O presidente da França, Emmanuel Macron, destacou a "inequívoca posição" de seu par chileno, Gabriel Boric, contra a invasão russa da Ucrânia, ao recebê-lo em Paris nesta sexta-feira. O agradecimento contrasta com as declarações que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu no início da semana após a cúpula da União Europeia (UE) e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), quando chamou o colega sul-americano de "sequioso" e "apressado" por criticar nações que não condenam a Rússia pela guerra na Ucrânia.
Macron recebeu Boric no Palácio do Eliseu, onde tiveram uma reunião e um almoço, na última parada de uma turnê que o chileno faz pela Europa. Após recepcionar o colega com um aperto de mãos, o francês disse:
— Quero agradecer sua inequívoca posição sobre a guerra lançada pela Rússia na Ucrânia.
Veja fotos do presidente do Chile, Gabriel Boric
Boric chamou atenção internacional na terça, ao comentar os impasses ao redor da declaração final da cúpula Celac-UE, de onde países latino-americanos vetaram menções à Rússia. A seu ver, seria importante que a América Latina dissesse "claramente que o que "acontece na Ucrânia é uma guerra de agressão imperialista, inaceitável, em que se viola o direito internacional":
— Estimados colegas, hoje é a Ucrânia e amanhã pode ser qualquer um de nós. Não duvidemos disso devido à complacência que se poder ter em um momento ou outro com qualquer líder. Não importa se gostamos ou não do presidente de outro país. O importante é o respeito ao direito internacional, que foi claramente violado aqui por uma parte que é invasora, a Rússia — afirmou o chileno.
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Questionado no dia seguinte pela imprensa sobre a declaração de Boric, Lula disse que o chileno de 37 anos era "sequioso" e "apressado", "provavelmente" devido à falta de costume "de participar dessas reuniões". O petista afirmou que "já teve a pressa de Boric" durante seu primeiro mandato, mas disse que é necessário levar em conta a pluralidade de interesses em fóruns multilaterais.
— Mas não, não são só os interesses do Brasil. Ontem estávamos discutindo a visão de 60 países e temos que entender que nem todo mundo concorda com a gente.
Horas depois, Boric foi diplomático ao rebater Lula, afirmando ter "respeito infinito" e "muito carinho" pelo brasileiro, mas que o mundo precisa "ser claro" sobre o conflito. A invasão russa, completou, é uma "guerra de agressão inaceitável".
Guerra em pauta
O documento final da reunião expressa apenas "preocupação com a guerra atual contra a Ucrânia" e suas consequências humanitárias. Para que houvesse uma declaração adotada por unanimidade pelos 60 Estados participantes — 33 nações latino-americanas e as 27 da UE —, contudo, foi adicionada uma nota de rodapé alertando que a Nicarágua discordava do parágrafo sobre o conflito.
O Brasil condena a invasão russa na Assembleia Geral da ONU, mas adota uma posição de neutralidade no conflito, projetando-se como um possível mediador e vendendo a ideia de um clube da paz de nações sem interesses na disputa.
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O desencontro de Lula e de Volodymyr Zelensky durante a passagem dos dois pelo Japão na cúpula do G7, para a qual foram convidados, levantou dúvidas sobre a capacidade brasileira de fazer tal articulação, apesar de o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, ter visitado Moscou e Kiev.
Meses antes, em abril, declarações do presidente brasileiro equiparando país invadido e invasor e culpando o Ocidente por prolongar a guerra geraram respostas da Casa Branca e de aliados europeus. Desde então, a retórica brasileira também recuou.
Viagem de Boric
Em sua primeira visita oficial à França, Boric promoveu o Chile perante empresários e políticos como um "país estratégico na transição climática" para "o mundo", disse à imprensa no Eliseu.
Boric destacou assim os setores de hidrogênio verde, cobre e lítio — o Chile é o segundo produtor mundial do metal necessário para baterias de carros elétricos — e o interesse de empresas em aprofundar seus investimentos no país.
— Existem fortes complementaridades entre nossos dois países em setores-chave para a transição energética como a produção de energia descarbonizada e a extração de metais críticos — afirmou Macron, que lançou uma significativa produção de baterias no norte da França.
Outro dos pontos em comum é a cooperação sobre a Antártica, que se traduziu na véspera na assinatura de um acordo entre os chanceleres dos dois países, e que, segundo o presidente francês, protagonizará a "primeira cúpula dos polos", prevista para novembro em Paris.
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