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Por Nick Corasaniti, The New York Times — Asheville, Carolina do Norte

Uma batalha política sobre o direito ao voto e o controle das eleições é observada com atenção no estado americano da Carolina do Norte, faltando um ano e quatro meses para o pleito nacional de 2024. Os democratas buscam recuperar uma unidade federativa cada vez mais decisiva, que pode ser importante para dar ao presidente Joe Biden mais quatro anos no poder, enquanto os republicanos tentam eleger um governador alinhado a seus interesses.

Tal qual a Geórgia a Flórida e o Texas, a Carolina do Norte faz parte de estados que atraíram os holofotes nacionais e dinheiro de doadores políticos frente às tentativas republicanas de limitar o acesso ao voto nos meses seguintes ao pleito de 2020 e a cruzada trumpista para revertê-lo. É uma unidade federativa dividida: o ex-presidente Donald Trump foi o mais votado há três anos e o Legislativo estadual é controlado pelos republicanos, mas o governador, Roy Cooper, é democrata.

A tendência é que a Carolina do Norte seja palco de confrontos em todas as esferas de poder. Na Câmara Estadual, tramitam dois projetos de lei já aprovados pelo Senado estadual que mudariam drasticamente a condução das eleições. As legislações adicionariam barreiras adicionais à participação popular e efetivamente anulariam o Conselho Eleitoral Estadual, hoje sob o controle de Cooper. Diferentemente do Brasil, onde há uma Justiça Eleitoral nacional e regras uniformes, nos EUA cada estado conduz os pleitos à sua própria forma.

Com o embate à vista, a Suprema Corte estadual, com uma nova maioria conservadora, ordenou que os parlamentares redesenhem os mapas eleitorais, que agora provavelmente serão mais favoráveis aos republicanos. O rezoneamento distrital que determina a distribuição de assentos é refeito a cada dez anos, levando em conta o Censo mais recente.

A intenção da prática é que retratar de forma fidedigna a realidade de cada região. Contudo, o redesenho é com frequência visto por políticos de ambos lados (mas principalmente republicanos) como uma forma de melhorar suas vantagens eleitorais, prática conhecida como gerrymandering.

Cada canto da Carolina do Norte importa. Apesar de uma longa sequência de vitórias de candidatos republicanos à Presidência — a exceção foi Barack Obama em 2008 —, as disputas são cada vez mais apertadas. Trump venceu em 2020 com a vantagem de apenas um ponto percentual, e os aliados de Biden sinalizam que planejam investir no estado, que veem como uma batalha onde há potencial para vencer.

Trump, favorito para ser o candidato republicano, e o governador da Flórida, Ron DeSantis, um distante segundo colocado nas pesquisas neste momento, já realizaram eventos de campanha por lá. Outros pré-candidatos opositores que lutam pela chance de tirar Biden do poder no ano que vem também já passaram por lá.

— A Carolina do Norte é um dos estados que têm os dois fatores para exacerbar isso — disse Wendy Weiser, vice-presidente para democracia do Centro Brennan para a Justiça, da Universidade de Nova York, referindo-se às tentativas republicanas de obter maior controle sobre o voto e as eleições. — É um estado-pêndulo e um estado onde há um histórico de discriminação eleitoral (...). É definitivamente um dos estados com que devemos ter mais preocupação.

Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos a eleição presidencial é indireta: na prática, os eleitores votam para o Colégio Eleitoral, onde cada estado tem um número de representantes proporcional à sua população. Cada delegação, salvo exceções pontuais, vota unanimemente no candidato escolhido pelo voto popular em sua unidade federativa — portanto, é fundamental vencer nos estados-pêndulo, onde nenhum partido tem uma vantagem clara.

Mudanças sísmicas na política da Carolina do Norte abriram alas para que os republicanos partissem para o ataque. Eles agora têm maiorias à prova de veto legislativo após um parlamentar democrata desertar para o Partido Republicano em abril, limitando as manobras que Cooper pode fazer.

