70 mil pessoas antes de a guerra eclodir em fevereiro do ano passado, fica na região industrial conhecida como Donbass, no Leste ucraniano. Cercada por campos de girassóis e minas de sal, Bakhmut era há tempos conhecida por uma fábrica de espumante onde milhões de garrafas envelheciam no subsolo em cavernas de gipsita.

Meses de bombardeios — seguidos por intensas batalhas de rua, onde os soldados muitas vezes lutavam quarteirão a quarteirão conforme os russos se aproximavam — reduziram ruas arborizadas e prédios residenciais a um terreno baldio urbano. Todos, exceto alguns milhares de residentes, fugiram. Os estragos são tão graves que Bakhmut já foi comparada a Aleppo, a cidade síria arrasada na guerra civil que já dura 12 anos.

O que aconteceu?

No sábado, o chefe do grupo paramilitar russo Wagner disse que seus mercenários haviam capturado Bakhmut. No dia seguinte, o Ministério da Defesa do Kremlin declarou que a cidade havia caído, dando crédito parcial às forças de Wagner.

Por um tempo, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e seus militares insistiram que a luta continuava. Na segunda, contudo, a vice-ministra de Defesa ucraniana, Hanna Maliar, essencialmente reconheceu que a cidade tinha sido perdida: segundo ela, os russos estavam "passando o esfregão" para tirar os soldados ucranianos que restavam nas ruínas.

Por que Putin queria capturar Bakhmut?

Bakhmut foi um dos principais alvos de Moscou no Leste da Ucrânia, com as autoridades russas considerando a cidade como o prêmio necessário na campanha para tomar toda a bacia do Donbass.

Mulher caminha em frente à prédio destruído em Bakhmut, praticamente esvaziada em dezembro — Foto: Tyler Hicks/NYT
Mulher caminha em frente à prédio destruído em Bakhmut, praticamente esvaziada em dezembro — Foto: Tyler Hicks/NYT

Mas a cidade em si não é particularmente valiosa em termos militares, de acordo com autoridades americanas. Washington crê que o compromisso inabalável de Moscou em tomá-la da Ucrânia era indicação do desespero russo por uma vitória no campo de batalha após meses de perdas e retiradas nas frentes nordeste e sul.

Ainda assim, a Rússia levou muito mais tempo para capturar Bakhmut do que vários analistas projetavam. A vitória demonstrou a capacidade de Moscou de destruir o território ucraniano, organizando seu poder de fogo superior e táticas de terra arrasada. Os russos recorreram também à onda após onda de soldados para esmagar as forças ucranianas, apesar dos enormes custos materiais e humanos.

Por que Bakhmut foi importante para a Ucrânia?

Zelensky defendeu os esforços de seus militares para manter Bakhmut mesmo enquanto as perdas aumentavam. De acordo com ele, a batalha ajudou a enfraquecer as forças russas e as impediu de avançar mais a fundo no Leste da Ucrânia.

A Ucrânia usou soldados da guarda nacional e da guarda de fronteira para defender o perímetro da cidade. Nos últimos meses, recorreu a soldados de combate mais experientes, à medida que seu domínio sobre Bakhmut enfraquecia. Militares lutaram combates corpo a corpo em prédios abandonados, porões e trincheiras, com milhares estacionados em campos e aldeias ao redor.

Soldados ucranianos cavam trincheiras em Bakhmut em dezembro — Foto: Tyler Hicks/NYT
Soldados ucranianos cavam trincheiras em Bakhmut em dezembro — Foto: Tyler Hicks/NYT

A defesa tenaz evitou ondas recorrentes de ataques russos para cercar e capturar a cidade. Zelensky referia-se a Bakhmut como a "fortaleza" da Ucrânia. "Hold Bakhmut" ("matenham Bakhmut", em português) tornou-se um grito de guerra nacional.

A familiaridade das tropas ucranianas com os labirintos de ruínas e esconderijos limitou a capacidade russa de tirar proveito total de suas armas e artilharias superiores. E, ao prolongar a batalha, os militares da Ucrânia buscaram ganhar tempo para conseguir mais munição e armas dos aliados ocidentais, almejando preparar suas tropas para a contraofensiva prevista para as próximas semanas.

