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Por Alessandro Soler, Especial Para O Globo — Cracóvia, Polônia

Cruzar à noite a bela Praça do Mercado de Cracóvia é garantia de ser abordado por um enxame de divulgadores de clubes de strip-tease. “Gosta de seios fartos? Prefere ruivas ou louras?”, convida um deles, enquanto aponta para um dos muitos bares espalhados por esta zona medieval da capital da Pequena Polônia, a mesma província onde nasceu o Papa João Paulo II. A passos dali, não tem ninguém na frente do Lindo Bar. Aberto para a calçada, o andar térreo deste raro local voltado para o público LGBTQIA+ na cidade também está às moscas, enquanto, no subterrâneo, umas dez pessoas tomam cerveja ao redor do balcão ou nas mesas, conversando e escutando música pop.

— Antes, a gente costumava fumar e bater papo lá em cima. Mas as coisas estão ficando estranhas demais, não vale a pena o risco. Há uns meses, meu namorado e eu quase apanhamos na rua por trocar uma carícia. Fomos xingados e ameaçados por um casal que estava com os filhos pequenos — conta Maciej, estudante de 27 anos que, nessa noite, está acompanhado da amiga Agnieszka, a Annie, de 24.

Ela, que é lésbica, diz que não só as ruas se tornaram território hostil:

— Quando eu saí do armário, ainda adolescente, meus pais reagiram surpreendentemente bem. Mas, nos últimos tempos, começaram a dizer que eu deveria arranjar um homem bom e me casar, que meu estilo de vida não é aprovado por Deus.

A mudança na atitude dos pais de Annie reflete a notável piora na aceitação dessa minoria num país que foi um dos pioneiros da Europa Oriental em descriminalizar as relações homossexuais, em 1932.

Nesta semana em que se celebra o Dia do Orgulho, Bart S., um famoso ativista LGBTQIA+, foi indiciado por “incitação ao ódio, calúnia e difamação" contra soldados poloneses da fronteira com a Bielorrússia. Seu crime, segundo o Ministério Público? Criticar a atuação dos militares num choque com refugiados que tentavam entrar na Polônia, em 2021, deixando diversos feridos. A notícia foi dada com sensacionalismo e claro teor homofóbico em vários meios de comunicação. Os mesmos que difundiram estes dias fake news sobre supostos planos de criação de um “batalhão LGBTQIA+” no Exército polonês — gerando uma onda de ódio contra as minorias sexuais nas redes sociais.

Desde a chegada ao poder do ultraconservador Partido Lei e Justiça (PiS, na sigla em polonês), em 2015, a retórica antigay saiu do armário na TV, nas redes, no Parlamento, nas igrejas, nas conversas nas ruas.

Em agosto de 2019, o arcebispo de Varsóvia, Marek Jedraszewski, chamou a “ideologia LGBTQIA+” de “peste do arco-íris” numa homilia. Em setembro daquele ano, 300 membros de um grupo de extrema direita, segundo a polícia, estouraram a Parada do Orgulho de Lublin, no Leste do país, ferindo várias pessoas com pedras e rojões. Na mesma época, Janusz Korwin-Mikke, um dos líderes da ultradireitista Coalizão Liberdade e Independência — que já disse que as mulheres são menos inteligentes que os homens — afirmou que quem promove os direitos dos gays “deve ser morto”.

Nas últimas eleições legislativas, a coalizão dele obteve seus melhores resultados da História, superando 1,25 milhão de votos (cerca de 7% do total) e 11 cadeiras conquistadas no Sejm, a Câmara dos Deputados polonesa. Os números se repetiram em povoados e províncias país afora. Ato contínuo, os novos líderes da ultradireita começaram a editar leis tornando suas áreas “zonas livres de LGBTQIA+”.

As normas, oficialmente desenhadas para “proteger a família e os valores cristãos”, impedem a menção a minorias sexuais nas escolas, além de proibir marchas do orgulho e outras manifestações públicas da “afetividade não tradicional”. Várias dessas leis foram derrubadas pelo Tribunal Constitucional polonês. Mas foi principalmente o congelamento, pela União Europeia, de parte dos bilionários fundos que espalharam infraestrutura e desenvolvimento pelo país nas últimas décadas a razão de muitos vilarejos e regiões voltarem atrás.

'As pessoas estão contra a comunidade LGBTQIA+'

Isto e, também, o trabalho de repercussão internacional de um grupo de amigos que criaram o Atlas do Ódio, uma página permanentemente atualizada na internet que localiza e dá nomes às cidades e províncias onde se editam leis anti-LGBTQIA+. Cada uma delas é classificada com uma cor: as vermelhas são as que mantêm as normativas; as amarelas, as que ainda não as aprovaram; as verdes são aquelas que tiveram normas discriminatórias e foram obrigadas a derrubá-las, pela Justiça ou pela pressão da UE.

