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Por Anatoly Kurmanaev e Ekaterina Bodyagina, The New York Times

Em um mês na linha de frente, Alexander, um ex-presidiário servindo no Exército russo, não viu um único soldado ucraniano e mal disparou um tiro. A ameaça de morte vinha de longe e aparentemente de todos os lugares.

Enviado para defender uma potencial travessia de rio no sul da Ucrânia, com sua unidade formada às pressas e composta quase inteiramente por detentos, suportou semanas de bombardeio implacável, ataques de franco-atiradores e emboscadas. O terreno pantanoso e plano não oferecia cobertura além dos restos queimados das casas. Ele disse que observou cães roerem os cadáveres não recolhidos de seus camaradas mortos, bebeu água da chuva e vasculhou depósitos de lixo em busca de comida.

Alexander disse que, dos 120 homens de sua unidade, apenas cerca de 40 permanecem vivos. Esses sobreviventes são fortemente pressionados pelos militares russos a permanecer no campo de batalha ao final de seus contratos de seis meses, de acordo com Alexander e relatos fornecidos ao The New York Times por outros dois presidiários russos que lutam na linha de frente.

– Somos enviados para um massacre – disse Alexander em uma série de mensagens de áudio da região de Kherson, referindo-se a seus comandantes. – Não somos humanos para eles, porque somos criminosos.

Corpos de soldados russos fora da aldeia ucraniana de Makarivka — Foto: Tyler Hicks/The New York Times
Corpos de soldados russos fora da aldeia ucraniana de Makarivka — Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Seu relato fornece uma rara visão da guerra na Ucrânia do ponto de vista de um presidiário russo. Unidades compostas por condenados se tornaram um dos pilares da estratégia militar russa, já que os combates prolongados dizimaram as forças regulares do país. As descrições de Alexander não puderam ser confirmadas de forma independente, mas elas se alinharam com relatos de soldados ucranianos e prisioneiros de guerra russos que disseram que Moscou usava os presos essencialmente como bucha de canhão.

Os relatos dos militares foram obtidos por meio de mensagens de voz nas últimas duas semanas, algumas em entrevistas diretas e outras por meio de mensagens fornecidas por familiares e amigos. Seus sobrenomes, detalhes pessoais e unidades militares foram retidos para protegê-los contra represálias.

O testemunho de Alexander transmite a brutalidade imposta aos condenados russos e o custo humano que Moscou está disposta a pagar para manter o controle do território ocupado.

O Ministério da Defesa da Rússia começou a recrutar milhares de presos das prisões do país em unidades especiais chamadas “Tempestade Z” em fevereiro, depois de assumir um modelo de recrutamento prisional usado pela empresa militar privada Wagner no primeiro ano da guerra.

Alexander disse que se alistou em março, pouco depois de receber uma longa pena de prisão por homicídio. Ele deixou em casa uma esposa, uma filha e um filho recém-nascido e temia não sobreviver às torturas e extorsões na prisão.

Como outros combatentes-presidiários, lhe foi prometido um salário mensal de US$ 2 mil (R$ 9.950 na cotação atual) e liberdade ao final de seu contrato de seis meses, cuja cópia ele compartilhou com o New York Times.

Militares ucranianos disparam com morteiros contra uma trincheira russa perto de Niu-York — Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times
Militares ucranianos disparam com morteiros contra uma trincheira russa perto de Niu-York — Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times

O Grupo Wagner informou que 49 mil presos lutaram por sua força na Ucrânia e que 20% deles morreram. Ex-combatentes descreveram medidas disciplinares brutais impostas pelo grupo paramilitar.

Os sobreviventes que lutaram pelo Wagner, contudo, disseram amplamente que conseguiram receber salários e voltar para casa depois de seis meses como homens livres. Para aumentar os números de recrutamento, o grupo também trabalhou para reabilitar os presos aos olhos da sociedade russa, apresentando seu serviço militar como uma redenção patriótica.

No entanto, em fevereiro, Wagner perdeu o acesso às prisões durante uma luta pelo poder com o alto comando militar, permitindo que o Ministério da Defesa os suplantasse em termos de recrutamento de condenados.

O tamanho e as taxas de baixas nas próprias unidades internas do Exército russo são desconhecidos. No entanto, uma contagem das mortes em combate do país coletadas pela BBC e pela Mediazona, uma agência de notícias independente, mostra que os presidiários se tornaram as vítimas russas mais frequentes desde esta primavera, destacando a enorme contribuição que deram ao esforço de guerra do país.

O testemunho de Alexander e três outros ex-presidiários mostra como as unidades de presidiários evoluíram sob o controle direto do Exército russo. O New York Times obteve as informações de contato de Alexander por meio da ativista de direitos humanos russa Yana Gelmel e verificou a identidade dele e de outros presos usando registros judiciais disponíveis publicamente e entrevistas com seus parentes e amigos.

Eles descreveram pagamentos salariais irregulares que ficaram muito aquém dos valores prometidos a eles pelo Estado e uma incapacidade de cobrar indenização por lesões. Alexander também disse que seus oficiais impediram explicitamente os homens de sua unidade de recolher camaradas mortos no campo de batalha.

Ele alegou que isso foi feito para evitar que suas famílias reivindicassem indenização, porque os soldados mortos seriam registrados como desaparecidos e não como mortos em ação.

— Havia corpos por toda parte — disse Alexander, descrevendo os combates nas margens do rio Dnieper em maio. — Ninguém estava interessado em recolhê-los.

O Ministério da Defesa da Rússia não respondeu a um pedido de comentário.

Alexander também afirmou que seus oficiais usaram ameaças e intimidação para forçar os presos sobreviventes a permanecer na frente de batalha por mais um ano após o término de seus contratos. Outro soldado preso servindo na frente de Zaporíjia, mais a leste, disse que seu contrato o obrigava a permanecer na Ucrânia por mais um ano após obter seu perdão, dessa vez como soldado profissional.

Depois de um mês de treinamento perto da cidade ocupada de Luhansk, Alexander disse que foi enviado com sua unidade para manter uma linha de antigas casas de veraneio perto da ponte Antonovskiy, uma área que a Ucrânia tem como alvo com ataques rápidos desde que as forças russas se retiraram para a margem leste do Dniéper em novembro.

Eles passaram as seguintes três semanas e meia sob constante bombardeio do inimigo invisível, que bombardeou suas posições expostas do outro lado do rio e os alvejou com atiradores e emboscadas noturnas. Drones inimigos constantemente pairavam no ar.

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O objetivo de sua missão não era claro para eles; eles foram instruídos a simplesmente permanecer em suas posições. Eles não tinham armas pesadas nem meios de se defender dos ataques ucranianos.

— Estou correndo com uma arma automática como um idiota. Não dei um único tiro, não vi um único inimigo — disse um ex-detento da unidade de Alexander chamado Dmitri, que já faleceu, em uma mensagem de voz na época. — Somos apenas uma isca para expor suas posições de artilharia.

— Por que diabos eu preciso estar aqui? Sentar e tremer como um coelho porque os projéteis continuam explodindo ao seu redor? —disse Dmitri em uma das mensagens, compartilhada com o New York Times pela sua esposa.

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