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Por O Globo — Vilna

A cúpula anual da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) chegou ao fim nesta quarta-feira em Vilna, na Lituânia, com um instrumento dos países do Grupo dos Sete (G7) para dar garantias de longo prazo para a segurança da Ucrânia. Com objetivo de fortalecer o país para repelir os russos e dissuadi-los de invasões futuras, contudo, o compromisso teve uma recepção agridoce dos ucranianos, que esperavam sair da cúpula com um convite formal para ingressar na aliança militar — divergências que evidenciaram sinais de impaciência e fissuras entre os aliados.

Direto ao ponto: Quais são as garantias de segurança para a Ucrânia e por que elas não satisfazem Zelensky?

  • Os países do G7 prometem uma ajuda de longo prazo para a Ucrânia reforçar suas Forças Armadas, seu arsenal, treinar soldados e realizar reformas sociais e políticas necessárias para eventualmente entrar na Otan;
  • o anúncio foi feito um dia após os países-membros da aliança não cederem ao desejo ucraniano de fazer um convite formal para a adesão, vinculando-a à realização de reformas;
  • a conclusão foi uma vitória para os EUA, que temem acirrar a guerra e demandam mais compromissos da parte de Kiev;
  • Zelensky, por sua vez, chamou a decisão de "absurda" e disse que as garantias do G7 não substituem o ingresso na aliança militar, antes de amenizar o tom;
  • representantes dos EUA e do Reino Unido demandaram mais "gratidão" de Kiev, criando uma saia-justa que os chefes de governo depois precisaram desatar.

O que diz o G7?

As sete nações — Estados Unidos, Reino Unido, França, Japão, Itália, Alemanha e Canadá — emitiram um comunicado reforçando seu "objetivo estratégico de uma Ucrânia livre, independente, democrática e soberana, com suas fronteiras internacionalmente reconhecidas". Entre as sete, somente o Japão não pertence à Otan, mas Tóquio alinha-se aos EUA em seus interesses de segurança no Extremo Oriente diante da China e da Coreia do Norte . É importante, afirmam os países, que Kiev seja capaz de se autodefender e de conter agressões futuras, completando que a segurança do país é "fundamental para a segurança da região Euro-Atlântica".

"Consideramos a invasão ilegal e sem provocações da Ucrânia pela Rússia uma ameaça à paz internacional e a segurança, uma violação flagrante do direito internacional, inclusive da Carta da ONU, e incompatível com os nossos interesses de segurança", afirmam os países, que compõem a espinha dorsal do apoio internacional a Kiev. "Vamos apoiar a Ucrânia em sua defesa contra a agressão russa pelo tempo que for necessário."

Buscando formalizar tal promessa, anunciaram o início de negociações com a Ucrânia para implementá-la por meio de compromissos bilaterais.

Quais compromissos são esses?

Os países do G7 prometem ajudar Kiev a ter Forças Armadas "sustentáveis e capazes de defender a Ucrânia agora e deter agressões russas no futuro", listando o "fornecimento contínuo de cinco pontos":

  • Assistência de segurança e equipamentos militares modernos, priorizando a defesa aérea, artilharia e armas de longo alcance, além de veículos armados e "outras capacidades-chave, como combate aéreo".
  • Apoio ao desenvolvimento futuro da base industrial ucraniana;
  • Treinamento e exercícios para as forças ucranianas;
  • Compartilhamento de inteligência e cooperação;
  • Apoio à ciberdefesa, segurança e iniciativas de resiliência, incluindo a resposta a ameaças híbridas.

O comunicado cita ainda o compromisso de reforçar a estabilidade e a resiliência de economia ucraniana, "criando condições para promover a prosperidade econômica". Afirmam também que irão fornecer "apoio técnico e financeiro para as necessidades imediatas da Ucrânia derivadas da guerra da Rússia", buscando também criar um ambiente adequado para a boa governança necessária para o país eventualmente ingressar na Otan.

O grupo diz ainda que, no evento de um futuro ataque armado russo, o G7 fará "consultas imediatas" com Kiev para determinar os passos subsequentes, mas fornecerá de forma "rápida e sustentada assistência de segurança, equipamentos militares modernos" e irá impor custos econômicos à Rússia. Reconhece ainda a necessidade de criar um mecanismo internacional para "reparação de perdas e danos" causados pelo Kremlin.

O que a Ucrânia oferecerá em troca?

