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Por Trinidad Deiros Bront, El País — Madri

Há devoção na voz de Nadav Tamir quando fala do saudoso Shimon Peres, o último dos fundadores do Estado de Israel, presidente do país entre 2007 e 2014 e Prêmio Nobel da Paz em 1994 por ter sido co-autor dos Acordos de Paz de Oslo. Assessor sênior de Peres durante seu período como chefe de Estado, Tamir é hoje o responsável por assuntos internacionais do Centro Peres para a Paz e a Inovação, que tem duas vertentes transversais: a busca pela paz e a preservação do legado do ex-presidente israelense.

O ex-diplomata acredita que seu país vive um momento de esperança devido às grandes manifestações contra o impopular projeto de reforma judicial do governo de Benjamin Netanyahu, que ele define como "um despertar da maioria liberal".

Shimon Peres defendeu a paz e a solução de dois Estados, mas antes disso ajudou a criar o aparato militar israelense e autorizou, como ministro da Defesa, o primeiro assentamento judaico na Cisjordânia.

Peres foi ativo na política por muitos anos e tanto ele quanto a política israelense evoluíram. Um dia perguntei a ele: “Quando você mudou seu foco da defesa para a diplomacia e a paz?” Ele respondeu que foi no dia em que entendeu que nós, israelenses, somos fortes o suficiente e que nossos vizinhos perceberam que estávamos aqui para ficar. E a melhor maneira de tornar Israel seguro é ter paz com nossos vizinhos. Quanto aos assentamentos, o que ele fez foi chegar a um compromisso político. Se ele estivesse vivo agora, provavelmente se arrependeria, mas olharia para o futuro e não para o passado.

Na segunda-feira, cinco palestinos, incluindo um adolescente, foram mortos em um ataque do Exército israelense em Jenin. O que resta dos acordos de Oslo?

Mesmo durante esses acordos, o terrorismo estava presente, mas Peres nunca deixaria o terrorismo destruir o objetivo do acordo de paz e da solução de dois Estados.

O senhor acha que todos os palestinos que morrem neste conflito são terroristas?

Claro que não. Há muitos palestinos inocentes sofrendo, assim como há muitos israelenses que não são soldados sofrendo. E esta é uma das razões pelas quais é urgente acabar com este conflito. O problema é que há quem pense que quando temos terrorismo não podemos falar de paz. Aqueles de nós que acreditam na paz devem trabalhar por ela, haja ou não terrorismo.

A solução de dois Estados ainda é possível ou já está inviável devido a mudanças trazidas por políticas como a expansão dos assentamentos?

Não só é possível, é inevitável. A questão é por quanto sangue e quanto sofrimento teremos que passar antes de alcançá-la. Existem soluções sobre o que fazer com os assentamentos, previstas nas negociações de paz. O que nos falta é vontade política.

Como isso é possível com o governo mais de extrema direita da história de Israel e com uma liderança palestina em crise de legitimidade?

Talvez por causa desse governo, Israel esteja vivendo um despertar liberal por parte da maioria que estava adormecida há anos, esperando o próximo lançamento de sua start-up ou curtindo a cena culinária em Tel Aviv, enquanto agora o voto ideológico está nas ruas. É por isso que acho que este é um dos momentos mais otimistas da história de Israel. Às vezes é preciso esse tipo de governo para acordar. Portanto, não basta reverter o golpe legal do governo, mas usá-lo como um momento de compreensão de que, após 75 anos de independência e 56 anos de ocupação [em 1967, Israel ocupou a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Leste, além de as colinas sírias de Golã e a península egípcia do Sinai], é hora de mudar de rumo. Quanto à Palestina, a comunidade internacional deve ajudar os palestinos a realizar eleições democráticas, para que se forme uma liderança que represente a população, tanto em Gaza quanto na Cisjordânia.

Com a expressão "golpe legal" você se refere à reforma judicial de Netanyahu para enfraquecer o controle do Judiciário, que provocou uma onda de manifestações?

O que você chama de reforma judicial é para os manifestantes um golpe legal, que eu não acho que vai dar certo, e não vai porque a maioria dos israelenses é liberal, eles querem viver em uma democracia e não irão permitir que isso aconteça. Portanto, mesmo que eles decidam aprovar a legislação, acho que isso levaria a uma crise constitucional, e que a Suprema Corte e o procurador-geral diriam que a legislação é inconstitucional. Os grupos mais importantes da sociedade israelense estarão com a lei e não com o governo.

Qual erá o custo político dessa reforma judicial?

Não creio que a atual coalizão do governo vá durar muito. Acho que nas próximas eleições, Israel escolherá a centro-esquerda. Desde que começaram este projeto, a economia foi prejudicada e os líderes de alta tecnologia em Israel, que é o setor mais produtivo do país, acreditam que não se pode ser uma "nação start-up" sem democracia. Mesmo os reservistas das unidades mais importantes das Forças de Defesa de Israel afirmam que são patriotas, que estão prontos para morrer por seu país, mas não por uma ditadura.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ainda não recebeu Netanyahu, algo inédito após a eleição de um primeiro-ministro israelense.

O fato de Netanyahu não ter sido convidado à Casa Branca mostra que ele pagou um preço por isso [a reforma do Judiciário]. Vemos nas pesquisas que seu partido e seus aliados estão caindo, enquanto o campo liberal está crescendo. Em retrospecto, a história julgará que este foi um momento muito importante para Israel. Espero que nunca cheguemos a uma guerra civil, como os americanos que precisaram de uma para se libertar da escravidão e usufruir dos direitos que agora têm. É por isso que estou tão animado com as manifestações e o apoio que tantos judeus da diáspora estão dando. Aprendi com Shimon Peres que o otimismo é a melhor abordagem para mudar o mundo para melhor. Estou muito otimista com o futuro de Israel, que deve ser a pátria de todo o povo judeu, mas ao mesmo tempo uma democracia em que todos são iguais, judeus e não judeus.

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