Os conservadores assumiram o controle da Suprema Corte nas eleições legislativas do ano passado, transformando uma maioria progressista de quatro a três para uma vantagem conservadora de cinco a dois. Pelas regras locais, cabe aos cidadãos escolher os magistrados da principal instância da Justiça Estadual.

Uma rede de ativistas de extrema direita e conspiracionistas eleitorais liderados por Cleta Mitchell, advogada que teve um papel-chave na cruzada trumpista para tentar se manter no poder em 2020, atua nos bastidores. O grupo se reúne com parlamentares, fazendo lobby a favor de suas prioridades e ajudando a moldar certas medidas.

Republicanos ganharam maioria capaz de aprovar leis sem risco de veto após deputado democrata desertar — Foto: Travis Dove/NYT
Republicanos ganharam maioria capaz de aprovar leis sem risco de veto após deputado democrata desertar — Foto: Travis Dove/NYT

Democracia sob ataque

Pelo país, os republicanos continuam a tentar restringir as leis eleitorais, argumentando que é algo necessário para proteger a “integridade eleitoral” e referindo-se às preocupações com fraudes, fomentadas por Trump. Não há, contudo, nenhuma evidência de irregularidades sistêmicas nos últimos pleitos americanos.

Apenas neste ano, 11 estados aprovaram 13 leis que impõem restrições adicionais à participação popular, segundo o Centro Brennan. É um número um pouco inferior ao de 2021, quando Legislativos estaduais controlados pelos republicanos aprovaram uma enxurrada de leis eleitorais, geralmente em resposta a mentiras disseminadas pelo ex-presidente e seus apoiadores.

A Carolina do Norte tem um passado particularmente ruim no que diz respeito às leis eleitorais. Em 1965, foi uma das unidades federativas no cerne na Lei do Direito ao Voto, a histórica legislação federal que proibiu a discriminação eleitoral por motivos raciais, segregação recorrente em vários estados sulistas após a Guerra Civil.

Roy Cooper, governador democrata da Carolina do Norte, posa para fotos durante passeata pró-direito ao aborto  — Foto: Kate Medley/NYT
Roy Cooper, governador democrata da Carolina do Norte, posa para fotos durante passeata pró-direito ao aborto — Foto: Kate Medley/NYT

Com a medida aprovada durante o governo de Lyndon Johnson, partes da Carolina do Norte se viram legalmente obrigadas a receber o aval federal para mudar suas leis eleitorais devido ao histórico de medidas discriminatórias. Em 2016, um tribunal federal derrubou uma tentativa republicana de alterar as regras para a identificação dos eleitores, afirmando que a medida “tinha como alvo quase cirúrgico americanos negros”, buscando afastar das urnas um grupo que historicamente vota nos democratas.

Os republicanos defendem as medidas mais recentes, com o senador estadual Warren Daniel, um dos principais autores do projeto de lei para mudar as leis eleitorais, disse no Legislativo estadual que a iniciativa “aumenta a confiança e a transparência das nossas eleições”. Certas mudanças, incluindo uma cláusula demandando que todos os votos postais sejam recebidos antes de as sessões fecharem no dia da eleição, deixariam a Carolina do Norte alinhada com vários outros estados.

'Pacote jumbo de supressão eleitoral'

Os democratas, entretanto, denunciam as propostas, com a senadora estadual Natasha Marcus chamando-as de “pacote jumbo de supressão eleitoral” — expressão usada para se referir às tentativas de restringir o acesso ao voto. No debate final sobre o projeto, ela disse que os termos incluem “várias coisas problemáticas que irão dissuadir as pessoas de votar, irão descartar cédulas eleitorais e suprimir os votos de certas pessoas de forma que considero discriminatória e antidemocrática”.

