O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido nesta quarta-feira pelo Papa Francisco, no Vaticano, para uma "boa conversa sobre paz no mundo", a proteção do meio ambiente e a luta contra a pobreza. O encontro a portas fechadas entre os dois foi um dos vários compromissos do petista na Itália, primeira parada da segunda viagem que faz à Europa desde que seu governo começou em janeiro.
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Após almoçar com o presidente italiano, Sergio Mattarella, Lula chegou ao Vaticano por volta das 14h30 (9h30, hora do Brasil). O encontro na sala Paulo VI do Vaticano, perto da residência papal, durou cerca de 45 minutos e fui seguido por cumprimentos de Francisco à delegação brasileira — entre os integrantes estão o chanceler Mauro Vieira e o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim.
Ao fim do encontro, o mandatário brasileiro tuitou agradecendo pela audiência e afirmando que os dois tiveram uma "boa conversa sobre a paz no mundo". Em nota, o Palácio do Planalto disse que os principais assuntos do encontro foram a busca pela paz, a preservação ambiental e a redução da fome e da pobreza no mundo — não houve qualquer menção explícita à guerra na Ucrânia.
Nos últimos dias, fontes do Planalto haviam indicado que Lula desejava conversar com o Papa sobre uma solução pacífica para o conflito. O presidente busca promover sua proposta de um clube de paz que reúna países dispostos a negociarem uma saída.
O comunicado do Vaticano também não fala do confronto, afirmando apenas que houve "troca positiva de pontos de vista sobre a situação sociopolítica da região e foram abordados alguns temas de interesse comum". Similarmente ao governo brasileiro, a Santa Sé listou a promoção da paz e da reconciliação, a luta contra a pobreza e as desigualdades, o respeito às populações indígenas e a proteção do meio ambiente.
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Lula deu ao Papa uma gravura da Sagrada Família feita pelo artista pernambucano J. F. Borges, enquanto Janja levou ao Pontífice uma imagem de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira da Amazônia. O casal fez um convite para que o religioso viaje ao Pará para participar do Círio em outubro deste ano — algo que Lula já havia dito que faria — , mas o aceite deve depender do estado de saúde do Pontífice, que teve alta de sua internação mais recente, a segunda em dois meses, na sexta.
O argentino, por sua vez, deu a Lula e Janja uma arte de bronze com a frase "A paz é uma flor frágil". Presenteou o casal ainda com uma cópia de sua Mensagem da Paz para 2023, do documento sobre a Fraternidade Humana e do livro com a oração que fez em uma Praça de São Pedro deserta, em 27 de março de 2020, rezando pelo fim da pandemia.
— Estamos em tempos de guerra e a paz é muito frágil. Queria te presentear com isso, que fazemos aqui nas nossas oficinas — disse o Papa, em vídeo compartilhado pelo Palácio do Planalto.
Após o encontro com o Papa, Lula teve um compromisso com dom Edgar Peña Parra, responsável por Assuntos Gerais da Secretaria de Estado do Vaticano. Em ambos encontros, disse a Igreja, foram destacadas as "boas relações entre o Brasil e a Santa Sé" e a "colaboração harmoniosa entre a Igreja e o Estado em prol da promoção dos valores morais e do bem comum".
O encontro foi o segundo dos dois desde que Francisco ascendeu ao Trono de São Pedro em 2013, dias após seu antecessor, Bento XVI, abdicar da função. O Pontífice, que teve alta na sexta após uma internação de nove dias devido a uma cirurgia no abdômen, havia recebido Lula no Vaticano em fevereiro de 2020, cerca de 90 dias após o petista ser solto da prisão em Curitiba, onde passou 19 meses.
A viagem foi a primeira que realizou após reconquistar sua liberdade, e chegou a precisar pedir autorização da Justiça para fazê-la. Na época, ela ocorreu por intermédio do presidente da Argentina, Alberto Fernández, um aliado de longa data de Lula — o conterrâneo solicitou que o Pontífice recebesse o petista, pedido acatado em questão de semanas. Desta vez, o convite veio do Vaticano.
