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Por Thayz Guimarães

Conhecido por ser uma rota de imigrantes ilegais que atravessam o deserto do Saara rumo à Líbia para tentar cruzar o Mediterrâneo, o Níger era o “último bastião ocidental” na região da África subsaariana e também “uma esperança” para a União Europeia, com quem assinou acordos de vigilância e coerção para tentar frear a onda de refugiados que chegam ao velho continente, disse ao GLOBO Alexandre Santos, professor de História da África no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. Mas tudo isso caiu por terra na quarta-feira, quando militares derrubaram o presidente democraticamente eleito e assumiram o controle do país com uma junta pró-Moscou.

Desde 2020, ocorreram seis golpes de Estado na África subsaariana — só no Mali foram dois em nove meses. O que aconteceu no Níger já era esperado?

Não dá para afirmar que sim nem que não, mas é sabido que o presidente anterior, Mahamadou Issoufou, terminou seu governo muito mal avaliado, tanto pela população civil quanto pelos militares, e o Mohamed Bazoum, agora deposto, é seu herdeiro político. Durante a campanha, Bazoum até dizia que iria combater aquelas personalidades políticas ligadas aos escândalos de favorecimento e corrupção do governo Issoufou, mas quando assumiu o poder, não fez absolutamente nada, e isso aumentou o descontentamento da população e também das Forças Armadas, que são um fiel muito importante em qualquer país do continente africano, porque, de todas as instituições deixadas pelos ocupantes coloniais, foram as mais fortalecidas e organizadas.

O professor de História da África Alexandre Santos — Foto: B​runa Prado
O professor de História da África Alexandre Santos — Foto: B​runa Prado

Esse não foi o primeiro golpe de Estado no Níger…

Não, o histórico de golpes de Estado no Níger é extenso, e justamente por isso, o Issoufou, quando era presidente, decidiu reforçar a Guarda Presidencial, no intuito de garantir a segurança da Presidência e dos ministros em caso de um novo golpe. Mas, ironicamente, foi justo o chefe da Guarda Presidencial, o Abdourahamane Tchiani, alçado a general pelo Issoufou, que agora derrubou Bazoum.

O que explica essa instabilidade política tão grande?

Mesmo antes do golpe, não dava pra dizer que o Níger era uma democracia madura. O Mahamadou Issoufou foi eleito em 2011 e reeleito em 2016. Em 2021, o Bazoum foi apenas o segundo presidente a assumir no Níger através de uma eleição direta desde a independência, em 1960, e o primeiro a protagonizar uma passagem de poder de um chefe de Estado democraticamente eleito para outro, o que foi interrompido agora com o golpe. Antes do Issoufou ser eleito em 2011, o único presidente que tinha sido eleito por voto direto foi o Mahamane Ousmane, em 1993, mas ele ficou três anos no cargo e foi deposto.

Há também um forte avanço de grupos jihadistas na região…

Sim, os países da África subsaariana lutam contra grupos jihadistas desde 2011, quando o ditador Muammar Kaddafi foi assassinado na Líbia e o Estado Islâmico e a al-Qaeda do Magreb Islâmico conseguiram se espalhar pela região desértica do Sahel [compreendida entre o deserto do Saara e a savana do Sudão], em parte devido à fácil cooptação de jovens pobres e sem perspectiva. E como a França, que tem enviado efetivos para essas suas ex-colônias, não consegue debelar os jihadistas, as Forças Armadas se voltam para outras fontes que oferecem reforço para o quadro militar nacional, treinamento e novas áreas de comércio de armas e munições.

E que novas fontes são essas?

A Rússia e o grupo Wagner, que apesar de, aparentemente, terem brigado, continuam umbilicalmente ligados na África, porque um respalda a presença do outro: enquanto o Wagner treina e "ajuda" a combater os grupos jihadistas em troca do direito de explorar recursos minerais na região, a Rússia apoia a decisão de um golpe militar para ocupar o vácuo de influência que vai sendo deixado pela França.

E o que significa essa mudança geopolítica na região?

Há uma confluência de situações que vão fazendo com que a França perca de maneira vertiginosa sua influência sobre suas ex-colônias na região da África subsaariana, e a França perdendo influência, o Ocidente também perde, porque na mesma proporção em que a França é subtraída, a Rússia ganha terreno. E Moscou está chegando com todas as armas de que dispõe para vencer o isolamento no qual se enfiou por causa da invasão à Ucrânia. O presidente Vladimir Putin já prometeu armas e grãos de graça para esses países. Não tem bandeira ideológica de política externa mais evidente do que isso.

Mas por que tanto interesse do Ocidente no Níger?

O Níger tem acordos com a França e a União Europeia para combater a imigração irregular através do deserto do Saara, que é por onde passa a maior parte dos comboios que chegam ilegalmente à Líbia rumo ao Mediterrâneo e à Europa. Era também o último bastião de influência ocidental nessa região e havia uma esperança de que sua democracia fosse amadurecendo. Mas com o golpe de Estado, essa esperança caiu por terra e não há garantias nem de que os acordos serão mantidos. No vizinho Mali, por exemplo, o Assimi Goïta [líder do Comitê Nacional para a Salvação do Povo, uma junta militar que tomou o poder após o golpe de Estado de agosto de 2020] expulsou as ONGs e os cidadãos franceses e a França teve que retirar suas tropas que estavam lutando contra os jihadistas. Na semana passada, ele também decidiu banir o francês como língua oficial do país.

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