Uma cláusula-chave quase certamente eliminaria o registro de novos eleitores durante o dia do pleito ou no período de votação antecipada, substituindo-o por um sistema em que suas cédulas eleitorais seriam provisórias — para validá-las, precisariam depois entrar em contato e verificar sua identidade. Apenas algumas formas de identificação seriam aceitas: dados do Conselho Eleitoral do estado mostram que nas quatro eleições nacionais desde 2016, mais de 36% dos eleitores nessas condições apresentaram documentos que a nova lei vetaria.

Em 2016, quando os republicanos tentaram eliminar o registro eleitoral no mesmo dia da eleição, um tribunal federal constatou que era “indisputável que os americanos negros usavam desproporcionalmente” tal forma de votação. O grupo, afirmou a Justiça, era 35% dos eleitores que se cadastraram no dia do pleito, mas só 22% do eleitorado.

A nova proposta também deixa o voto postal mais complexo, criando um novo requerimento para que a assinatura dos eleitores seja conferida e uma autenticação de dois fatores que nenhum outro estado do país usa — algo cujo funcionamento prático deixou especialistas confusos. Como em vários outros estados, na Carolina do Sul quem mais vota pelos correios são democratas: nas eleições legislativas de 2022, mais de 157 mil votos foram recebidos desta forma, 45% deles vindos de democratas, e 35% de independentes.

Os percentuais não são surpreendentes, já que parte da ofensiva antidemocrática de Trump para reverter o pleito de 2020 teve como alvo o voto postal, cuja lisura foi sistematicamente posta em prova apesar da falta de evidências. E, para escrever o projeto de lei que tramita na Carolina do Norte, o partido teve ajuda externa.

Os parlamentares do partido tiveram uma reunião em maio com Mitchell, a advogada aliada de Trump, e Jim Womack, líder das Equipes de Integridade Eleitoral da Carolina do Norte — grupo que faz parte de uma rede de extrema direita parcialmente coordenada por Mitchell. Os ativistas pressionaram os legisladores para que implementassem tais medidas, segundo vídeos obtidos pelo grupo investigativo Documented e compartilhado com o New York Times.

— O registro no mesmo dia [da eleição], todos nós estamos de acordo, violentamente de acordo, que será acompanhado de uma cédula provisória — disse Womack. — Então, se você for se registrar no mesmo dia, haverá ao menos um pouco mais de tempo, talvez de sete a 10 dias, para ter mais oportunidade de pesquisar e questionar aquele eleitor segundo a lei, diferentemente de agora, quando a oportunidade para fazer isso é de menos de 24 horas.

Daniel, o senador estadual, se recusou a dizer qual papel Mitchell e Womack tiveram na elaboração da lei.

Republicanos defendem mudanças na lei eleitoral, afirmando que aumentam garantias do sistema eleitoral — Foto: Kate Medley/NYT
Republicanos defendem mudanças na lei eleitoral, afirmando que aumentam garantias do sistema eleitoral — Foto: Kate Medley/NYT

Mudanças no Conselho Eleitoral

Uma lei de 2017 que buscava reestruturar o Conselho Eleitoral do estado foi derrubada pela Suprema Corte estadual, mantendo a responsabilidade do governador de nomear todos os cinco integrantes — só três deles, contudo, podem ser do seu partido. Agora que o tribunal é mais conservador, os republicanos reviveram tal esforço.

Pela proposta republicana, o órgão teria oito membros, quatro nomeados por republicanos e quatro, por democratas. Isso certamente geraria empate sobre uma série de assuntos controversos, algo que gera preocupação em estudiosos da democracia e funcionários eleitorais, que se indagam sobre o que aconteceria se houvesse um impasse sobre a certificação do resultado de uma eleição.

Tal cenário não está abordado pela lei, mas Phil Berger, líder republicano do Senado Estadual, disse ao jornal local The News and Observer que tal cenário provavelmente significaria deixar a decisão nas mãos do tribunal. Lá, o veredicto final poderia depender do viés ideológico do magistrado ou do colégio de juízes.

— Há um sinal bem aí — disse Robyn Sanders, do Centro Brennan. — Está bem claro para mim que [o projeto de lei] foi deliberadamente feito para que houvesse esse tipo de situações.

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