O Peru violou os direitos de uma menina vítima de incesto pelo pai, ao não garantir seu acesso a um aborto terapêutico e ainda processá-la criminalmente após sofrer um aborto espontâneo, denunciou nesta terça-feira o Comitê dos Direitos da Criança da ONU. A menina, cujo nome não foi revelado, foi estuprada pelo pai desde os nove anos, até ficar grávida aos 13 anos, em 2017.
Segundo o parecer do comitê, onde menina apresentou a denúncia, o Peru violou seus direitos "à saúde e à vida" e lamentou que a menor, indígena e originária de Huanipaca, no departamento de Apurímac, tenha sido hostilizada pelas autoridades sanitárias, policiais e judiciais.
Em sua primeira visita a um hospital em Abancay, a menina disse que “não queria ter um filho de seu pai ou estar grávida”, conforme relatado pela ONU. “Esse pedido foi reiterado em muitas consultas médicas posteriores, enquanto sua condição de saúde mental piorava. No entanto, eles não a informaram sobre seu direito de solicitar um aborto terapêutico”, explicou o comitê das Nações Unidas.
O país legalizou o aborto terapêutico em 1924, ou seja, somente em casos em que a gravidez coloca em risco a vida ou a saúde da mulher. Mas grupos feministas e organizações de direitos humanos denunciam que a lei não é cumprida por aqueles que administram o sistema de saúde.
Com a ajuda de uma ONG, a menina conseguiu solicitar ao hospital e ao Ministério Público que investigava o estupro a interrupção voluntária da gravidez, mas não obteve resposta. Ao contrário, funcionários da área de saúde insistiam em fazer o pré-natal, chegando a visitá-la em casa, às vezes acompanhados de policiais, quando a menina não comparecia às consultas.
“Estou chocada com a forma como as autoridades nacionais trataram uma menina de 13 anos que foi vítima de estupro e incesto”, disse Ann Skelton, presidente do comitê, segundo o comunicado. “Longe de ser protegida, dada a sua extrema vulnerabilidade, foi revitimizada e assediada pelas autoridades sanitárias, policiais e judiciárias. Na verdade, ela passou de vítima a criminosa”.
Estigmatizada e assediada por sua família e sua comunidade, a menor teve que deixar a escola e sua cidade, e após um aborto espontâneo foi “acusada e condenada por auto-aborto sem provas, além de suas repetidas declarações de que não queria continuar com a gravidez”, detalhou a nota das Nações Unidas.
Além desse caso, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU pediu ao Peru que descriminalizasse o aborto em todos os casos de gravidez infantil e garantisse que as menores grávidas tenham acesso ao procedimento seguro, principalmente em casos de risco para a saúde e a vida da mãe , bem como em casos de estupro ou incesto.
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O país possui uma das legislações mais restritivas da América Latina. Em novembro do ano passado, a Comissão de Justiça e Direitos Humanos do Congresso rejeitou o projeto que propunha a descriminalização do aborto em casos de estupro. A proposta foi arquivada depois de receber apenas um voto favorável, além de 12 votos contrários e 4 abstenções.
Um informe do Ministério da Mulher mostra que o país realiza por semana cerca de 28 partos de menores de idade que engravidaram após casos de estupro e são forçadas seguir com a gravidez.
Segundo a OMS, três em cada quatro abortos são inseguros na América Latina. Em vários países, o procedimento é totalmente proibido: Honduras, Nicarágua, Suriname, Haiti e República Dominicana. El Salvador vai além: em 1998, o país adotou uma legislação drástica, que proíbe o aborto em qualquer circunstância, mesmo quando a gravidez põe a vida da gestante em risco, e a prática é passível de receber uma pena que varia de dois a oito anos de prisão.
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