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Por Janaína Figueiredo — Buenos Aires

Um dia depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter evitado comentar sua inabilitação na semana passada na Venezuela, a líder opositora María Corina Machado, em campanha para se tornar candidata nas eleições presidenciais de 2024 (as primárias são em 22 de outubro deste ano), assegurou ao GLOBO que a atitude do presidente brasileiro prejudica a credibilidade do Brasil para eventualmente atuar como facilitador no processo de negociação entre Maduro e a oposição.

María Corina foi inabilitada por 15 anos por supostas irregularidades durante seu mandato como deputada e já anunciou que apelará da decisão dentro e fora do país. Ela já recebeu o apoio dos EUA, Reino Unido, Canadá, Chile, União Europeia e mais de 30 ex-presidentes da região.

– Pediria [a Lula] que acompanhe as primárias como um exercício pacífico de canalização das tensões que existem na Venezuela… caso contrário, sua tentativa de ser relevante neste processo será um fracasso monumental – frisou María Corina.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista concedida com exclusividade ao GLOBO:

Não me surpreendeu porque, tanto Mario Abdo Benítez quanto Luis Lacalle Pou, foram consequentes defensores da democracia na região, em particular da luta pela liberdade da Venezuela. Ambas declarações tiveram enorme impacto internacional e também dentro da Venezuela. Acho que confirma que essa suposta inabilitação contra mim, que é absolutamente inconstitucional, absurda e que viola todas as leis de meu país, foi um grande erro do chavismo e de Maduro. O desespero não é bom conselheiro, e o que estamos vendo é um efeito bumerangue. Agora as primárias [da oposição] são um clamor e um desafio ao regime. As pessoas dizem 'eu habilito Maria Corina com meu voto'. Pessoas que tinham dúvidas sobre participar, agora estão decididas. Virou épica. Na comunidade internacional, a reação foi incrível. Houve um pronunciamento do Parlamento europeu, Nações Unidas, Canadá, Estados Unidos, França, União Europeia, várias chancelarias, o presidente Gustavo Petro da Colômbia, mais de 30 ex-presidentes. Gerou-se uma onda expansiva, que continua crescendo.

Lula é o único presidente de peso da região que não se pronunciou?

Sim. Lula foi insistente em seu desejo de acompanhar um processo de transição democrática por meio de eleições limpas, transparentes e competitivas em 2024, mas na cúpula do Mercosul disse que não estava devidamente informado, imagino que a esta altura já o estará. Dada sua proximidade e amizade com Maduro, para os venezuelanos e para todos os democratas do mundo, deve ficar clara qual é a posição de Lula sobre essa aberração que cometeu Maduro.

O que a senhora sente quando o presidente brasileiro fala em narrativas, em não isolar Maduro ou em que o conceito de democracia é relativo, quando é perguntado sobre Venezuela?

Me preocupa muito, não apenas pela Venezuela. A influência do Brasil na região e fora dela é indiscutível. Mas também me preocupa pelo Brasil, porque não pode existir uma visão de dois pesos duas medidas. Ou seja, o que não aceitariam para o Brasil, não podem pretender impor à Venezuela. Sejam por razões de afinidade ideológica ou projetos em comum, a posição de Lula é inadmissível a esta altura do jogo, com 25% da sociedade venezuelana espalhados pelo mundo, milhares no Brasil; com uma investigação sobre crimes de lesa-Humanidade avançando no Tribunal Penal Internacional; quando existem acusações bem documentadas na Justiça internacional sobre corrupção, narcotráfico, lavagem de dólares e financiamento do terrorismo; Maduro é tóxico. Acho que o governo brasileiro pode contribuir de maneira significativa para uma transição pacífica na Venezuela, mas não botando panos quentes e justificando os crimes de Maduro. Assim, o Brasil perde autoridade moral frente aos demais atores democráticos para se tornar um interlocutor confiável. Não pode demonstrar esse nível de suposta ignorância.

O governo Lula diz que quer contribuir para que a Venezuela tenha eleições competitivas em 2024. Sua inabilitação mostra que isso é pouco provável? A pressão da comunidade internacional é chave?