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Na ocasião do primeiro encontro na casa de hóspedes Santa Marta, dentro da Cidade do Vaticano, os dois discutiram temas relacionados ao combate à pobreza. Lula estava acompanhado de uma pequena comitiva que incluía Amorim e seu fotógrafo oficial, Ricardo Stuckert.
Durante o encontro, fontes afirmaram, Francisco teria dito a Lula que estava feliz de vê-lo solto, mas não fez maiores comentários sobre os motivos por trás da prisão do petista. Com o passar dos anos, contudo, o Papa foi mais vocal em suas opiniões sobre a Lava-Jato.
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Em uma entrevista no fim do ano passado ao jornal espanhol ABC, ele afirmou que o processo posteriormente anulado que condenou o petista "começou com notícias falsas na mídia" que "criaram uma atmosfera que favoreceu a colocação de Lula em um julgamento". Em março deste ano, disse à emissora argentina C5N que Lula foi condenado sem provas e que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi injusto, chamando-a de "mãos limpas" e uma "excelente mulher".
O argentino também mandou ao menos uma carta ao atual presidente brasileiro durante o tempo em que o destinatário esteve atrás das grades. Em maio de 2019, o site oficial de Lula divulgou uma correspondência em que o Pontífice lamenta as "duras provas" pelas quais o político passava, manifestando solidariedade pelas mortes de sua então mulher, Dona Marisa; do irmão Genivaldo Inácio da Silva; e do neto de 7 anos, Arthur Araújo Lula da Silva. A carta pedia coragem para "não desanimasse" e "continuasse confiando em Deus".
Na antecipação do encontro desta quarta, Lula e o Papa conversaram por telefone no último dia 31. Durante a chamada, o religioso agradeceu o petista por seus esforços para pôr um fim na invasão russa da Ucrânia, e o presidente brasileiro convidou-o para retornar ao Brasil.
Bolsonaro não se encontrou ou falou por telefone com o Papa em nenhum momento do seu governo — a última chefe de governo brasileira a ser recebida por Francisco no Vaticano foi Dilma, em 2014. Após os atos golpistas de 8 de janeiro contra prédios dos Três Poderes em Brasília, o jesuíta afirmou que estava "pensando no Brasil" e condenou o enfraquecimento da democracia nas Américas.
Antes de se encontrar com o Papa, Lula reuniu-se com o presidente da Itália, Sergio Mattarella, com quem tratou do "estreitamento das relações entre dois países irmãos e o acordo entre a União Europeia e do Mercosul". O desatar do pacto, negociado há duas décadas, e o imbróglio ao redor dos termos de sua side letter, adendo cujos termos ambientais gera desavenças, é uma das prioridades da política externa brasileira.
Antes de se reunir com Mattarella no Quirinale, onde foi oferecido um almoço em homenagem ao presidente brasileiro, Lula havia se reunido com a secretária-geral do Partido Democrático (PD), Elly Schlein, e com o ex-premier Massimo D'Alema, seu primeiro compromisso desta quarta.
Com D'Alema, Lula conversou sobre temas como democracia, paz mundial e desafios comuns a vários países. Segundo Schlein, os temas abordados durante sua reunião com o brasileiro foram parecidos, citando democracia, mudanças climáticas e desigualdade. De acordo com o governo brasileiro, falaram também de assuntos como violência de gênero e machismo na política.
Após a reunião com o Papa, o petista reuniu-se com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni. O Itamaraty havia na segunda afirmado que o encontro não aconteceria por divergências na agenda, mas acabou confirmado ontem. O compromisso final do presidente foi com o prefeito de Roma, Roberto Gualtieri. Lula seguirá para a França na quinta, onde seu principal compromisso será a participação na Cúpula sobre o Novo Pacto Financeiro Global.
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