Quantos morreram em Bakhmut?

Embora não haja uma estimativa confiável, as perdas em ambos os lados foram enormes, especialmente frente à quantidade mínima de território que trocou de mãos. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse no fim de semana que cerca de 100 mil soldados russos foram mortos ou feridos na batalha. A Ucrânia também sofreu perdas substanciais.

Do lado russo, o crescente número de mortos refletiu o uso pelo Kremlin de ondas de soldados — incluindo novos recrutas pouco treinados e ex-presidiários que se juntaram ao grupo paramilitar Wagner — para montar ataques terrestres quase suicidas para testar as defesas ucranianas.

Soldados ucranianos feridos por ataque russo recebem tratamento em Bakhmut — Foto: Finbarr O'Reilly/NYT
Soldados ucranianos feridos por ataque russo recebem tratamento em Bakhmut — Foto: Finbarr O'Reilly/NYT

O fundador do Wagner, Yevgeny Prigojin, disse em uma entrevista na terça que perdeu 20 mil soldados, metade deles ex-presidiários, apenas em Bakhmut. A outra metade era de recrutas profissionais, de quem o Wagner foi forçado a depender pois sua brigada de prisioneiros mal treinada fora prejudicada pelas perdas. Paraquedistas russos e soldados das forças especiais também se juntaram à luta nos últimos meses.

Um porta-voz do Departamento de Estado americano disse que os Estados Unidos acreditam que a conta de Prigojin subestima significativamente o cenário real. Embora os ucranianos não tenham divulgado suas próprias perdas, médicos que operam na linha de frente disseram que, no auge dos combates, foram diariamente sobrecarregados por soldados feridos.

Como o revés da Ucrânia em Bakhmut muda as coisas?

Uma vitória completa da Rússia em Bakhmut pode ser amplamente simbólica. A cidade é menor do que outras áreas urbanas no Donbass que o Kremlin tentou reivindicar e, embora esteja perto de algumas rodovias importantes, Bakhmut pode não necessariamente ser um trampolim para as forças russas avançarem mais na região.

Os planos de Moscou para uma nova ofensiva no Leste da Ucrânia fracassaram durante o inverno no hemisfério norte, com um ataque de tanques ucranianos em Vuhledar, importante para a mineração de carvão. Também conseguiram manter a cidade de Avdiivka apesar do bombardeio implacável.

Como há 10 meses, quando a Rússia tomou as cidades de Severodonetsk e Lysychansk apenas depois de prolongadas e mortais batalhas, a defesa ucraniana de Bakhmut pode ter prejudicado a capacidade da Rússia de tomar mais território em curto prazo.

Soldados ucranianos em bunker em Bakhmut — Foto: Finbarr O'Reilly/NYT
Soldados ucranianos em bunker em Bakhmut — Foto: Finbarr O'Reilly/NYT

Analistas dizem que a Rússia perdeu tanto em suas tentativas de proteger Bakhmut que parece improvável que consiga mobilizar novos recursos para batalhas bem-sucedidas na mesma escala em outras partes da região. Problemas de comunicação nas fileiras russas e tensões de longa data entre o Wagner e a liderança militar do Kremlin também podem ser empecilhos para manter o controle da cidade ou para a realocação das forças.

Prigojin anunciou nesta quinta que suas tropas começaram a se retirar de Bakhmut, transferindo suas posições para soldados russos. Isso pode deixar as tropas de Moscou vulneráveis a contra-ataques ucranianos — Kiev garantiu alguns territórios nos arredores da cidade nos últimos dias e se prepara para uma ofensiva mais ampla em outros pontos da linha de frente de aproximadamente 800 km.

Mas a batalha também pode ter consequências para a capacidade da Ucrânia de realizar sua contraofensiva. A defesa de Bakhmut custou às forças de Kiev algumas de seus soldados mais habilitados, juntamente com o que às vezes foram milhares de munições por dia — o Pentágono, inclusive, chegou a alertar os ucranianos contra o desperdício de munição de que poderiam precisar em outras partes da guerra.

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