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Por María Sahuquillo, El País — Bruxelas

A União Europeia está de volta — de volta ao Brasil, de volta à América Latina. Ou ao menos é o que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, mostrou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva há uma semana, na primeira viagem de um líder do órgão executivo da UE ao Brasil em uma década. Após a passagem por Brasília, foi a vez de Argentina, Chile e México. A meta é recuperar terreno perdido em uma região essencial, mas que por anos esteve fora do radar europeu. Enquanto isso, a China se converteu na segunda parceira comercial da América Latina e do Caribe. Na América do Sul, especificamente, os chineses já são líderes.

O intenso baile diplomático busca destravar o há décadas negociado acordo UE-Mercosul, bloco sul-americano que é a quinta maior área econômica do mundo fora da UE, composto por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai (a Venezuela está suspensa desde 2017 devido à sua crise política). Von der Leyem quer também dar o empurrão final à ratificação do pacto de livre-comércio com o Chile e modernizar o com o México.

As visitas de Von der Leyen e suas reuniões com líderes latino-americanos culminaram no anúncio de 10 bilhões de euros (R$ 52,25 bilhões) em projetos de investimento sob o leque da ferramenta Global Gateway, pensada para fazer frente à Iniciativa Cinturão e Rota, conhecida como a Nova Rota da Seda, o plano global chinês de infraestrutura. Houve também a assinatura de vários pactos para o fornecimento de matérias-primas essenciais, como o lítio, marcando um ponto-chave na relação que Bruxelas quer reconstruir com o "grande salto qualitativo" que marca a nova estratégia para a região.

Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, conversa com presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador — Foto: AFP
Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, conversa com presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador — Foto: AFP

Em um mundo com enormes desafios geopolíticos, pós-pandêmicos, além da guerra na Europa, da crise climática e de fantasmas de outros problemas — entre eles, a crise energética e de insumos —, a UE busca novos fornecedores e parceiros em quem pode confiar. A América Latina, de acordo com fontes europeias, é naturalmente tal aliado.

Entre os latino-americanos e caribenhos há receptividade, mas também receio no que diz respeito ao interesse europeu pelas terras raras e a elementos do acordo com entre UE e Mercosul. Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández, consideram o pacto de interesse para ambos blocos, mas dizem que os termos atuais são mais favoráveis aos europeus. A Europa está de volta, mas não em velocidade de cruzeiro.

— A UE finalmente despertou e se deu conta de que a América Latina se afasta cada vez mais, tanto em termos políticos quanto econômicos — disse Beata Wojna, professora de Relações Internacionais do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey.

Para Wojna, a pandemia de Covid-19 distanciou muito Bruxelas dos latino-americanos, com enormes críticas ao bloco pela percepção de que "acumulava" vacinas ocidentais enquanto russos e chineses ofereciam seus inoculantes à região. Com a guerra na Ucrânia em curso há quase 16 meses, a intenção da UE também é limitar a influência russa na América Latina, que pode ser uma aliada estratégica em fóruns multilaterais e no caminho do diálogo para a paz.

Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, conversa com o presidente do Chile, Gabriel Boric — Foto: Martin Bernetti/AFP
Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, conversa com o presidente do Chile, Gabriel Boric — Foto: Martin Bernetti/AFP

Investimentos, acordos e terras raras

A UE é a principal fonte de investimento estrangeiro direto na América Latina e no Caribe, segundo dados de instituições europeias, números que superam o que as empresas europeias injetam em China, Índia, Japão e Rússia somados. Mas a influência chinesa na região também cresce em volume recorde: o comércio bilateral de bens da América Latina com o gigante asiático aumentou 26 vezes neste milênio: passou de US$ 12 bilhões (R$ 57,37 bilhões) em 2000 para US$ 315 bilhões (R$ 1,5 trilhão). Até 2035, a expectativa é de que chegue a US$ 700 milhões (R$ 3,3 trilhões).

Pequim já firmou acordos de livre-comércio com Peru, Costa Rica e Chile. Em janeiro, concluiu as negociações técnicas para fechar um pacto com o Equador. Há negociações para uma iniciativa similar com o Uruguai.

— A UE não deve se obcecar com o papel que a China tem, mas sim centrar-se no valor diferencial que ela representa para a região — disse o eurodeputado Javi López (do grupo dos Socialistas e Democratas), copresidente da Assembleia Europeia e Latino-americana do Parlamento Europeu.

Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, cumprimenta o presidente argentino, Alberto Fernández — Foto: Juan Mabromata/AFP
Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, cumprimenta o presidente argentino, Alberto Fernández — Foto: Juan Mabromata/AFP

O bloco, disse López, "não quer construir laços de dependência, mas tecer uma aliança", afirmando que seu modelo é mais compatível com o da região porque a economia europeia "não funciona como uma praga de gafanhotos". Ele referia-se às políticas trabalhistas e ambientais da China, com suas empresas infladas por subsídios estatais.

— Os governos da América Latina estão muito dispostos a desenvolver sua indústria e não se prender à venda de matérias-primas — afirmou López. — Devemos explicar que o valor agregado dos investimentos vão além do extrativismo.

A UE já tem uma parceria com sete países latino-americanos (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai) para promover a cooperação em matérias-primas e agora caminha para firmar mais acordos de fornecimento de lítio, mineral abundante na região. A China já investiu cerca de US$ 5 bilhões (R$ 23,9 bilhões) na produção de lítio no México e no chamado triângulo do lítio (Argentina, Bolívia e Chile), considerado por muitos como o novo El Dorado.

Von der Leyen firmou com Chile e Argentina acordos de desenvolvimento de toda a cadeia produtiva relacionada ao lítio. É uma "boa estratégia", afirmou Wojna, para demonstrar que o interesse é mais amplo do que apenas retirar a matéria-prima, mas ainda falta "maior promoção e divulgação" em uma região onde há muita desconfiança e percepção de que a Europa quer extrair recursos da América Latina.

López considera muito positiva a viagem de von der Leyen aos quatro países da região. Uma visita que se seguiu à de vários dos seus comissários nos últimos meses — do Presidente do Conselho da UE, Charles Michel, à intensa atividade do principal diplomata do bloco, Josep Borrell. Bruxelas também aguarda com expectativa a cúpula entre UE e Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em julho — a primeira sob a presidência semestral da Espanha, que pôs as relações com os latino-americanos como ponto central de sua agenda.

Será a primeira reunião do tipo em oito anos. Mais do que acordos específicos — além de anúncios econômicos, como os investimentos que acompanharão os 10 bilhões de euros da Comissão e outros 9,4 bilhões da Espanha, conforme anunciado pelo El País — e da intenção de criar um órgão representativo permanente com a região, o objetivo é reunir em uma foto simbólica os 27 líderes da UE com os 33 da Celac.

Ainda não está claro, contudo, se todos irão a Bruxelas. A incerteza não está apenas na presença do venezuelano Nicolás Maduro, mas o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, também não costuma participar de tais eventos. Os europeus não consideram que a presença de Lula está garantida — sua ausência, avaliam, diluiria a relevância do evento.

E ainda mais porque Bruxelas estabeleceu como objetivo, como Von der Leyen disse no Brasil e na Argentina, promover o acordo entre UE e Mercosul. Idealizado há duas décadas e finalmente aprovado há três anos, sua ratificação está bloqueada devido à relutância da França (também parcialmente de Irlanda, Áustria e Holanda) devido a preocupações com sua própria economia.

Agora, Lula e Fernández — que herdaram os termos assinados por seus antecessores, os ex-presidentes Jair Bolsonaro e Mauricio Macri — questionam uma side letter — um adendo que, na prática, amplia e modifica o documento. As normas ambientais que os europeus impuseram no que diz respeito ao meio ambiente são consideradas demasiadamente restritivas pelos latino-americanos, e Buenos Aires e Brasília querem renegociar pontos que consideram prejudiciais para suas economias.

López, que começa agora uma visita ao Chile e ao Brasil, crê que a viagem de von der Leyen serviu para mostrar a importância que a UE dá à região, mas também para sinalizar que mais tempo e esforço político podem ser dedicados para promover as relações. O eurodeputado acredita que a side letter pode ser revista, mas sem perder a perspectiva de que as políticas ambientais são o eixo central da política da UE.

Wojna se preocupa que a "inflexibilidade" de alguns Estados-membros e da Comissão fechem a janela de oportunidade que está aberta:

— Se ela passar, duvido que os países do Mercosul aceitem ou tenham capacidade de desenvolver sistemas de certificação de seus produtos destinados à exportação que garantam o não desmatamento da Amazônia — disse ela, afirmando crer que, na realidade, não haverá espaço para modernizar o acordo com o México até 2025, após as eleições mexicanas e para o Parlamento Europeu, que ocorrerão as duas em junho de 2024.

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