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Por Eliane Oliveira — Brasília

Aos 22 anos, Wilian Gabriel Silva Pimentel conseguiu fugir do Sudão depois de quase um mês com medo de nunca mais voltar para casa. Contratado por um time de futebol que não devolveu seu passaporte quando mais precisava, ficou retido em Atbara, cidade próxima a capital Cartum, onde conflitos sangrentos acontecem desde o mês passado.

Pimentel é jogador de futebol. Já atuou na Bahia, estado onde nasceu, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. O sonho de conhecer o mundo e ganhar um bom salário o levou até o país africano. Ele voltou para Araci (BA) na última quarta-feira.

"Um amigo meu, que é jogador de futebol profissional em Dubai, me indicou para um empresário sudanês. Os dirigentes do clube Al Falah assistiram a um vídeo comigo jogando, gostaram e pediram minha contratação. Assinamos o contrato em janeiro e no dia 13 de fevereiro cheguei a Atbara, no Sudão.

"O clube atrasou o meu salário, de dois outros brasileiros que estavam comigo e um camaronês, que está até hoje no Sudão, tentando sair de lá. Prometeram que iam nos pagar depois do campeonato, no dia 9 de abril. Mas depois disseram que estava começando uma guerra no país e, diante da confusão que se instalou, não tinham o aval da federação de futebol sudanês para nos pagar.

"Tinha gente que achava que tudo ia durar uma semana. Mas a guerra se alastrou pelo país. Na minha cabeça, pensei: uma guerra nunca termina logo.

"Tínhamos jogos em três cidades, mas congelaram o campeonato. Nesse meio tempo, a maior parte dos jogadores locais já tinha ido embora. Ficamos três brasileiros, um camaronês, um egípcio e três sudaneses. Todos sem passaporte.

"Quando voltamos para Atbara, não fomos para o mesmo hotel. Fomos colocados em um local muito precário. Diziam para nós que voltaríamos para o hotel em três dias, mas isso não aconteceu. Faltava água, energia e tínhamos de caminhar até dois quilômetros para conseguir internet.

"Não vi pessoas morrendo. Mas vi muita gente fugindo, muitas mulheres com crianças, apavoradas. E ouvi tiros de onde estava. Depois os barulhos pararam.

"A comida também começou a faltar. Às vezes dividíamos dois ovos, com um pouco de arroz, para três pessoas. Ou um pouco de frango para cinco pessoas. Isso durou uns 28 dias e só melhorou quando o Itamaraty entrou em cena.

"Não tínhamos conseguido sair do Sudão junto com outros brasileiros, porque estávamos sem nossos passaportes, que haviam sido retidos na imigração, segundo o clube de futebol. Não havia como o Itamaraty nos mandar dinheiro. Ou os bancos estavam fechados, ou não tínhamos documentos para retirar.

"Um rapaz chamado Khalid, que trabalhava para a embaixada, apareceu como um anjo da guarda. Ele é sudanês, fala árabe e português e conseguiu enviar dinheiro para uma loja perto da gente. Graças a ele, mantínhamos contatos por telefone com a embaixada. Com o dinheiro, compramos comida e internet.

"Assim que Kalid surgiu, demorou 14 dias para podermos sair. Tive muito medo. Viajamos sete horas de ônibus até Porto Sudão e fomos parados quatro vezes por homens armados do exército. Sempre pediam para os brasileiros descerem e solicitavam nossos passaportes. Por sorte, tínhamos foto do documento no celular.

"Houve um momento em que tremi, pois o soldado começou a engatilhar a arma em uma das vezes em que tivemos que sair do ônibus. Um rapaz que trabalhava no Al Falah nos acompanhou na viagem.

"Ficamos quatro dias em Porto Sudão, esperando os sauditas nos levarem para o outro lado da fronteira. Os sudaneses nos tratavam superbem, quando dizíamos que éramos brasileiros. A embaixada do Brasil conseguiu uma casa muito boa para nos hospedar, com água, internet, banheiro, e ainda nos deu algum dinheiro.

"Jogávamos futebol de areia com a vizinhança, fomos à praia...Fiquei impressionado com o carinho que tinham por nós, brasileiros.

"Fomos três vezes à embaixada da Arábia Saudita. Havia muita gente na porta, tentando entrar. Quando conseguimos acesso aos funcionários, disseram que embarcaríamos de navio na manhã seguinte e que poderíamos entrar no país sem passaporte.

"No mesmo dia, ligaram e disseram que íamos embarcar de madrugada para Jidá, cidade saudita do outro lado da fronteira, em um avião, e não mais de navio. Chegamos às 4h ao aeroporto e esperamos até às 11h. O calor era intenso e havia muitas pessoas passando mal. Um policial do exército nos chamou e embarcamos.

"Ao chegarmos na Arábia Saudita, fomos muito bem recebidos tanto pelos diplomatas brasileiros como pelos sauditas. Recebemos passaportes de emergência do diplomata Rubens Amaral, fomos a um hotel e embarcamos para Dubai no dia seguinte. Até dei entrevista para uma emissora de televisão árabe. Todos queriam saber como estávamos.

"Só depois que cheguei ao Brasil contei para minha família o que passamos. Enquanto estive no Sudão, omiti muitas coisas, para não deixar ninguém mais preocupado do que já estava.

"Quando me perguntam se eu ainda gostaria de morar no exterior, eu digo que si. Mas não no Sudão."

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