Efetivamente, o chavismo não está disposto hoje a fazer concessões substantivas. O governo percebeu que está emergindo um movimento popular, que vamos ganhar as primárias e que as primárias despertaram entusiasmo e esperança, inclusive nas bases do chavismo. Uma das coisas que mais me impactaram nos últimos tempos, em comícios com milhares de pessoas, é a presença de muitas pessoas vinculadas ao chavismo. Pessoas que recebem bonos, caixas de comida, que estão desencantadas. Os mecanismos de controle social se diluíram, e as pessoas me dizem que não funcionam mais com base a ameaças. São pessoas que já perderam tudo, cujos filhos saíram do país. Isso é muito poderoso, e o regime sabe e não está disposto a ceder em coisas que poderiam levá-los a perder o poder, por exemplo, disputar uma eleição comigo. O paradoxo é que, agora, ninguém na comunidade internacional poderá atuar com ingenuidade.

Falta mais de um ano para a eleição presidencial...

Faltam 18 meses, e isso na Venezuela é uma eternidade. Sexta-feira passada anunciaram minha suposta inabilitação e hoje temos outro país. O erro cometido foi bom para a reorganização da estratégia da oposição sobre a comunidade internacional, incluindo o Brasil, para conseguir esse processo competitivo.

A senhora está conversando com lideranças políticas da região?

Sim, claro que sim, mas não posso revelar nomes.

Está prevista uma conversa virtual com senadores brasileiros, convocada pelo senador Sergio Moro. A senhora tem interesse em conversar com representes do Executivo?

Certamente, gostaria de poder explicar pessoalmente ao presidente Lula o que está acontecendo em meu país, e minha situação. Nenhum representante do governo brasileiro se comunicou comigo. Tivemos pronunciamentos dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Chile, Colômbia. Um pronunciamento do Brasil favoreceria uma eventual posição do governo de Lula como facilitador de um processo na Venezuela. O fato de o Brasil não se pronunciar afeta a confiança de setores no país.

Se a senhora encontrasse com Lula, o que diria ao presidente brasileiro?

Diria a Lula que, se quer que uma de suas conquistas de seu terceiro governo seja contribuir para superar o enorme conflito que existe na Venezuela, e facilitar uma reinstitucionalização democrática, deve entender que este é o momento de atuar. Lula deve entender que o regime cometeu um grave erro, deve dizer isso a Maduro. Pediria que acompanhe as primárias como exercício pacífico de canalização das tensões que existem na Venezuela. Assim se fortaleceria como interlocutor, com Maduro e com a sociedade venezuelana. Caso contrário, acho que sua tentativa de ser relevante neste processo será um fracasso monumental.

A senhora não participou de nenhuma negociação com o regime, nem do autoproclamado governo interino de Juan Guaidó. Por que agora diz que negociaria com Maduro?

Nosso fim é uma transição democrática. Houve momentos em que os protestos e denúncias eram mais eficientes. Nunca estive contra a negociação per se, mas sim contra negociações para manter um status quo. A falha esteve em não entender que não existiam incentivos reais para que o regime fizesse concessões. Essas negociações botaram panos quentes [na situação de autoritarismo] e deram tempo a Maduro. Agora estamos num cenário inédito, porque o regime tem uma enorme fraqueza em suas bases. Já roubaram tudo, agora temos enfrentamentos entre grupos mafiosos, e surgem riscos. Depois de todos os golpes e frustrações, temos aprendizados. Ir a uma negociação depois das primárias, com o respaldo do povo, é nossa oportunidade. Os que hoje estão na negociação não representam ninguém. Sobre o governo de Guaidó, o respaldei no começo, mas nunca fui parte dele e considero que foram cometidos erros, sobretudo de liderança.

Por que os venezuelanos deveriam acreditar que agora será diferente e a oposição conseguirá alcançar seus objetivos e, sobretudo, estar unida?

Tivemos um aprendizado brutal, de conquistas, fracassos e traições. Para muitos, esta é nossa última oportunidade. As pessoas me dizem que mais seis anos e vão morrer. Os jovens me dizem que não querem ir embora do país. Sobre a união da oposição, tivemos diferentes momentos. Quando tivemos um caminho genuíno, estivemos unidos. Mas houve grandes decepções. Por outro lado, esses tipos de regimes não têm escrúpulos, penetram, cooptam e destroem pessoas boas. Nós queremos unir a sociedade, não as cúpulas dos partidos. O chavismo buscou nos dividir, e a derrocada chavista voltou a nos unir. Até o Partido Comunista se pronunciou contra minha inabilitação. Esta é uma luta entre o bem e o mal. Temos de abrir os braços e reconhecer que todos erramos.

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