O G7 estipula que Kiev deverá continuar a implementar uma série de reformas que "demonstrem seus compromissos com a democracia, o Estado de Direito, o respeito aos direitos humanos e liberdade de imprensa, além de pôr sua economia em um trajeto sustentável". Entre os alvos de mudanças estão as forças de segurança, o Judiciário e as estruturas anticorrupção.

Outro ponto levantado é o avanço de reformas e modernizações que incluam "o fortalecimento do controle civil democrático das Forças Armadas". Pedem também maior transparência das instituições de defesa.

Mas a cúpula é do G7 ou da Otan?

Da Otan, apesar de praticamente todos os integrantes do G7 também fazerem parte da aliança militar — a exceção é o Japão, cujo primeiro-ministro, Fumio Kishida, também viajou a Vilna. As sete nações encabeçam o apoio ocidental à Otan, que já ultrapassa US$ 160 bilhões em ajuda militar e financeira desde que a guerra começou.

O compromisso de defesa, contudo, tinha por fim também acalmar a insatisfação ucraniana por seu desejo maior para a cúpula não ter se concretizado. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, desejava sair de Vilna com um convite e regras bem definidas para o ingresso ucraniano na Otan. Kiev considera que se tornar membro da aliança e ser protegido pelo seu Artigo 5º, que versa sobre a defesa mútua, é a única forma de evitar novos ataques russos.

Os países-membros, contudo, afirmaram que só estarão "em posição de convidar a Ucrânia a aderir à aliança quando os aliados concordarem e as condições forem cumpridas". Ainda de acordo com o documento, as condições mencionadas incluem avaliações regulares de critérios relacionados a compromissos democráticos e integração militar com o bloco.

Por que Zelensky não conseguiu o que queria?

Países do Leste Europeu, entre eles antigas repúblicas soviéticas e países da Cortina de Ferro, defendiam uma adesão acelerada de Kiev, diferente do procedimento padrão que leva de meses a anos. Esbarraram, contudo, na resistência encabeçada por países como a Alemanha e os Estados Unidos. No fim de semana, por exemplo, Biden já havia dito que apoia o ingresso, mas que antes Kiev precisa realizar as reformas para reforçar sua democracia, por exemplo.

O presidente americano também citou outro temor, que parece ser o principal: caso a Ucrânia entrasse na Otan agora, ficaria imediatamente sob o guarda-chuva do Artigo 5º, o que significaria que a aliança inteira estaria em guerra com a Rússia. Nesta quarta, em declarações junto com os líderes do G7 e Zelensky, o americano disse:

— Posso apenas imaginar a frustração. Eu sei, vocês estão muito frustrados sobre quis coisas chegam a vocês suficientemente rápido, sobre o que chega para vocês e como estamos procedendo. Mas prometo: os EUA estão fazendo tudo a seu alcance para entregar aquilo que vocês precisam do jeito mais rápido possível.

Como a Ucrânia recebeu os compromissos do G7?

Na terça, antes de chegar à cúpula, Zelensky havia tuitado que a demora para um plano de entrada ucraniano era "absurda" e só incentivaria a Rússia a continuar suas agressões. Nesta quarta, ao chegar em Vilna, afirmou ser "compreensível que a Ucrânia não possa se juntar à Otan durante a guerra", mas que seria ideal haver um convite formal para o ingresso.

Mais tarde, em uma entrevista coletiva ao lado do secretário-geral da Otan, Jens Stolteberg, afirmou que as promessas do G7 não são um substituto para o ingresso ucraniano na aliança, mas sim "garantias de segurança no nosso caminho para a integração".

— Tenho confiança de que, depois da guerra, Ucrânia estará na Otan. Faremos todo o possível para que isso ocorra — disse o mandatário ucraniano, horas após reforçar em um discurso em praça pública na Lituânia que "a Otan dará segurança à Ucrânia".

Ele, contudo, amenizou o tom nos debates da cimeira e em seu encerramento, quando disse que as promessas do G7 abrem novas oportunidades de segurança para Kiev e agradeceu os líderes nominalmente. Mais tarde, em uma reunião privada com Biden, agradeceu Washington por seu "grande apoio" de bilhões de dólares em armamentos, financiamento e ajuda humanitária, afirmando que "o dinheiro foi gasto para nossas vidas".

"[Tivemos uma reunião] muito boa, poderosa", tuitou Zelensky ao fim do encontro, afirmando que conversaram ao menos pelo dobro do tempo previsto. "Se o protocolo não tivesse interrompido, teríamos falado ainda mais. Todos os tópicos. Ajuda a longo prazo. Armas. Política. Otan. Nós vemos claramente como acabar esta guerra com nossa vitória comum."