— As coisas estão indo numa direção muito errada na Polônia — disse um dos criadores, Kamil Maczuga, à agência Euronews. — As pessoas estão contra a comunidade LGBTQIA+ por causa do que é dito na TV ou pelas autoridades. Começamos a pensar que algo precisava ser feito para parar isso.

Algo está sendo feito entre as quatro paredes de uma simpática casinha branca no coração do bairro de Stare Podgórze, em Cracóvia. Ali funciona o Centro Comunitário Dom EQ, ou Casa da Igualdade, que acolhe centenas de membros da população LGBTQIA+ mensalmente e lhes dá um espaço seguro para serem quem são.

Adam Luczecki (à esquerda) e Kaja Banisz no pátio do Dom EQ. O muro pintado nas cores do arco-íris dá só para dentro, não sendo visível da rua — Foto: Alessandro Soler
Adam Luczecki (à esquerda) e Kaja Banisz no pátio do Dom EQ. O muro pintado nas cores do arco-íris dá só para dentro, não sendo visível da rua — Foto: Alessandro Soler

Encontros educativos promovidos com os pais de jovens gays, lésbicas, transexuais ou não binários trazem especialistas para debater com eles e romper estigmas, ajudando-os a aceitar a sexualidade dos filhos. Atendimentos individuais com psicólogos, atividades em grupo para socialização e palestras sobre saúde sexual e mental, além de oficinas de artes, são oferecidos a quem quiser participar.

— Me sinto bem aqui como em nenhum outro lugar — diz Kaja Banisz, de 25 anos.

Ao lado dela está Adam Luczecki, um homem transexual integrante do conselho de administração da Federacja Znaki Równosci (Federação Sinais de Igualdade, em tradução livre), entidade mantenedora da casa. Ele conta que episódios recentes, como pichações na fachada, danos ao portão, o roubo de uma bandeira do arco-íris hasteada ali permanentemente e o sumiço das chaves do lugar vêm provocando inquietude:

— Nos sentimos assustados. Não me sinto seguro na rua e evito sair de noite.

Mais à direita

As eleições de outubro próximo serão cruciais para a consolidação da onda ultraconservadora que atemoriza e ameaça pessoas como Luczecki. O governante PiS, na média das pesquisas, tem marcado 34%. Para conseguir a maioria absoluta e continuar a governar, é mais que provável que o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki precise do apoio da extrema direita da coalizão Liberdade e Independência, que já toca os 11% das intenções de voto.

— Antes impensável, uma associação entre PiS e a Confederação tem sido aventada em ambos os grupos. Ela daria ao partido governante um impulso eleitoral significativo no Parlamento, mas empurraria a política da Polônia ainda mais para a direita — opina Nathan Alan-Lee, pesquisador da Escola de Estudos Eslavos e do Leste Europeu no University College de Londres.

Um panorama que lançaria mais sombras sobre o arco-íris que estampa os muros do Dom EQ de Cracóvia — que está pintado apenas do lado de dentro, sem ser visto da rua.

— Aqui, nós preferimos ter uma atitude positiva e otimista. É verdade que a situação está piorando, mas também recebemos muito apoio e incentivo, no país e no exterior, além de doações para manter nossas atividades — diz Adam Łuczecki. — Na empresa onde eu trabalho, consigo me identificar como homem, e meus colegas usam os pronomes corretos comigo, ele, o, dele. Tenho sorte. Ainda existe alguma esperança.

Além dos direitos civis

A última edição do ranking Arco-Íris Europa, publicada mês passado pela ONG Ilga, de Bruxelas, revelou que a Polônia é o país que menos respeita os direitos do coletivo LGBTQIA+ em toda a União Europeia, com um índice 15 de 100. O número é pior que os de outras nações da região onde a situação das minorias sexuais também se deteriora, como Romênia (nota 18), Bulgária (20) e Hungria (30). Na outra ponta, os líderes em aceitação social e amparo legal e político foram Malta (89), Espanha (74), Islândia (71) e Finlândia (70).

Mas este não é, nem de longe, o único relatório em que a Polônia aparece mal. Desde 2020, o país já não é classificado como uma democracia consolidada pela Freedom House, ONG americana que elabora um tradicional ranking anual medindo critérios variados sobre a saúde democrática dos países. Uma das razões por trás disso é a ofensiva do governo do do direitista Partido Lei e Justiça (PiS) contra a separação de Poderes, editando leis que aumentam a interferência do Executivo sobre o Judiciário.

Já para o Varieties of Democracy (V-Dem), centro de estudos ligado à Universidade de Gotemburgo (Suécia), a Polônia foi, entre 2010 e 2020, o país que mais perdeu qualidade democrática no planeta, passando da classificação “democracia liberal” (a mais alta) para “democracia eleitoral”. Mas, se depender de uma lei anunciada mês passado, até mesmo esse status poderia estar ameaçado. O governo quer proibir candidaturas de pessoas consideradas “pró-Rússia”. Para representantes dos EUA e da UE, trata-se de uma tentativa de perseguir figuras da oposição.

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