O alívio do tom, contudo, veio apenas após críticas significativas.

Quais são as críticas?

Um comentário do secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, chamou atenção antes mesmo de a cúpula terminar. Segundo ele, Kiev deve demonstrar mais gratidão à ajuda que o Ocidente vem fornecendo, respondendo às críticas de Zelensky:

— Gostando ou não, as pessoas querem ver um pouco de gratidão — afirmou ele, em declarações durante um evento às margens da reunião. — Às vezes você está pedindo para países abrirem mão de seus próprios arsenais (...). Às vezes, precisa persuadir parlamentares no Congresso dos EUA.

Wallace disse que, durante uma visita a Kiev no ano passado, foi apresentado com uma lista de armas:

— Sabe, nós não somos a Amazon. Eu disse isso para eles ano passado, quando dirigi 11 horas para receber uma lista.

Tom similar, mas mais contudo, foi adotado pelo conselheiro de Segurança Nacional americano, Jake Sullivan. Também em um evento na Lituânia, disse que o "povo americano de fato merece algum grau de gratidão pela disposição do governo dos EUA de se prontificar, e do resto do mundo também.

— Os EUA se prontificaram para fornecer uma enorme capacidade buscando ajudar a garantir que os corajosos soldados ucranianos tenham a munição, defesa aérea, infantaria, veículos de combate, equipamentos para a desminagem e tantas coisas mais para conseguirem se defender do massacre da Rússia e recuperar território.

Como os líderes responderam ao impasse?

Zelensky disse que "não entendeu" o comentário de Wallace e que "pôde expressar sua gratidão diretamente ao primeiro-ministro" britânico, Rishi Sunak. Questionado sobre o assunto, o premier afirmou que seu par ucraniano "repetidas vezes expressou gratidão a mim, ao povo britânico e a outros aliados". Indagado também se teme que a declaração de Wallace possa chatear Zelensky, Sunak citou uma declaração do presidente ucraniano afirmando que a cimeira teve "progresso significativo" e uma "vitória bem-sucedida".

Após o anúncio do G7, o chanceler alemão, Olaf Scholz, afirmou que as garantias de segurança são parte de uma estratégia de longo prazo "urgentemente necessária" para apoiar Kiev. O francês Emmanuel Macron, por sua vez, disse ser "legítimo que o presidente ucraniano esteja nos demandando, por que está lutando no solo", mas disse que o resultado do encontro foi positivo e deixou "claro o caminho para a Otan".

— Ao meu ver, fizemos o que precisávamos e fizemos isso mantendo os aliados unidos – afirmou Macron.

Biden, por sua vez, disse no início da reunião bilateral com Zelensky "aguardar ansiosamente o dia em que você celebrará a adesão oficial à Otan". O resultado da cúpula é visto como uma vitória para o presidente americano, o mais reticente sobre prometer de imediato o ingresso a Kiev, e que deve dar uma entrevista coletiva nas próximas horas.

— Todos nós entendemos a situação extremamente difícil em que a Ucrânia se encontra. Eles estão no meio de uma guerra — disse Stoltenberg.

Qual foi a reação russa?

Por meio de seu porta-voz, Dmitry Peskov, o Kremlin disseque os termos poriam em risco a segurança da Rússia. Em seus comentários diários à imprensa, ele disse que as garantias farão com que a Europa seja "muito mais perigosa durante anos e anos".

— Ao propor essas garantias de segurança à Ucrânia, esses países estarão atacando a segurança da Rússia — disse ele, que prometeu também "contramedidas" caso os ucranianos usem as controversas bombas fragmentárias cujo envio foi anunciado por Biden na semana passada, algo também dissensual entre os aliados.

A expansão da Otan para o Leste, nas fronteiras russas, é motivo de críticas constantes do presidente Vladimir Putin, que rechaça veementemente a adesão ucraniana. Para justificar sua invasão no ano passado, Putin afirmou que, com a queda do Muro de Berlim, a aliança havia se comprometido a não se expandir para o Leste Europeu — algo que não foi posto no papel e cuja veracidade é motivo de questionamentos.

Mais recente Próxima Autoridades dos EUA e Reino Unido sugerem que Ucrânia poderia ser mais grata ao Ocidente: 'Não somos a Amazon', diz ministro britânico

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